quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DE MESTRE DIDI ALAPINI




No dia 17 de dezembro foi dado início as comemorações do aniversário de Mestre Didi Alapini que completará 100 anos em 2017 em 2 de dezembro.



As comemorações foram iniciadas com a abertura de uma amostras de esculturas de integrantes do Ilê Asipa. O Elebogi, Marco Luz, o Ojé Labi Welington M. dos Santos, o Ojé Oloxede Antonio Carlos dos Santos e o Amuixan e Alabe Kumo Peterson.
Foto: Marcelo Luz


Os Gêmeos Tales e Martim admiram a escultura Iya Ibeji, A Mãe dos Gêmeos de Marco Aurélio Luz Elebogi
Foto: Cleiton Otun Elebogi, pai dos gêmeos



Esculturas em ferro de Welington Mendes dos Santos, Ojé Labi
Foto: Marcelo Luz



Esculturas inspiradas na obra de Mestre Didi de seu neto Antonio Carlos dos Santos, Ojé Oloxedê.



O Sr.Genaldo Novaes Alaba nilê Axipa saúda o público presentes ladeado pelo professor Gildeci Leite da Uneb e demais autoridades.
Foto: Marcelo Luz


O Reitor da Universidade do Estado da Bahia UNEB José Bites saúda os presentes.



O Elebogi e Oju Oba Marco Aurélio Luz inicia a palestra convidando Kátia dos Santos Osi Badabarawo para cantar uma cantiga em homenagem ao aniversário do Alapini. A rica documentação de fotos e teaser dos filmes que ilustraram  toda a Conferência de Marco Aurélio Luz,foi sistematizada pelo jornalista Maurício do Patrocínio Luz.



O Oju Oba e Elebogi  realiza a palestra "Mestre Didi Alapini, Origens e Originalidades" abordando a profundidade  e legado da obra de Mestre Didi Axipa como artista, escritor e fundador de importantes instituições.
Foto: Marcelo Luz



As autoridades religiosas atentas a palestra prestigiaram o evento.
Ao centro Iyá Dagan  ladeada pela Iyalodê e Iyá Badabarawo


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O Alagba Genaldo Novaes  juntamente com demais ojé, sacerdotes do culto aos ancestrais masculinos Egungun, no encerramento do evento cantam uma cantiga em homenagem ao Mestre Didi Alapini Ipekun Ojé, Sacerdote Supremo. 
Foto: Marcelo Luz


Um dos momentos de descontração no Ilê Asipá.
O Elebogi ladeado pelos Otun Elebogi e Osi Elebogi


As comemorações de Centenário de Mestre Didi continuarão em 2017.

















quarta-feira, 16 de novembro de 2016

LIBERDADE RELIGIOSA, DIREITO CONSTITUCIONAL


Elexin tabi Ajagun ati Ekun ati Odo. 
Foto: M. A. Luz

Por Marco Aurélio Luz

No dia 10/08 de 2018, notem bem, depois de séculos da tradição religiosa ser reposta da África para as Américas especialmente para o Brasil, o Supremo Tribunal Federal julga a pertinência legal das oferendas que incluem animais. Por razão da atualidade de mais uma expressão de preconceito e racismo republicamos o presente texto. 


No território sagrado da tradição africano brasileira para o animal ser oferecido a uma entidade, tem que ter condições muito específicas dentro da liturgia. Ele se apresenta com uma compreensão, de circulação de axé, ciclo vital, restituição. Uma pessoa, ou uma comunidade está atravessando determinado problema... Há na natureza substâncias que, utilizadas liturgicamente, resultam em acionar axé, promover força de existência.
Quando se oferece um animal é para reforçar o axé de um orixá, ou um ancestral. Refere-se ao orixá de uma pessoa, ou a um orixá ligado a uma comunidade que, vai também reforçar os vínculos espirituais. Por isso as entidades compartilham essa integração de axé das oferendas com as pessoas. As pessoas comem a comida litúrgica. Então, há uma comunhão entre as forças da natureza e aquelas pessoas. Agora, para isso, não é preciso ser uma quantidade enorme de animal, mesmo porque não são só animais que compõem as oferendas, são folhas, vegetais e outros elementos, substâncias que participam, que vão ser transformados em alimento pela culinária litúrgica, são uma culinária de símbolos, que expressa uma visão de mundo, e vai ser repartida entre os fiéis, convidados, sacerdotisas e sacerdotes, é uma confraternização.
Vai haver uma elaboração muito grande em relação à vida, porque ali você está elaborando o viver e o morrer, uma elaboração muito delicada, muito sutil, muito vivenciada. Ali você não tem o frango do supermercado de que você tem um pedaço de perna e come como se nem tivesse um frango ou uma galinha ali. A ideia de galinha está muito longe encoberta pela coxinha... Muito diferente da tradição religiosa, onde você tem o animal inteiro, com quem você entra em contato... . Você vai viver a dramaticidade natural da situação do viver e do morrer e, por isso são poucos animais.
É uma hipocrisia a crítica a esse ato porque nessa sociedade industrial é que o animal é reduzido simplesmente a um animal seriado para morrer e que vai ser engordado de acordo com a necessidade do mercado econômico que exige produção em massa. Vão ser dados a eles alhos e bugalhos para ele alcançar rapidamente determinado peso.
Até coisas que comprometem a saúde humana de quem consome, são dadas e os deformam. Eles têm uma vida completamente voltada para isso. São presos ou confinados, uma vida como carne. Eles não vivem uma vida de animal. Eles não têm uma identificação de animal. 



