A Associação Crianças Raízes do Abaeté, acolheu durante a sua existência, perspectivas de linguagens socioeducativas que afirmavam a dinâmica sócio-histórica e cultural do bairro de Itapuã.
domingo, 28 de abril de 2019
sexta-feira, 19 de abril de 2019
domingo, 14 de abril de 2019
KALÉ BOKUN RIQUEZAS DA NAÇÃO IJEXÁ
Por Jaime Sodré
Líder sacerdotal a Iyalorixá do Ile Ase Kalé Bokun
Imagem disponível na Internet
A compreensão da composição da
nossa civilidade passa por conhecimento dos elementos componentes da nossa
formação. O “elemento afro” é fundamental para saber o que somos. A venerável
ialorixá Estelita Lima Calmon, no espaço de Olorum, está radiante, chegara a
ela, em junho de 2016, o documento que deu início ao tombamento do Terreiro Ilê
Axé Kalè Bokùn – “terras das riquezas profundas”, raro templo da nação ijexá.
Segundo a Ialorixá Vânia Amaral,
“ela assinou a notificação e no dia seguinte descansou”. O templo localiza-se a
85 anos, em Plataforma. Ao receber a notificação, cantara para Ogum, nos
informa Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da
Cultura Afro-Ameríndia - AFA.
A Fundação Gregório de Mattos (Fernando
Guerreiro) considerara o terreiro como Patrimônio Cultural da Cidade do
Salvador, o primeiro ijexá com esta honraria, Evidenciando aspectos histórico,
cultural, religioso e afetivo, o tombamento possibilita a preservação do
patrimônio físico e os saberes ancestrais como um potencial instrumento de
proteção.
Para efetivação deste
reconhecimento atuou o professor e
pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Vilson Caetano, louvamos a sua
apurada pesquisa sobre os ijexás, que tem como raízes a região da Costa Oeste,
próximo a Nigéria, povo de língua iorubá, guerreiros e intensa participação
feminina. Em Salvador, instalaram-se no Dique do Tororó, Mata Escura e Vasco da
Gama. No século XIX, foram para a Península Itapagipana.
Expressamos nossas reverências ao ilustre fundador e primeiro babalorixá do Kalè Bokùn, Severiano de Logun Edé. Os ijexás nunca se esqueceram de Oxum, considerando a água como elemento primordial do culto afro-brasileiro. A expressão ijexá, leva-nos ao ritmo homônimo, vinculado amplamente com o carnaval de Salvador, saiam à rua levando o seu tambor, percutido por mulheres.
Para Milena Tavares, competente diretora de Patrimônio e Humanidades, da Fundação Gregório de Mattos, “o terreiro preserva aspectos construtivos de época e mobiliário antigo, além de elementos singulares ao culto ijexá”. Levando em conta o seu conjunto de divindades tem Logun Edé e Oxum como orixás principais, Oxalá (Benção) é o patrono da casa, porque a ialorixá de Severiano era filha deste orixá.
Espaço público sagrado
Imagem disponível na Internet
Expressamos nossas reverências ao ilustre fundador e primeiro babalorixá do Kalè Bokùn, Severiano de Logun Edé. Os ijexás nunca se esqueceram de Oxum, considerando a água como elemento primordial do culto afro-brasileiro. A expressão ijexá, leva-nos ao ritmo homônimo, vinculado amplamente com o carnaval de Salvador, saiam à rua levando o seu tambor, percutido por mulheres.
Ilu ijexa
Imagem disponível na Internet
Para Milena Tavares, competente diretora de Patrimônio e Humanidades, da Fundação Gregório de Mattos, “o terreiro preserva aspectos construtivos de época e mobiliário antigo, além de elementos singulares ao culto ijexá”. Levando em conta o seu conjunto de divindades tem Logun Edé e Oxum como orixás principais, Oxalá (Benção) é o patrono da casa, porque a ialorixá de Severiano era filha deste orixá.
Dentre as atividades do terreiro,
destacamos o Geledé, somente de
mulheres, a ebomi Marcia afirma que por ser interno e sigiloso, não pode
revelar detalhes do culto, é a sociedade
das Iyàmìs, entidades femininas.
Jubilosos estamos todos e em coro
com a ebomi Tânia Bispo, dizemos: o terreiro Ilê Axé Kalè Bokùn é “um útero que acolhe. O ijexá é a terra da
água, do colo e do amor”.
terça-feira, 9 de abril de 2019
Narcimária Luz é entrevistada da EDUFBA.
