sábado, 26 de julho de 2014

JOÃO UBALDO, MAIS UM GRANDE PENSADOR BRASILEIRO E BAIANO QUE NOS DEIXA SAUDADES.

Imagem disponível em 
http://sapeacunamidia.blogspot.com.br/2014/07/morre-aos-73-anos-joao-ubaldo-ribeiro.html
João Ubaldo escrevia com a arte e sabedoria de quem sabe escutar atentamente o conhecimento milenar característico das origens do que somos como povo brasileiro, tendo o cuidado de comunicar nas suas obras o direito à alteridade tão preciosa ao nosso  povo.
A Bahia, de modo especial Itaparica, está na cena das suas obras.Como bom pensador que era  tendo que lidar com as ondas da "ordem e progresso" e os discursos da modernidade que vem tragando a Bahia e toda a vida que comunica que somos africano-brasileiros e descendentes dos povos indígenas também,João não cessava de estranhar ,revelar,denunciar e propor perspectivas de pensar a partir do que somos. 
Aqui ,há um comentário dele no Observatório de Imprensa interessante sobre a "onda da inclusão digital": 
 “O presidente da República, em dois ou três momentos, parece ter manifestado pouco apreço por livros, como quando, num de seus famosos improvisos, disse ao povo que ‘não é livro que ensina a governar’. Decerto não é, mas deve ajudar um pouco, como ajuda em qualquer atividade, e não configura bom exemplo um governante fazer pouco da leitura, como a afirmação terá sido percebida por muitos governados. Fala-se o tempo todo em exclusão digital, essa calamidade que nos aflige. Vamos combatê-la, sim. Mas vamos ter certeza de que, na hora de usar o computador, o recém-incluído conheça as letras do teclado." http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/joao_ubaldo_ribeiro__25924.
Pois bem...
Continuemos a aprender com João Ubaldo e as histórias cheias de VIDA que ele comunicava.
A seguir uma crônica especial que tivemos a oportunidade de ler e saborear concebida na atmosfera da Ilha de Itaparica.
Vale a pena conferir!