Foto disponível na internet.
A eles é projetada uma identificação de carne, um produto de uma cadeia de produção. Não se cria o animal como animal, aquilo é criado como a produção de um bem unicamente para dar lucro, que vai favorecer uma atividade econômica. Então é uma hipocrisia se colocar a favor dessa sociedade que faz isso e lança no mercado diariamente uma enorme quantidade, porque são mortos industrialmente e chegam para o consumidor sem nenhum aspecto daquele bicho que foi e você nem se lembra do que ele é ou que deixa de ser.
Então, todas as referências de uma vida social que esteja ligada a isso estão esmaecidas ou apagadas, é simplesmente uma atividade de ir ao supermercado e consumir. Assim como se consome chiclete se consome um animal. Está tudo ali reduzido a condição de produto para o consumo. Não há nada ali que faça pensar na condição da vida animal.
 Ao contrário da situação da oferenda em que a pessoa que está oferecendo se identifica com aquele animal, fala com ele dá recados e elabora a restituição que integra a dinâmica do ciclo vital, a circulação de axé. No território sagrado inclusive não é permitido maltratar ou matar qualquer animal.


Gansos no Ilê Axé
Foto: M. A. Luz

 Embora a função do caçador do predador acompanhe a natureza humana, algo característico da espécie, há diferentes contextos... Agora o que não podemos é aceitar a hipocrisia das críticas vindas do preconceito...


NOTAS:
 DA RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

G1 Publica matéria em 6/11/2016
Após vetar vaquejada, Supremo vai julgar sacrifício religioso de animais.







 


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

ENTREVISTA -OBA NIJÔ ATRAVÉS DO OLHAR E EMOÇÕES DA AUTORA NARCIMÁRIA LUZ

Pássaro Ancestral
Ilustração de Marcelo Luz
Nosso blog apresenta uma entrevista especial com a professora Narcimária Correia do  Patrocínio Luz, autora do livro para crianças e jovens “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade”. Aqui ela nos fala de modo descontraído das emoções vividas na composição dessa mais recente-publicação que tem o selo da Editora Pallas, com o apoio e incentivo do Ministério da Cultura através da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em 2015. 

-PARTE I-


ACRA-Comecemos com uma provocação. Como é pensar e realizar iniciativas de Educação no Brasil, defendendo o direito à alteridade civilizatória africano-brasileira? O que isso significa?

N-Acredito que pensar Educação no Brasil, do jeito que venho fazendo, deve-se muito ao meu envolvimento comunitário! Através dele me aproximo das minhas origens, da ancestralidade africana e da minha descendência africano-brasileira que me envolve em linguagens ético-estéticas singulares. Só sei que minhas atividades científicas e acadêmicas são influenciadas por esse envolvimento comunitário que torna possível identificar abordagens, reflexões, proposições e iniciativas preciosas, a exemplo deste livro “Oba Nijô”.
Há um clamor das comunalidades africano-brasileiras por políticas públicas que contemplem direitos coletivos capazes de estabelecer espaços institucionais de combate ao racismo e suas engrenagens ideológicas, que tendem a tragar a vida, levando-as a terem que lidar com situações marcadas por muita dor e humilhação.
“Oba Nijô” é, portanto, uma homenagem e uma forma de solidarizar-se com todos os povos e comunalidades africano-brasileiras que não abrem mão do seu direito de ser, de viver seus ritos de iniciação e de passagem nas suas instituições, elaborando as linguagens e valores que contribuem para a expansão dos valores e linguagens características.




Oba Nijô conversando com agemó na  sua iniciação na floresta

Ilustração de Ronaldo Martins



ACRA-Suas análises sobre a Universidade são muito comentadas pois tendem a destacar  a ideologia do recalque que a organiza,estrutura e fomenta os discursos oficiais. Como é lidar com a abordagem do direito à alteridade civilizatória africano-brasileira dentro da Universidade?

N-Vou aproveitar esse espaço,para reafirmar uma constatação. Me permita trazer aspectos de uma reflexão que se transformou posteriormente num ensaio: sei que é difícil para muitos, aceitar a constatação de que as Universidades brasileiras são atravessadas no seu cotidiano pelos entulhos ideológicos racistas fixados nas metrópoles da Europa e EUA. Os espaços acadêmicos são extensões geopolíticas e expansionistas dos valores e linguagens de alguns Estados Nacionais com suas supremacias étnicas e territoriais.
Para as universidades submetidas ao manto ideológico do racismo, suas metanarrativas e analíticas da finitude sobre a vida, só resta reproduzir de forma metonímica “a conversa de branco” ou o arremedo dos discursos “para inglês ver”, como diziam os/as velhos africanos da Bahia do século XIX.
Não vamos aqui pensar ingenuamente que a intelligentsia que organiza as nossas universidades procura estabelecer uma ética do futuro pautada no direito à alteridade civilizatória africano-brasileira. A intelligentsia da universidade não acredita e não consegue conceber que há uma epistemologia africano-brasileira legítima pulsando nas suas territorialidades negras, nas suas células comunitárias, e que contemporaneamente entra na universidade através de gerações de afrodescendentes, desestabilizando e  criando fissuras profundas no cimento epistemológico europocêntrico.



Doutora Narcimária compõe a banca examinadora do exame de Doutorado em Educação defesa da tese da  Professora Janice de Sena Nicolin .
Da esquerda para direita Professoras Nadir Nóbrega,Ana Célia da Silva,Jaci Menezes,Narcimária Luz e Inaycira   Falcão dos Santos


ACRA- Há episódios nas suas vivências como professora universitária que poderiam ilustrar um pouco sobre esses enfrentamentos que desestabilizam  e criam as fissuras nesse  cimento epistemológico universitário?