Entrevista concedida no a Lorena Reis para o Espaço do Autor da Editora da Universidade Federal da Bahia a propósito do livro Itapuã da Ancestralidade Africano-Brasileira (01/07/2012)
Narcimária Correia do Patrocínio Luz, autora do livro Itapuã
da ancestralidade africano-brasileira, no bate-papo com a Edufba, fala sobre esta obra, uma pesquisa
sócio-histórica atrelada à arqueologia envolvendo o bairro de Itapuã. Além
disso, nos conta sobre sua relação com o bairro em que viveu durante sua
infância e adolescência e os motivos que a levaram a realizar este trabalho.
Narcimária Correia do Patrocínio Luz é doutora em Educação,
pesquisadora no campo da Educação Comunicação e Comunalidade
Africano-Brasileira, além de coordenadora do Programa Descolonização e Educação
– PRODESE, grupo de pesquisa que vem se destacando pelas iniciativas junto às
comunidades tradicionais na Bahia.
*************************
Edufba – No mês passado, você lançou o livro Itapuã da
ancestralidade africano-brasileira. Como foi o processo de concepção desta
obra?
No período de 2006 a 2008, fiz um estágio pós-doutoral na
Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, intercambiando
com o professor Muniz Sodré. É no âmbito desse intercâmbio com Muniz que me
dediquei a estudar e desenvolver uma arqueologia sócio-histórica de Itapuã. A
principal motivação no processo de concepção do livro foi perceber que a Itapuã
apresentada por mim aos meus filhos ou jovens que nasceram no final dos anos
1980 e anos 1990 soa como um lugar que
não existe mais. Isso me impressionou muito, porque realmente a Itapuã a qual
me refiro está no meu coração, no que aprendi a sentir e identificar desde
menina. Eu sei onde está a pedra ancestral-Itapuã. Mas se perguntar para alguma criança ou jovem que moram no bairro
hoje, eles identificam o farol de Itapuã que simboliza a expansão mercantil
escravista, sabe até onde está a Plakafor, representando o processo de
“americanização urbanística” refletida na construção, da Estrada Velha do
Aeroporto, a Avenida Otávio Mangabeira, referência dos valores
urbano-industriais do pós-guerra que infelizmente tornaram-se hegemônicos; mas
não sabem onde está a “pedra que ronca” e nem o valor simbólico milenar que ela
carrega. Conversando sobre isso com meus pais que são educadores e vivem em
Itapuã desde os anos 1960, nos demos conta de que realmente quem conheceu
aquela Itapuã dos vínculos de sociabilidade africano-brasileira adornada pelas
dunas, lagoas, matas, o mar e o Mercado de Peixe não a reconhece no contexto
frenético urbano-industrial que
restringiu a vida desse lugar tão especial. Então,como educadora, fui
motivada a desenvolver ensaios que aproximassem crianças e jovens da
ancestralidade africana que rega os
vínculos de sociabilidade em Itapuã,
herança dos povos que constituem a formação social das Américas.
Durante todo o processo da escrita, motivações
institucionais deram-me ânimo para prosseguir os estudos. Fui contemplada na
época com uma bolsa de Pós-Doutorado Sênior pelo Conselho de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e Bolsa para Autores com obra em fase de
conclusão, concurso promovido pelo Ministério da Cultura (MinC) através da
Fundação Biblioteca Nacional (FBN), que reconheceu excelência da abordagem
literária e técnica apresentada. Ressalto a atenção da Fundação Pierre Verger,
que me deu acesso ao rico acervo de fotos sobre o cotidiano dos pescadores em
Itapuã dos anos de 1940. O Arquivo Nacional no Rio de Janeiro também foi uma
fonte importante no acesso a documentos sobre Educação.Vale mencionar também o
apoio e incentivo da EDUFBA ao acolher o livro, acreditando no valor e
importância da abordagem que apresentei trazendo a História da Bahia através do
universo simbólico da ancestralidade africano-brasileira representado por
ITAPUÃ.
Edufba – No prefácio desta obra, escrito por Marco Aurélio Luz, é
possível perceber a sua intimidade com o bairro de Itapuã. Como você descreveria
a sua relação com o bairro?