JOÃO UBALDO RIBEIRO O PENSADOR QUE ESCREVIA AO SABOR DA ALTERIDADE BRASILEIRA

PERSPECTIVA PARA AS FÉRIAS


João Ubaldo Ribeiro

Saio de férias hoje e, se tudo correr como previsto, só volto a aparecer por aqui no dia 20 de fevereiro. Ou então nunca mais, se desta feita eu conseguir que Vavá Major me ensine a não fazer nada. Major era peixeiro com banca estabelecida no Mercado, mas, assim que completou o tempo mínimo, requereu aposentadoria, vendeu a banca e voltou para casa, no Alto de Santo Antônio, onde agora se dedica a não fazer nada. A primeira vez em que o vi depois dessa mudança foi numa visita que ele me fez. Não, não era verdade o que diziam, não era verdade que ele não fizesse mais absolutamente nada. Naquela hora mesmo, estava me visitando, isso não era fazer alguma coisa?
– Esse povo daqui fala muito e é descompreendido da filosofia, não aparece um bom filósofo aqui desde que Cuiuba morreu – disse ele. – Eu sinto falta.
– Ah, eu não sabia que tinha filosofia nessa sua situação.
– Mas é claro! Eu posso não ter estudo, mas sempre escutei os antigos. Então minha filosofia não é não fazer nada, isso é intriga dos invejosos. Minha filosofia é sem labuta e sem aporrinhação.
– Esse é seu lema?
– É o meu lema filosófico. Cada coisa que aparece para eu fazer, eu examino e faço duas perguntas. Dá labuta? Dá aporrinhação? Deu labuta ou deu aporrinhação, não é comigo, estou aposentado. Quem quiser que vá labutar e se aporrinhar, eu não.
– Mas, Major, me disseram que você não topa nem jogar dominó.
– Dá aporrinhação! Você quer mais aporrinhação do que esses jogadores que ficam contando lorota depois que ganharam na sorte? E perder também aporrinha, estou fora.
Confessei-me seduzido pela filosofia dele e pela competência com que ele a aplica. Não é coisa simples, observou ele, requer muito descortino e atenção, porque a todo momento aparecem labuta ou aporrinhação, onde menos se espera. Na dúvida, o melhor é não topar atividade nenhuma sem cuidadoso exame e muito tempo para ponderar, além de olho vivo onde quer que se ande. Não tive como não concordar e perguntei a ele se não era possível me passar sua experiência, me dar algumas aulas, por assim dizer. Negativo, disse ele, para se despedir afavelmente logo em seguida. A amizade continua firme, mas esse negócio de aula dá labuta.
Este ano não vou insistir em que ele me dê as aulas, mas vou ver se consigo permissão para acompanhar sua performance enquanto ele não faz nada. Mas talvez ele ache que, mesmo que não dê labuta, pode dar aporrinhação, de maneira que estou jogando com algumas opções. O leque é grande e primeiro me ocorreu saber de Xepa se sua canoa nova já chegou e, caso afirmativo, se vai dar para a gente sair e fazer uma pescariazinha de tatu, como ele garantiu que tem acontecido na ilha. Com esse último, que foi Lozinho de Maroca que fisgou, já são seis tatus somente este ano, me informou ele. Mas não, infelizmente ele não podia me levar para pescar uns tatus com ele, agora o Ibama já está alerta e quem ferrar tatu vai preso, esse Ibama vive atrasando o progresso.
O Ibama, porém, não se mete nas múltiplas atividades de Zecamunista, que, neste momento, está começando a pôr em prática seus planos de valorização da terceira idade. Admito que, de início, desconfiei disso, em vista do rumoroso episódio da viúva Gonçalves. A viúva Gonçalves, bem madura herdeira de um próspero comendador, foi durante muito tempo cortejada por Zeca, que alegava estar fazendo um trabalho de conscientização com ela, destinado a convertê-la, segundo palavras dele, em mais uma burguesa progressista. Esse trabalho de conscientização, segundo contam, se realizava basicamente à noite, na casa da viúva e, aparentemente, era empresa muito esforçada, porque dizem que, nas horas das lições, o silêncio em torno se enchia de ais, uis e gemidos variados, certamente oriundos da contundência com que Zeca expunha suas ideias. Há quem afirme maldosamente que ela financiava as expedições de pôquer dele, mas não se tem confirmação, cala-te, boca, não adianta revolver o passado, nada nele desmerece as iniciativas de Zeca para a terceira idade. Aliás, a designação que ele usa é outra.
– Terceira idade, não! – bradou ele no bar de Espanha. – Não admito essa frescura, isso é deboche!
– Mas todo mundo usa essa expressão.
–Todo mundo é a massa alienada pela propaganda capitalista! Terceira idade, não! Pior ainda, melhor idade! E a pior de todas: feliz idade! Eu passo a foice e o martelo no primeiro que me disser que eu estou na feliz idade! Se não querem dizer velhice, usem o adjetivo certo, quem já entrou nessa idade sabe qual é.
– Eu não sei.
– Bote a mão na consciência, só pode ser indigna idade! Aí eu aceito, é a expressão da verdade e qualquer velho coroca jura pelo seu fraldão que é o certo. Indigna idade, isso é o que ela é, tem que reconhecer a realidade e eu estou promovendo esse reconhecimento. Amanhã mesmo chega um ônibus cheio de mulher-dama, proletárias do amor que eu contratei em Salvador. É para a Primeira Semana pela Defesa da Indigna Idade. A única maneira de encarar a indigna idade é cometer indignidades. Você é casado, mas eu não tenho nada com as instituições burguesas, sou pelo amor livre. Vai querer aí um vale-rapariga?
– Não, obrigado – disse eu. – Dá labuta.




quinta-feira, 10 de julho de 2014

O FUTEBOL LUTA PARA SER CRIATIVO OUTRA VEZ


A história de como a ciência atrapalhou o jogador brasileiro

Por Sandro Moreira 


Futebol Arte, lúdico e alegre


O treino de juvenis ia animado e um menino se destacando. No meio-campo, ele recebeu a bola, aplicou dois dribles seguidos no adversário que o marcava duro e, livre, avançou para o gol quando foi interrompido pelo apito do treinador, que aos berros o advertiu energeticamente:
-Que negócio é esse? Está pensando que isso aqui é um circo? Outra palhaçada dessas e sai do treino.
O garoto, que até então vinha mostrando talento e habilidade, encabulou e não jogou mais nada o resto do treino.
Essa cena, presenciada e a mim contada por Nílton Santos, é comum hoje em todos os campos onde jovens tentam iniciar sua vocação para o futebol. Ela faz parte de uma linha de ação assumida de uns anos para cá pela maioria de nossos treinadores que, em nome de um futebol dito científico e que , segundo eles, se inspira na escola europeia, proíbe que o jogador tenha iniciativa em campo.