N- Muitos episódios marcaram a minha trajetória na Universidade(risos).
 O recalque a nossa identidade, a repressão a nossa cultura e riqueza de civilização, se encontra aqui mesmo entre nós, em “nossas “instituições. Na Bahia territorialidade imantada pela alteridade civilizatória africano-brasileira, vivemos um grande dilema, pois a Universidade não conseguiu fundar nem gregos nem baianos, como diz Gilberto Gil na música Tempo Rei.

Me deparei com as  ideologias racistas,paternalistas e conservadoras produzidas por aqueles/as que exerciam(e ainda exercem) a supremacia  dos discursos totalitários,considerados os únicos e legítimos representantes dos grandes sistemas explicativos necessários à educação no Brasil. Mas felizmente faço parte da geração de descendentes de africanos/as que entram na Universidade  se insurgindo aos/as donos/as das metanarrativas etnocêntricas descolonizando e africanizando a Universidade. 


Defesa de Dissertação de Mestrado em Educação da Professora Léa Austrelina Ferreira na UNEB, com os jovens do Ilê Asipá.
Na defesa pública da dissertação aconteceu a encenação do auto corográfico A Fuga de Tio Ajay de autoria de Mestre Didi. 

Na minha trajetória acadêmica concebi documentos, palestras, conferências, seminários, congressos, pesquisas, aulas na graduação e pós-graduação, etc, procurando penetrar nesses espaços institucionais através atitudes políticas visando  afirmar o direito a alteridade civilizatória africano-brasileira,indicando um outro continente teórico-epistemológico que transcenda as fronteiras do racismo e legitime nossas origens negras.




Mostra de Arte Africano Brasileira Awon Esó Frutos do Prodese,
No 10º Aniversário do Programa Descolonização e Educação.
Exposição das esculturas em madeira de Marco Aurélio Luz e Pinturas de Ronaldo Martins.
Curadoria de Ronaldo Martins



Mesa de temática no evento Awon Esó comemorativo dos dez anos do PRODESE.
Da esquerda para a direita O poeta baiano Lande Onawale , Dalmir Francisco Professor da Universidade Federal de Minas Gerais,O saudoso poeta José Carlos Limeira e o Cientista Social Marco Aurélio Luz.





Doutora Narcimária foi expositora no Colóquio Muniz Sodré dedicado as discussões temáticas em torno a  obra do Doutor Muniz Sodré.O Colóquio fez parte das comemorações organizadas no âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo aniversário de 70 anos do Doutor Muniz Sodré.
Da esquerda para a direita Doutora Narcimária Luz, Doutor Muniz Sodré, Doutor Márcio Amaral e Doutor Marco Aurélio Luz

A essas atitudes políticas como professora Universitária e pesquisadora chamamos de descolonização, considerando importante  manter condutas de recusa as relações que tornam a Universidade uma “casa grande” e que tenta nos submeter enquanto descendentes de africanos/as na “senzala”.

ACRA-Suponho que deve ser difícil lidar com a ideologia do racismo e seus desdobramentos na área de Educação. Como preparar então as gerações futuras para enfrentar esses desafios que atravessam a história das populações negras no Brasil?

N-Essa pergunta me lembra um diálogo muito interessante  que vi no filme “Selma ,uma luta pela igualdade”.O filme aborda aspectos da organização e realização da marcha pelos direitos civis na cidade de  Selma no  Alabama em 1965.O diálogo acontece entre Coretta King esposa de Martin Luther King e Amélia Baynton, uma liderança feminina importante na história do movimento dos direitos civis nos EUA.
O diálogo é assim:
Coretta King:Gostaria de ter mais tempo para preparar todos nós. Será que estou preparada?
Amélia Baynton: Somos descendentes de gente poderosa ,que deu a civilização para o mundo. Gente que sobreviveu a navios negreiros, através de vastos oceanos .Gente que inovou ,criou e amou, apesar das grandes pressões e torturas inimagináveis. Estão no nosso sangue, bombeando nossos corações  a cada segundo. Eles lhe prepararam ! Você está preparada!
Não resta dúvida! Já nascemos preparados para enfrentar, superar e erguer com muita altivez e dignidade nosso patrimônio civilizatório africano.



Formatura da primeira turma de Pedagogia Campus de Lauro de Freitas da UNEB  homenageia a professora Doutora Narcimária Luz.

Professora Narcimária com a graduanda Cremilda Sacramento

Foto Maurício Luz


ACRA-Ainda nessa perspectiva do direito à alteridade civilizatória africano-brasileira, como a literatura dedicada ao público infanto-juvenil vem se comportando?

N-Franz Fanon no seu livro “Os Condenados da Terra” já alertava: Todo povo colonizado - isto é, todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural - toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é da cultura metropolitana... Quanto mais assimilar os valores culturais da metrópole,mais o colonizado escapará de sua selva. Quanto mais ele rejeitar sua negridão,seu mato,mais branco será...”
A abordagem institucionalizada sobre o dever ser a literatura, repousa no reductio ad unum de Auguste Comte (isso é uma extensão do cimento epistemológico que organiza a Universidade como já disse antes) e a louvação às  metrópoles europocêntricas.O pior é reconhecer que há aqueles que vivem da  subjugação aos contornos ideológicos e “verdades” teóricas apresentadas através do dever ser a literatura, disponibilizando para o público infanto-juvenil arremedos literários cujos valores os distanciam do repertório das nossas comunalidades africano-brasileiras.

ACRA-Como assim dever ser a literatura?