Marco Aurélio foi um grande incentivador no processo da
escrita do livro e o primeiro a ler meus escritos.Vivo e respiro Itapuã
desde os seis anos de idade, envolta do
legado de saberes e valores dos nossos
ancestrais africanos. Daí foi saboroso escrever (re)visitando lembranças e
lugares da minha infância e juventude. Não posso deixar de registrar que também
tive que pesquisar muito em arquivos, registros iconográficos, entrevistas com
personalidades antigas e lideranças expressivas no bairro. A casa onde morei
nos anos de 1970, em frente à Lagoa do Abaeté (Parque Metropolitano do Abaeté),
transformou-se na Associação Crianças Raízes do Abaeté (ACRA), uma iniciativa
socioeducacional que visa à implantação de condições infraestruturais que
otimizem a legitimação dos valores comunais do bairro de Itapuã e, através
dessa ação, promover o desenvolvimento físico-emocional de crianças, jovens e
suas famílias base das projeções de futuro dessa territorialidade. A ACRA é um
dos Pontos de Cultura reconhecidos pelo MinC. Na ACRA, encontrei um espaço
importante para fazer repercutir os resultados das pesquisas que venho
realizando sobre Itapuã, envolvendo a equipe de pesquisadores do Prodese, grupo
de pesquisa que coordeno e que integra o Diretório de Grupos de Pesquisa do
CNPq. Foi assim que nasceu o projeto de extensão “Dayó: afirmando a alegria
socioexistencial em comunalidades africano-brasileiras”, indicado como
semifinalista entre os vinte melhores da 8ª Edição do Prêmio ITAÚ UNICEF 2009.
O Dayó dedica-se a regar o cotidiano da ACRA, com os valores e linguagens que
venho apresentando sobre Itapuã, envolvendo atividades a exemplo da capoeira,
arte do grafite, teatro, exibição de vídeos, excursões, exposições de artes
plásticas, publicações, palestras, oficinas com crianças, jovens e professores
das escolas públicas através da Biblioteca Viva e o blog que os pesquisadores
do PRODESE criaram, alimentando aspectos da sociabilidade africano-brasileira
que caracteriza a história e o viver cotidiano de Itapuã.
Edufba– Um dos capítulos de Itapuã da ancestralidade
africano-brasileira aborda aspectos do sistema educacional, destacando
referências sobre as políticas implementadas no Brasil. Como elas repercutiram
em Itapuã?
O conjunto de entrevistas nos permitiu obter uma narrativa
sócio-histórica, envolvendo descendentes das famílias fundadoras de Itapuã, os
mais velhos que nasceram nos anos 1910, que nos ajudaram a obter algumas
impressões conhecendo aspectos sobre as Casas de Mestres organizadas para
abrigar meninas e meninos e ensiná-los as primeiras letras, aritmética…
Professores que participaram da implantação das primeiras escolas públicas em
Itapuã na década de 1950 e 1960. Através de entrevistas que permitiram uma
análise particular sobre a educação no Brasil e a Bahia nesse cenário, aderindo
ao projeto de implantação da ordem capitalista e, com ela, a
institucionalização de políticas na área de Educação voltadas para as relações
imperialistas de mundo. Itapuã sofre o impacto desses valores do mundo
tecnocapitalista e as escolas públicas do bairro vão fundamentar seus
currículos em narrativas etnocêntricas que calam sobre a alteridade
civilizatória africana característica do lugar. Lembrando que nas escolas
públicas de Itapuã nos anos 1950 e 1960 (décadas de implantação das escolas
vinculadas a iniciativas do Rotary Clube e Base Aérea), a população de crianças
e jovens que as frequentavam (e ainda frequentam) eram filhos de pescadores,
lavadeiras, ganhadeiras descendentes de africanos.
Edufba – Diante do universo simbólico que permeia o bairro de
Itapuã, quais aspectos da cultura africana se mantêm mais fortes?
Há todo um universo simbólico que organiza o viver cotidiano
através de formas de comunicação, dando forma às narrativas de elaboração de
mundo. É um patrimônio milenar africano riquíssimo! Chamo atenção para a
religião tradicional africana, re-ligare, uma forma de estar no mundo se
desdobrando nas celebrações referentes à visão sagrada de mundo expressas na
entrega de oferendas à Yemanjá no mar e outros espaços míticos como a Lagoa do
Abaeté. Ainda o entrelaçamento do repertório tradicional dos pescadores,
ganhadeiras e lavadeiras de Itapuã através de cantigas e contos que constituem
o tecido de histórias que acumulam narrativas valiosas sobre os princípios
fundadores da comunalidade; classificação dos peixes no mar de Itapuã;
tecnologia da confecção de redes, o uso de canoas, saveiros e jangadas, a
arquitetura e estética urbana africano-brasileira; a culinária tradicional
africana. Enfim, uma infinitude de valores e linguagens que emocionam!
Edufba – Você coordena o Programa Descolonização e Educação
(PRODESE/UNEB). Pode falar um pouco sobre o trabalho desenvolvido neste grupo?
O PRODESE não foi uma escolha. Foi uma precisão, um caminho
necessário para exatamente transitar,caminhar por territórios outros em “casa
alheia”, sem ter de perder a identidade, sufocada por uma educação neocolonial.