                             
                                   
                                                                  Baba na Bahia                    

A difícil linguagem

Essa história de futebol científico ou de laboratório surgiu por aqui e ganhou adeptos em meados da década de 70 ou, mais precisamente, depois da copa de 74, na Alemanha. Chegou até nós trazida por um grupo de treinadores interessado em defender a tese de que o jogador brasileiro precisava mudar os seus velhos métodos de treinamento, porque no futebol moderno a velocidade era fundamental e ganhava quem estivesse mais condicionado para correr os 90 minutos.
Além dos cuidados físicos, condenava-se também o 4-3-3, usado pela seleção e pela maioria dos clubes, como tática obsoleta. Novos esquemas precisavam ser implantados, todos eles baseados numa movimentação constante dos jogadores. Para tanto, eles precisavam ter uma saúde de touro premiado:
Os novos métodos, que incluíam corridas nas praias e montanhas, testes de velocidade, intervaltraining e outros nomes importados, sem dúvida foram de grande utilidade, melhorando visivelmente as condições atléticas dos jogadores. E o prestigio dos treinadores.
Tornou-se comum ver na seleção ou nos clubes a figura do preparador, ou fisicultor como eles preferem ser chamados, cercado de sisudos assessores, todos de cronômetro em punho, a comandar piques de velocidade, corridas de longa distância e a tomar a pulsação e a batida cardíaca dos jogadores, com explicações feitas numa linguagem, digamos, aeróbica, de difícil compreensão para um leigo.
A preparação física passou a ser prioritária. Correr nas areias da praia ou nas subidas das montanhas era rotina diária de treinamento. Bons jogadores, prontos para ser escalados, eram aqueles capazes de fazer o cooper em torno dos 12 minutos. Foi assim que Dirceu chegou a titular a seleção brasileira. Ninguém era mais veloz do que ele.

Segredos do estilo

Nos intervalos dessa atividade chamada aeróbica--que, voltamos a dizer, utilíssima para a saúde dos jogadores e sempre obediente ao princípio do futebol-força—aplicavam-se novas concepções táticas, estas, porém não tão úteis aos jogadores. Eram métodos de jogo que violavam a índole do nosso jogador, de difícil assimilação por eles e que acabaram por confundir e alterar completamente a maneira brasileira de jogar futebol.



Neném Prancha, admirado treinador, sabedoria do futebol Arte

Aos poucos os jogadores foram conhecendo os segredos do novo estilo de jogo. Assim, tomou conhecimento do overlaping, do ponto futuro, e de outras novidades pomposamente apresentadas. Se dessem, porém, ao trabalho de observar com atenção, os jogadores veriam que o overlaping, era apenas o nome estrangeiro do antigo vai-que-eu-fico, usado por eles em campo, e que o ponto futuro não passava do popular dá no buraco, muito conhecido também.

                                                

Gentil Cardoso vitorioso técnico, pensador do futebol arte

Impressionado, o jogador se deixou levar pelo que julgava ser futebol moderno e que teve na Holanda da Copa de 74 sua imagem mais notável. De resto não tinha outra opção. Ou fazia aquilo que o técnico mandava ou perdia o lugar no time. As instruções eram radicais. Cada jogador tinha uma missão a cumprir dentro da equipe, baseada na permanente movimentação, jogando com a bola e sem ela. Reter a bola era crime grave. A demora num passe era falha e punida e o drible nem se fala. Jogava bem quem se deslocasse rápido ou soubesse tocar a bola de primeira. Como mostravam os filmes dos jogos europeus, exibidos como exemplo nas concentrações. Alguns jogadores como os do Vasco no ano passado e os do Corinthians, se rebelaram. Curiosamente o Corinthians foi campeão e o Vasco melhorou.
Na verdade nem todos os técnicos seguiam rigidamente essa escola, não se sabe por que batizada de europeia. Telê Santana foi exceção. Sempre tentou manter o jogador dentro de um esquema que não lhe tolhesse de todo a criatividade. Mas entre os técnicos, principalmente entre os que nunca tinham jogado bola, a ideia do futebol-força, da velocidade de jogo, estava ligada intimamente a um primoroso condicionamento físico. E dessa forma o futebol brasileiro foi se transfigurando. Para esses técnicos – muitos aprenderam futebol na escola- a mudança tinha de ser total para que se jogassem de uma vez no lixo esquemas como o 4-3-3 e, sobretudo, o individualismo dos jogadores, embora tanto o 4-3-3 como o talento criativo dos Pelés e Garrinchas tenham nos dado por três vezes a Copa do Mundo.
A campanha contra o individualismo podia ter seu lado vantajoso, já que o jogador brasileiro tem o velho hábito de enfeitar jogadas,  burilar demais a bola. Mas essa campanha contra o chamado salto alto não podia chegar a ponto de inibir o jogador dentro de campo, privando-o de toda a sua criatividade. E disto só escaparam aqueles que tinham prestígio bastante para saber que não seriam jamais afastados do time. Sócrates, Zico e companhia.