N-São “obras literárias” que se fixam em personagens solitários, subservientes, com uma tristeza profunda devido a solidão, pois não têm família, não vivem valores das nossas comunalidades, destituídos do direito à alteridade,as ilustrações estão acomodadas esteticamente  aos traços europocêntricos , enfim... Que caminhos restam para as  personagens negras nos enredos? Como ser feliz nesse dever ser  literário? Os enredos tendem a afastá-los da sua origem civilizatória africano-brasileira e  “evoluir” fazendo o caminho do “mundo dos valores brancos” (parafraseando Marco Aurélio Luz).Infelizmente essa literatura circula sem nenhum pudor nas escolas,entrando como leitura obrigatória para adolescentes e jovens do Ensino Fundamental e Médio. É bom lembrar que nessa fase, mais do que nunca,os  adolescentes e jovens precisam muito se aproximar de obras literárias que apresentem a altivez das  populações negras evitando que sofram o flagelo da sua autoestima e venham sucumbir face às abordagens racistas ainda presentes na literatura infanto juvenil.

ACRA-O que fazer professora?

N-Como lhe disse antes, há uma geração de descendentes de africanos/as que entram na Universidade  se insurgindo aos/as donos/as das metanarrativas etnocêntricas descolonizando. Então, vejo com satisfação as narrativas das comunalidades africano-brasileiras entrarem nos espaços acadêmicos com muita força. Claro que há nisso, tensões e conflitos,já que essas narrativas subvertem a ordem dos discursos acadêmico-científicos positivistas. O acervo de contos de Mestre Didi é um exemplo significativo e valioso de como podemos transcender o lugar comum e equivocado dessa literatura neocolonial.Subverter! Sim. É esse o caminho. 

Porque Oxalá Usa Ekodide um dos mais belos livros de contos de Mestre Didi com ilustrações de Lênio Braga.


Conheci a literatura afro-brasileira de Mestre Didi através de Marco Aurélio Luz, cientista  no âmbito da pós-graduação. Esse aprendizado repercutiu de tal forma na minha vida científico-acadêmica, que hoje mudou totalmente a minha visão sobre Educação.

ACRA-Qual a sua compreensão sobre literatura infanto-juvenil?

N-Minha compreensão de literatura infanto-juvenil reconhece e respeita as comunalidades africano-brasileiras como mananciais socioeducativos  valiosos. Escrever para o público infanto-juvenil é ter a compreensão das histórias que expressam a identidade profunda de populações que insistem em afirmar com muita tenacidade a sua alteridade civilizatória. Daí investir no que considero essencial:uma literatura infanto-juvenil afro-brasileira.

Para saber mais visitem a Revista REPERTÓRIO: Teatro & Dança - Ano 18 - Número 24  para ler sobre“Oba Nijô, Literatura Odara” por Marco Aurélio Luz. O link éhttp://www.portalseer.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/14845    





-PARTE II-

ACRA- “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade”, assim como os outros de sua autoria, também apresenta Itapuã como cenário da trama. Por que Itapuã tende a ser um lugar especial nas suas obras literárias?

 N-Tenho um vínculo profundo com Itapuã! Fui apresentada a Itapuã pelos meus pais, Narciso e Januária, que são professores e participaram da história da educação em Salvador de modo especial em Itapuã. Cresci em Itapuã, vivi muitas emoções que até hoje me alimentam e me inspiram para compor histórias como “Oba Nijô”. O mar, a “pedra que ronca”, as dunas, a lua cheia na lagoa do Abaeté... 



Lagoa do Abaeté em Itapuã
Foto Maurício Luz

A lagoa do Abaeté era extensão da minha casa! Morei em frente à lagoa! Outras lembranças preciosas: o traçado das ruas ,a arquitetura africano-brasileira das casas, a vegetação, o mercado, as oferendas para as águas, a puxada de rede, a culinária que marca o sabor do lugar, as histórias contadas pelos  mais velhos, as brincadeiras de rua, as celebrações e oferendas para Yemanjá e Oxum, a riqueza musical e poética, o verão em Itapuã... Hummmm Tudo muito especial! Odara!


Itapuã anos 1960

Foto disponível na Internet

Além desse olhar, e sentimentos que atravessaram a minha infância e juventude, descobri como pesquisadora no campo da alteridade civilizatória africano-brasileira a Itapuã que carrega aspectos sócio-históricos singulares que repercutem na formação social brasileira. Então, “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade”, e outras histórias que também escrevi para o público infantojuvenil, carrega o olhar e emoção de Narcimária menina dialogando com o repertório sócio-histórico  que a pesquisadora encontra e procura analisar.



ACRA-Não há conflitos nesse diálogo entre essa Narcimária menina e a Narcimária pesquisadora?