O Grupo desenvolve produções científico-acadêmicas que
enfatizam o direito à alteridade civilizatória africano-brasileira, fomentando
estudos e atividades de pesquisa, ensino e extensão. Participam do PRODESE
pesquisadores do Brasil e de Universidades estrangeiras que produzem
participações criativas, com vistas a superar as perspectivas ideológicas
neocoloniais que tendem a estruturar as políticas de educação no Brasil, além
de elaborar e difundir conhecimentos referidos ao patrimônio civilizatório
africano no Brasil. O Grupo tem na sua base de dados cerca de 50 (cinquenta)
pesquisas desenvolvidas pelos seus membros, tornando-se referência nacional,
através de publicações de livros, capítulos de livros e enciclopédia, artigos
em revistas, participação em programas de TV e rádio, dissertações e teses.
Vale destacar que muitos conceitos produzidos no âmbito do grupo são
referências semânticas consolidadas na área de Educação e Comunicação,
contribuindo de modo significativo para a afirmação das tradições e valores das
comunalidades africano-brasileira. Um dos canais de divulgação da produção do
grupo tem sido o blog da ACRA – Associação Crianças Raízes do Abaeté. Convido
todos a conhecerem o blog que apresenta muito das nossas produções.
Edufba– Para quem você recomendaria a leitura do livro Itapuã da
ancestralidade africano-brasileira?
É um livro que conta um pouco da História do Brasil, da
Bahia e do Nordeste. Gostaria que
gerações de brasileiros, nordestinos, principalmente baianos, conhecessem sua história através do
valor da ancestralidade africana que atravessa as nossas vidas. Há um grande
equívoco pensar ancestralidade apenas como uma carga genética! Ancestralidade
não é apenas uma sucessão genética. Meu livro procura demonstrar que a ancestralidade se caracteriza sobretudo por
representar as lideranças comunitárias que se dedicaram em vida ao bem estar da
família, linhagem, comunalidade através da manutenção e preservação dos valores
e linguagens que sustentam o bem estar e destino individual e coletivo.
Ancestral é, portanto aquele ou aquela que em vida deu continuidade e garantiu
a expansão da memória da sua comunalidade. Itapuã é considerada um ancestral
fundador de comunalidades africanas.
Itapuã é uma ilustração, um exemplo do que aconteceu e
acontece no nosso país desde o século XVI. No livro procuro contar o impacto
das relações de prolongação colonial e neocolonial que vem tragando a vida do
nosso povo. Em artigo recente publicado no Jornal A Tarde (15/06/2012),
refiro-me à teia dos valores que tendem a transformar a Bahia numa metrópole,
extensão geopolítica e expansionista de alguns Estados Nacionais com suas
supremacias étnicas e territoriais. Estamos assistindo a imposição de um mercado
global, que cria cenários alegóricos forjando um novo sujeito social: o
produtor, consumidor, refém das leis do capital. O livro Itapuã aborda a
riqueza de valores da civilização africano-brasileira através da “pedra que
ronca” demonstrando a recusa permanente à geografia civilizatória racista
europocêntrica.
Com a exigência da Lei 10.639/03 do ensino da História da
África e Afro-brasileira nas escolas, o livro constitui um canal importante
para educar professores, contribuindo com abordagens teóricas e epistemológicas
que fundamentem suas práticas.
Edufba – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA.
Para os povos que têm o seu viver cotidiano atravessado por
tragédias, desdobramentos das relações de prolongação colonial e neocolonial
que tendem a sugar sua dignidade, direito à existência e a exercer a sua
alteridade civilizatória, e de manter erguidas as dinâmicas territoriais que os
organizam, as questões apresentadas no livro Itapuã da ancestralidade
africano-brasileira assumem um significado extraordinário. O que está em jogo é
a continuidade, a descendência que constitui perspectivas de futuro do
patrimônio civilizatório característicos de muitos povos. A Bahia, de modo
especial Itapuã, carrega a identidade profunda das civilizações milenares das
Américas e África.
Aproveito esse espaço para repetir o que sempre digo nas
minhas aulas na graduação e pós-graduação: continuemos a cultuar nossas
origens, nossos ancestrais, envolvendo nossas crianças e jovens, animando-os a
erguerem a cabeça e terem orgulho de ser e pertencer as suas comunidades, que
ao longo dos séculos se dedicam a manter a pulsão de vida para que a Bahia não
acabe.
Itapuã é uma territorialidade que faz transbordar esse
orgulho de ser, e ainda há tempo para que nós educadores identifiquemos essa
força de sociabilidade africano-brasileira que atravessa Itapuã.