Ausência do craque

Menos de 10 anos depois nos parece que esse modismo, europeu ou não, fracassou entre nós. Os fatos falam melhor: de lá para cá não ganhamos mais nada no plano internacional. Três copas se foram, taças e torneios menores também passaram ao largo e, o que é pior, estamos assistindo a uma geração, não muito pródiga de craques, chegar aos perigosos 30 anos, e vendo surgir outra assustadoramente vazia de grandes talentos.
Faltam craques ao nosso futebol. Em anos passados, qualquer torcedor era capaz de declinar em um minuto o nome de 10,15 ou 20 craques de primeira linha. Hoje, para responder á mesma pergunta, o torcedor, com muita dose de boa vontade, não chega a enumerar cinco.

                                                   

Fabuloso jogador, técnico admirado de elaborações filosóficas do futebol arte

Compreende-se que o futebol está sendo também atingido pela grave crise que sufoca o país. A luta pela sobrevivência nas classes menos dotadas obriga hoje um pai, menino ainda, no mercado de trabalho, tirando-o das escolinhas ou dos terrenos baldios onde ele antes podia desenvolver o seu talento de futuro craque. Atualmente a maioria dos jogadores provém da classe média(Sócrates, Zico, Falcão, Júnior, Edinho, só para citar os mais famosos). Mas apesar dessa triste e dura realidade, a nova mentalidade do futebol de laboratório também é grande responsável pela má qualidade do futebol atual.
Essa mentalidade importada violou as tendências naturais do jogador brasileiro, sua liberdade, seu talento criativo, que lhe deu fama internacional.



Beleza e eficiência

Graças a essa criatividade foi que Leônidas inventou a bicicleta, Didi o chute de curva, Nílton Santos o overlaping particular e Pelé não sei quantas jogadas de gênio. Como se comportariam esses técnicos de hoje com Mané Garrincha, que tinha no drible irresistível a sua arma para desmoronar as defesas adversárias? Provavelmente, Mané seria afastado do time por excesso de individualismo.
O futebol é um jogo coletivo em que deve ser controlado o exibicionismo inconsequente, até porque a seleção não poucas vezes pagou por esse abuso. Mas em nome desse combate não se pode inibir o jogador, retirar dele o direito de ter sua iniciativa, de mostrar seu talento e sua arte.
Mandar um jogador a campo como se fosse um robô, programado para cumprir determinada tarefa, traçada nos quadros-negros dos treinadores, sob pena de ser barrado, acaba sempre por nivelar na mesma mediocridade os bons e os ruins, os finos e os grossos.




Desdobramento do mundo do futebol na pintura de Portinari

A reação de hoje

Muitas pessoas, inclusive autores famosos que pertencem, por seus feitos, à história do futebol brasileiro, como Zizinho, Nílton Santos, Ademir, Jair e tantos outros concordam que o grande mal do futebol atual é dar pouca bola aos jogadores, que são mais treinados tática e fisicamente, através de exaustivos exercícios e enfadonhas palestras.
-A física é indispensável- comentava um deles num recente programa de televisão- mas deviam dar mais treino com bola aos jogadores. Aperfeiçoar os chutes a gol, a cobrança de faltas, o posicionamento certo e, acima de tudo, não privar os jogadores da sua liberdade de criar. Essas coisas é que mereciam ter prioridade.
Hoje uma reação já se esboça e há treinadores –Edu é um deles- que acreditam mais no talento do jogador. Eles, os jogadores, são a força maior do futebol brasileiro. Devem receber um moderno preparo físico e precisam ter em campo o senso exato do jogo coletivo. Mas não é justo acusar os grandes nomes que se consagraram nas três Copas do mundo de jogarem apenas com seu talento individual. Ao contrário: eles devem ser vistos como destaques de uma escola brasileira que, naquelas três campanhas, conquistaram a admiração mundial pelo admirável e quase irresistível futebol que jogava.
Não é pedir muito, portanto, que se dê a essa nova geração o direito de jogar mais livremente, devolvendo a iniciativa e aquela improvisação que, no tempo em que não eram condenadas, levaram o nosso futebol ás suas maiores glórias.