N-Eu não diria que são conflitos (risos). Como cantava o poeta Roberto Ribeiro: “Todo menino é um rei/ Eu também já fui rei/ Mas quá!/ Despertei!/... Nos meus tempos de menino/ Porém menino sonha demais/ Menino sonha com coisas/ Que a gente cresce e não vê jamais”(Roberto Ribeiro)
Ou ainda outra canção importante para mim de Milton Nascimento que canta assim:
Há um menino/ Há um moleque/ Morando sempre no meu coração/ Toda vez que o adulto balança/ Ele vem pra me dar a mão/ Há um passado no meu presente/ Um sol bem quente lá no meu quintal/ Toda vez que a bruxa me assombra/ O menino me dá a mão/ E me fala de coisas bonitas/ Que eu acredito/ Que não deixarão de existir/ Amizade, palavra, respeito/ Caráter, bondade alegria e amor/ Pois não posso/ Não devo/ Não quero/ Viver como toda essa gente/ Insiste em viver/ E não posso aceitar sossegado/ Qualquer sacanagem ser coisa normal/... Toda vez que a tristeza me alcança/ O menino me dá a mão.(Milton Nascimento e Fernando Brant)
 Então, tenho que saber lidar com o sonho e o despertar dele. Difícil! São elaborações de mundo que refletem olhares e sentimentos bem distintos, entre gerações. De um lado, o olhar e sentir da menina que viveu a Itapuã respirando a poesia que encanta esse lugar especial; de outro, a adulta que tem o olhar e sentir influenciados pelos impactos da modernidade e a dinâmica do “time is money” que tende a despir Itapuã da poesia e do encantamento. Quando falo na poesia que encanta, estou me referindo à dinâmica estrutural, aos vínculos de sociabilidade de Itapuã.



Antigo Mercado de Itapuã
Foto disponível na Internet




Itapuã anos 1960 antes da estrada de existir   a Estrada do Farol asfaltada e antes do Colégio Estadual Governador Lomanto Júnior ser construído.

Foto disponível na Internet

Itapuã anos 1960
Foto disponível na Internet


É essa presença da menina que existe em mim, que me anima a manter o que há de mais singular em Itapuã, como adquirir a sensibilidade para compor histórias como a de Oba Nijô.

ACRA-A senhora poderia ilustrar um pouco dessa poesia que encanta e comunica a dinâmica sócio-histórica de Itapuã?

N-Por exemplo: readquirir a capacidade de contemplar e reconhecer o significado original de Ita Puã, a “pedra que ronca” como  ícone histórico-político de afirmação do lugar  mais importante, (ao contrário do que aprendemos na infância) do que  o farol de Itapuã, que representa o colonizador e as agressões que trouxeram para o Brasil.





A pedra no mar de Itapuã que dá nome ao lugar
Foto Narcimária Luz

 A  “pedra que ronca” adquiriu nas minhas obras o destaque de  mito fundador do lugar, ela é a afirmação da presença fundamental do povo tupinambá na história de Itapuã. Costumo afirmar que o “ronco”  de  Itapuã  é uma  metáfora que carrega  as projeções socioexistenciais dos povos que foram agredidos pelas  relações coloniais  e de expansão do capitalismo industrial.

ACRA-Como nasceu a ideia de escrever esse livro?
N-Estava realizando estudos e pesquisas com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Cultura através da Fundação Biblioteca Nacional; e também vivendo com alegria a Associação Crianças Raízes do Abaeté (ACRA, 2005-2012). As pesquisas me aproximaram de aspectos sócio-históricos e ambientais muito instigantes envolvendo Itapuã. Depois que concluí minha pesquisa, publiquei o livro Itapuã da Ancestralidade Africano-brasileira (EDUFBA-2012), voltado mais para o público adulto. Mas sempre achei que muitos dos aspectos valiosos que descobri sobre Itapuã mereciam ser apresentados para as crianças. Foi daí que comecei a selecionar, sistematizar temas, episódios, fatos históricos, ambientais,  adaptando-os para as crianças.

Para saber mais verno site da EDUFBA o  Espaço do autor no linkhttp://www.edufba.ufba.br/2012/07/narcimaria-correia-do-patrocinio-luz/

ACRA-Quais os aspectos sócio-históricos  que lhes   motivaram a escrever pensando no público infanto-juvenil?
N-As crianças precisavam saber que Itapuã era local de embarque e desembarque de povos africanos. Para cá vieram pessoas que exerciam lideranças importantes no continente africano: pessoas que tinham conhecimento sobre os astros, botânica, biologia, navegação, medicina; guerreiros, sacerdotes, ferreiros, arquitetos, oleiros; artistas, como escultores, dançarinos, dramaturgos, músicos, filósofos, agricultores etc. A força da civilização africana era representada por povos de distintas regiões da África que vieram capturados pelo sistema escravista para as Américas durante três séculos. Mesmo com todas as agressões sofridas na escravidão, os povos africanos não abriam mão de sua dignidade e conseguiram com muita coragem trazer para as Américas de modo especial para o Brasil suas formas de viver e manter a riqueza da sua civilização.


Puxada de rede em Itapuã Anos 1950
Foto disponível na Internet


Itapuã também tem na sua história a organização territorial de muitos quilombos inspirados no modo de vida africano que se expandiram em áreas estratégicas, a exemplo das dunas envolvendo a lagoa do Abaeté e toda a sua extensão.







Dunas e vegetação na Lagoa do Abaeté
Foto disponível na Internet




ACRA-E a Associação Crianças Raízes do Abaeté-(ACRA), ajudou a senhora a realizar essas adaptações?

N-Sim. Mas minha participação na ACRA foi inspirada na  experiência de educação pluricultural da Mini Comunidade Oba Biyi (1976-1986), concebida por Deoscoredes Maximiliano dos Santos o saudoso Mestre Didi



Mestre Didi, Fundador da experiência pedagógica inovadora Mini Comunidade Oba Biyi  

A filosofia da Mini Comunidade Oba Biyi e suas proposições didático-pedagógicas eram alicerçadas nos contos de Mestre Didi, que apelava para as formas de comunicação da comunidade envolvendo dramatização, dança, música, cenários, figurinos etc.



Apresentação do auto coreográfico A Chuva Dos Poderes de Mestre Didi no festival de Arte Integrada Mini Comunidade Oba Biyi.


 Foi estudando o pensamento de Mestre Didi, que reconheço como um educador contemporâneo, e as características que ele imprimiu no currículo da Mini Comunidade Oba Biyi,que que pude fundamentar o meu trabalho no campo da ancestralidade africano-brasileira e na educação. Oba Nijô é um dos desdobramentos desse legado.

ACRA-E sua participação na ACRA?

N-ACRA foi uma iniciativa institucional de José Luís Correia do Patrocínio, o Contra Mestre Luís Negão que é meu irmão caçula, com o apoio dos nossos pais entusiastas na área da Educação: Narciso José do Patrocínio e Professora Januária Avelina Correia do Patrocínio.




Crianças da ACRA dramatizam o auto coreográfico "A Canção do Infinito" de autoria de Narcimária Luz


 A ACRA nasceu em 2005 no bairro de Itapuã, no município de Salvador, e foi referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da Cultura. Essa Associação, durante oito anos, proporcionou a crianças e jovens espaços socioeducativos que legitimassem o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.


Capoeira de componentes da ACRA e do grupo Oxford Abolição do Contra mestre Luis Negão
Foto do acervo da ACRA


A ACRA se tornou um espaço socioeducativo muito importante para mim, pois me mobilizava a desenvolver modos e formas de comunicação que pudessem abordar as referências sócio-históricas que eu estava encontrando sobre Itapuã, transformando-as e/ou adaptando-as para a linguagem infanto-juvenil


Apresentação dos participantes da ACRA na encenação do auto coreográfico "A Canção do Infinito" de autoria  de Narcimária Luz com orquestra de berimbaus sob a orientação do professor Sidney Argolo.
Foto do acervo da ACRA


 Através da ACRA,  e a equipe de pesquisadores/as do Programa Descolonização e Educação (Prodese), grupo de pesquisa que coordeno, fomentou várias iniciativas institucionais, a exemplo de publicações: eventos nacionais e internacionais, participações exitosas em editais, concursos, oficinas, festivais etc. – vinculadas à presença africana em Itapuã e sua expansão através das  formas de sociabilidade criadas pelos pescadores, lavadeiras e ganhadeiras, que mantiveram a riqueza do patrimônio africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.

Apresentação de dança das crianças da ACRA  "A Canção do Infinito" sob a coordenação da Professora Eliana dos Santos .  

É através desses vínculos de comunalidade africana que a ACRA desenvolveu suas atividades, abrindo  perspectivas de valores e linguagens  para que  as crianças tivessem orgulho de ser e pertencer as suas comunalidades.




Xequeré Instrumento musical ligado a Oxum Mãe Ancestral
Instrumentos confeccionados pelas crianças da ACRA sob a orientação do educador Sidney Argolo

ACRA- “Um rei que dança pela liberdade”? Explique esse título.


N-Como já expliquei, tudo foi desdobramento dos estudos e pesquisas que realizei durante cinco anos. Relendo na época os livros de João Reis “Rebelião Escrava no Brasil”, e “Liberdade por um fio”, fiquei muito mobilizada pela Rebelião de 1814 em Itapuã, que tinha como lideranças Francisco e sua esposa Francisca, escravizados por Manoel Ignácio da Cunha, dono de uma armação de pesca. Procurei aprofundar mais um pouco e fui me envolvendo cada vez mais...
Todos os africanos escravizados nas armações de pesca, no contexto da escravidão perdiam seus nomes próprios africanos e recebiam um nome católico português. Então esses nomes, Francisco e Francisca, não correspondiam aos nomes africanos dessas pessoas. Nos arquivos da polícia da província da Bahia, Francisco é considerado um “babalorixá subversivo e presidente das danças de sua nação, protetor e agente delas”.  Além disso, Francisco e Francisca eram considerados “rei” e “rainha” pelos africanos escravizados nas armações de pesca.
Foi aí que tive a ideia: O rei que dança!  Então como se escreve em yorubá? Obá Nijô! O rei que dança! Acrescentei: o rei que dança pela liberdade! Francisco, africano escravizado na armação de pesca em Itapuã, receberá de mim o título honorífico de “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade”.

ACRA-A dança então é a força desse rei?

N-Sim! A dança é a linguagem fundamental da nossa personagem. Para compor as características de Oba Nijô, me inspirei nos estudos que fiz das obras de Marco Aurélio Luz que apresentam um pensamento singular sobre a dinâmica da civilização africana.


Encenação de trechos do livro Oba Nijo pelo grupo Teatral ODEART coordenado pela Doutora Janice Nicolin durante o lançamento do livro no espaço da Livraria Cultura.




ACRA-O que, por exemplo?

N-Marco Aurélio chama a atenção de que a dança ocupa um lugar fundamental para os povos africanos, pois proporciona a comunicação com o sagrado e reúne a comunidade estabelecendo formas de comunicação participativa, direta pessoal ou intergrupal. Por exemplo, no meu livro Itapuã da Ancestralidade Africano-brasileira (EDUFBA-2012) quando introduzo a rebelião de 1814 e faço a análise do trecho do arquivo da polícia da província da Bahia, que se refere a Francisco como um líder muito respeitado por ser “presidente das danças” e um “babalorixá subversivo”, cito Marco Aurélio Luz para destacar que: “...um dos valores mais altos da realeza é a dança.



Apresentação de Oba Nijô por componentes do Grupo de Teatro  ODEART no lançamento do livro no espaço da  Livraria Cultura

 Tradicionalmente, o rei deve ter o dom de dançar, ser um magnífico dançarino, pois a dança é um dos meios mais significativos para a interação entre esse mundo e o além. Também no culto aos ancestrais, a cultura religiosa possui essas mesmas características.”