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Sandro Moreira era  jornalista e cronista esportivo.
Faleceu em 29/08/1997 
1 Esse artigo foi  publicado no Jornal do Brasil em 24/06/1984.
Nota: Fotos e ilustrações disponíveis na internet

quarta-feira, 2 de julho de 2014

El NIÑO LUISITO



                                                                                            Por José Guedes 

“A vida só pode ser compreendida,
 olhando-se para trás; mas só pode
ser vivida, olhando-se para frente”
(Kierkegaard)


A agressividade é inerente à condição humana, desde os primórdios da existência. São agressivos os movimentos instintivos de braços e pernas, ainda dentro do útero materno, que se caracterizam em chutes, por exemplo.

Imagem disponível em http://amadobebezinho.blogspot.com.br/2013_05_01_archive.html

Logo ao nascer, o bebê investe agressivamente, com voracidade, contra o seio materno, para suprir suas necessidades fisiológicas de alimento. Um misto de apetite e voracidade que está na base do amor primitivo. Um amor marcado pela excitação e alívio, com a satisfação que o alimento possibilita. O seio (mãe) que é atacado, é o mesmo que alimenta. A mãe suficientemente boa acolhe seu bebê, sobrevive aos ataques, promovendo um sentimento de confiança, possibilitando que o bebê se sinta amado para seguir em frente.

Imagem disponível em http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2013_08_01_archive.html

Com o passar do tempo, essa experiência vai se expandindo para o ambiente como um todo, incluindo aí, a figura do pai. Variando de indivíduo para indivíduo, a agressividade latente está presente durante toda a infância e adolescência, podendo aparecer na fase adulta, manifestando-se sempre como formas variadas de ataque ao ambiente. Há sempre um conteúdo menor ou maior de violência, com intenção de testar a resposta do ambiente, reeditando assim o que se passou nos primórdios do desenvolvimento emocional de suas vidas.
Claro que esses indivíduos clamam por limites. Limites que não reprimam, humilhando, segregando. Limites que acolham, restituindo a esperança de seguir vivendo. Endurecer, porém sem perder a ternura. Punho de aço com luva de pelica. “Não é o perfeito que precisa de amor, e sim o imperfeito”. (Oscar Wilde)
Comportamentos como esse, até certo ponto saudáveis, são a princípio antissociais , com um apelo de SOS. Caso essa compreensão não ocorra, corremos o risco desses comportamentos tornarem-se cada vez mais violentos com características de destrutividade, podendo levar à delinquência. “Qualquer amor, já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” (Grande Sertão Veredas – Guimarães Rosa).

Imagem disponível em http://sertaodesencantado.blogspot.com.br/2013/08/frase-de-guimaraes-rosa.html

As sanções impostas pela FIFA ao Luis Suárez, pela mordida no ombro do Giorgio Chiellini da Itália, foram altamente preocupantes, pela truculência da punição, repressora em excesso, e segregadora, sem levar em conta a constituição da subjetividade do atleta. Um comportamento antissocial de Luisito, tratado como delinquência. Uma demonstração inequívoca de uma total falta de sensibilidade para com um ser humano, tratado como se fora um marginal. Praticamente deportado do Brasil, e impedido de trabalhar em seu ofício por um longo período, e impedido de frequentar qualquer evento futebolístico. Em suma: uma espécie de “prisão” domiciliar.




Imagem disponível na Internet

No jogo anterior, contra a Inglaterra, Luisito demonstrou como precisa ser considerado. Ao marcar o segundo gol, que classificou o Uruguai, correu para abraçar e beijar carinhosamente seu fisioterapeuta, apontando-o, para que o mundo inteiro o visse como o responsável pela sua recuperação. Independente da competência profissional do fisioterapeuta, sem dúvida foi o aconchego e o acolhimento dado ao Luisito, que contribuíram para que ele se recuperasse em um curto espaço de tempo (um mês), de uma importante cirurgia no joelho, a qual foi submetido. Carinho se retribui com carinho.
Sabedor da punição imposta pela FIFA, o próprio jogador atingido pela mordida, teve a dignidade de perdoar, reconhecendo que não houve intenção violenta e destrutiva, no gesto impulsivo do companheiro de profissão Luis Suárez.
O futebol não é uma abstração, nem um objeto. É praticado por seres humanos (sujeitos).
Como fica uma instituição responsável pela prática do futebol no mundo, quando age com profunda desumanidade?
O que pensar dessa instituição, quando exclui a condição de sujeito de seus participantes?

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José Carlos Guedes é psicanalista.