ACRA-Então, Oba Nijô realmente existiu?

N-A liderança de Francisco existiu sim. Mas chamo bem atenção de que eu criei um título honorífico “Oba Nijô”. Estamos falando de uma obra baseada num fato histórico, através de uma leitura sintomal que desenvolvi, tendo um recorte dos arquivos de polícia da província da Bahia no século XIX.


Capa do livro Ilustrado por  Ronaldo Martins
Esse livro tem uma abordagem ficcional.

ACRA-Como foi a experiência de escrever o livro?

N-Foi muito saborosa! Todo o processo da escrita teve a escuta cuidadosa e atenciosa de meu filho Marcelo, que na época tinha oito anos, meu marido Marco Aurélio e meus pais Januária e Narciso. Foi uma escrita tranquila e devagar, pois tinha que transformar as abordagens que fazia para o imaginário infantil. E Marcelo me ajudou muito! Ele me alertava sobre os caminhos que o protagonista fazia, os diálogos, os desfechos das situações. Nas leituras que ele ia fazendo, íamos identificando as alegrias, as satisfações e insatisfações, as tristezas... Por exemplo: quando Oba Nijô entra na floresta, esqueci-me de informar ao leitor/a sobre as preocupações dos pais dele. Marcelo foi enfático! Como é que Oba Nijô vai para a floresta e os pais dele não ficaram preocupados?

 Aí eu tive que abrir uma janela explicando. Quando a primeira versão ficou pronta, ampliei as escutas e procurei compartilhar com alguém que desde o início desejei que fosse o ilustrador da história: o artista plástico e educador Ronaldo Martins. Ele leu e, animado com a história e o convite que lhe fiz para criar as ilustrações, sugeriu que eu compartilhasse também com uma amiga muito querida dele que foi Moema Augel. Através da escuta generosa e incentivadora de Moema Augel, realizei uma releitura mais cuidadosa sobre o texto, lapidando-o até a versão final.


ACRA-Fale um pouco da sua parceria com o ilustrador Ronaldo Martins.

N-No processo da composição pelo porte e envergadura da linguagem lúdica e estética que imprimia, sempre pensei em Ronaldo como um ilustrador capaz de captar essas emoções que atravessavam a história. Quando conclui a composição (ainda sem a lapidação), quis de imediato compartilhar com ele convidando-o para ser o ilustrador.


A autora Narcimária Luz e o ilustrador Ronaldo Martins


 O convite foi feito por conhecer a trajetória dele como educador, artista plástico talentoso, sensível e muito respeitoso ao repertório da tradição africano-brasileira. Ronaldo participava do Programa Descolonização e Educação (Prodese), e foi através do grupo que realizamos algumas parcerias boas envolvendo exposições, onde ele assumiu a curadoria no âmbito da Universidade e publicações científico-acadêmicas. Quando o livro “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade” foi aprovado e indicado pela Editora Pallas para participar do edital do Ministério da Cultura através da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), que visava à valorização da literatura brasileira e da produção cultural, artística, literária e científica de autores negros, a Pallas colocou à minha disposição a indicação de sua equipe de ilustradores. Na oportunidade, falei do convite que fiz a Ronaldo no processo da escrita por reconhecer a riqueza do processo de criação nas suas obras.

Toda a composição foi regada, como dizem os ancestrais, “a fé okan” (em yorubá significa nós amamos de coração) “acreditamos com todo coração” e nos ensinamentos de Mestre Didi “trabalhando feito cupim” e sabendo ainda, que “a fruta só dá no tempo”.(risos)E ainda como diz meu pai Professor Narciso:“cada dia sua agonia”(risos).

ACRA-Qual foi o maior desafio?

N-Fazer o glossário. Nessa parte a perspectiva poética fica um pouco de lado, e a perspectiva técnica fica mais pronunciada. Tive que ir garimpando o vocabulário no texto, inclusive as semânticas da tradição africana e adaptá-las para o público infanto juvenil. 
Eu pensava: como explicar isso para uma criança? Lembrei-me da fase dos “por quês” dos meus filhos que parece ser infinita, de tanta curiosidade sobre o mundo (risos). Procurei então escrever como se estivesse conversando, fazendo alusões. Isso foi um grande desafio!



 ACRA-Quais os desafios que os professores terão ao adotar o livro?

N- “Oba Nijô” é um livro que tende a contrariar a maneira como as pessoas lidam com esse canal impresso de comunicação. Primeiro que não é um livro que entra nos espaços socioeducativos para colocar as crianças sentadas, inertes, solitárias em silêncio, usando apenas o “olho e cérebro” (parafraseando Marco Aurélio Luz). É um livro que apela para todos os sentidos do corpo! Tato, paladar, olfato, visão... Como o próprio título anuncia: dança pela liberdade. Então é uma história que promove a alegria de saber sobre o mundo para além dos espaços fechados, mobilizando muito quem lê. O livro convida todos a dançar! Para aqueles/as professores que têm dificuldade em manter um grupo de alunos submetidos às “normas disciplinares”, quietos... Acho que vai ser um grande problema. (risos)



Fundação Pedro Calmon/Secretaria de Cultura do Estado homenageou em março de 2016  "em suas Redes Sociais, o Dia Internacional do Contador de Histórias, Dia Nacional contra a Discriminação e o Dia da Infância com postagens de cards comemorativos ilustrando obras infantis que tematizam histórias de combate ao preconceito racial. Serão enfatizados livros infantis com temática indígena, negra e que tenham em suas páginas histórias que combatam a ideologia da discriminação".

ACRA-Que condutas  didáticas e pedagógicas a senhora destacaria para os professores que adotarão o livro?


N-Não diria “condutas”, porque a abordagem do livro recusa o lugar comum da rotina curricular que recalca a pulsão de vida para além da escola. Entendo o livro como uma dinâmica de linguagens muito próximas do viver cotidiano das nossas comunalidades africano-brasileiras.
 Por exemplo: a primeira parte abordando o mercado; ali o professor se depara com uma riqueza ético-estética que o convida a entrar no clima do mercado. São tantas iguarias! Paladar, olfato, tato, audição, visão... Todos esses sentidos vão ser mobilizados. Iguarias antigas, sabores para além dos fast foods e propagandas de alimentos que atendem a geografia etnocêntrica da TV ou mesmo da INTERNET. Por que não aproximar as crianças desses outros sabores, texturas, cores e odores?

ACRA-Que propostas então podem ser desenvolvidas?

N-O livro cria canais importantes para o aprendizado. Todos os campos de conhecimento (matemática, geografia, português, ciências naturais etc.) se intercambiam através das linguagens lúdico-estéticas apresentadas. Tem que ter sensibilidade para deixar vivas as perspectivas que sempre vão aparecer no decorrer das leituras.
Ler “Oba Nijô” é fácil. Tem que saborear cada passagem dramatizando, cantando, dançando... O forte do livro é a sua estrutura e forma dramatizável  e  plástica.
Agora o professor precisa estar disposto a viver essas emoções.


Graduandos/as de Pedagogia dramatizaram Oba NiJô O Rei que Dança pela Liberdade
I Oficina Literária com Contos Africanos realizada pelas graduandas em Pedagogia do Instituto Superior de Educação Ocidemnte – ISEO oficina foi orientada pelo Professor Diego Rodrigues Brandão(ao centro)  na Disciplina Literatura Infanto-Juvenil.

ACRA-Então é um “prato cheio” para as várias disciplinas que compõem o currículo do Ensino Fundamental e Médio?

N-Sim! Com certeza! Principalmente nos dias de hoje em que se agudizam tantas tensões e conflitos que nascem da falta de respeito aos direitos individuais e coletivos.

ACRA- “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade” tem tudo para se tornar um dia uma peça de teatro voltada para o público infanto juvenil. O que a senhora acha dessa ideia?

N-Seria maravilhoso! Sinto “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade” como uma grande “ópera” africano-brasileira! Um auto coreográfico, digamos assim. Imagine um corpo de baile, encenando a dança guerreira de Oba Nijô! O cenário da feira, a dança com as Iyás, a floresta! Magnífico!


Dramatização realizada no curso de Pedagogia  Instituto Superior de Educação Ocidemnte

ACRA-Quais a suas expectativas como autora?
N-Que as danças de Oba Nijô inspirem coreografias que promovam entre o público infanto-juvenil força e altivez para viver. É uma dança que ensina que não podemos baixar a cabeça! Cabeça erguida! Orgulho de ser! É isso que as nossas crianças e jovens estão precisando. Logo no início do livro eu enfatizo que  a dança é uma dramatização da vida, agrega pessoas, transmite afeto, solidariedade, alegrias, ensinando valores que promovem alianças e trazem a harmonia para as comunidades.


Momento lúdico e criativo inesquecível!

 Crianças da ACRA e 2011 envolvidas nos ensaios preparatórios para a encenação do auto-coreofráfico "Itapuã quem te viu e quem te vê" de Narcimária Luz



ACRA-Deixe uma mensagem para os futuros leitores de “Oba Nijô, o rei que dança pela liberdade”.

N-Vou usar um pensamento poético que escrevi há algum tempo...Através dele compus  algumas histórias para nossas crianças.
Contar histórias para mim é realizar movimentos como a água corrente dos rios, que brotam na terra, nas dunas, nas pedras em lugares inimagináveis; compondo cachoeiras, córregos e promovendo o encontro infinito com o mar. Contar histórias para mim é executar como as águas correntes dos rios, linguagens que invocam a plasticidade de movimentos, sons, cores, luzes, odores; culminando com a magnitude do ciclo de evaporação que ergue o arco-íris no céu. Contar histórias, portanto, é a alegria e emoção que nos envolve como a surpresa que temos ao ver o arco-íris erguido no céu.
É essa a sensação que me toma quando me aproximo de crianças e jovens prisioneiros de espaços que se recusam a admitir a existência do arco-íris, que metaforicamente representa sua ancestralidade; os seus direitos de ser, de existir e de expressar sua alteridade civilizatória, que constitui princípios da diversidade, o ciclo vital.

São instantes importantes, porque sei que cada história que apresento carrega a emoção e sabedoria que atravessa tempos imemoriais e podem promover, nem que seja um pouquinho, momentos capazes de fazer transbordar vidas, sonhos, canções, sopros de esperanças e projeções de futuro que nos anime a encontrar caminhos que nos permita ter o direito de expandir a existência...
Nunca foi tão urgente passar para as gerações futuras histórias que as transportem no tempo, toquem os seus corações e tirem-nas da mediocridade que as leva à inércia e apatia diante das inúmeras violências que sucumbem a humanidade. As histórias podem erguer imponentes arco-íris que fecundam vida e respeito.


























Foto disponível na Internet

A seguir o vídeo criado pelo jornalista Maurício do Patrocínio Luz para divulgação do livro "Oba Nijô o Rei que Dança pela Liberdade"  e algumas músicas que embasam  e emolduram a trajetória da nossa entrevistada. Para visualizar os vídeos clique logo abaixo em postagens antigas.