domingo, 14 de abril de 2019

KALÉ BOKUN RIQUEZAS DA NAÇÃO IJEXÁ

Por Jaime Sodré


Líder sacerdotal a Iyalorixá do Ile Ase Kalé Bokun
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                                                  A compreensão da composição da nossa civilidade passa por conhecimento dos elementos componentes da nossa formação. O “elemento afro” é fundamental para saber o que somos. A venerável ialorixá Estelita Lima Calmon, no espaço de Olorum, está radiante, chegara a ela, em junho de 2016, o documento que deu início ao tombamento do Terreiro Ilê Axé Kalè Bokùn – “terras das riquezas profundas”, raro templo da nação ijexá.

 O Ojá indica a árvore sagrada
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Segundo a Ialorixá Vânia Amaral, “ela assinou a notificação e no dia seguinte descansou”. O templo localiza-se a 85 anos, em Plataforma. Ao receber a notificação, cantara para Ogum, nos informa Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia - AFA.
A Fundação Gregório de Mattos (Fernando Guerreiro) considerara o terreiro como Patrimônio Cultural da Cidade do Salvador, o primeiro ijexá com esta honraria, Evidenciando aspectos histórico, cultural, religioso e afetivo, o tombamento possibilita a preservação do patrimônio físico e os saberes ancestrais como um potencial instrumento de proteção.
Para efetivação deste reconhecimento atuou  o professor e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Vilson Caetano, louvamos a sua apurada pesquisa sobre os ijexás, que tem como raízes a região da Costa Oeste, próximo a Nigéria, povo de língua iorubá, guerreiros e intensa participação feminina. Em Salvador, instalaram-se no Dique do Tororó, Mata Escura e Vasco da Gama. No século XIX, foram para a Península Itapagipana.

Espaço público sagrado
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Expressamos nossas reverências ao ilustre fundador e primeiro babalorixá do Kalè Bokùn, Severiano de Logun Edé. Os ijexás nunca se esqueceram de Oxum, considerando a água como elemento primordial do culto afro-brasileiro. A expressão ijexá, leva-nos ao ritmo homônimo, vinculado amplamente com o carnaval de Salvador, saiam à rua levando o seu tambor, percutido por mulheres.

Ilu ijexa
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Para Milena Tavares, competente diretora de Patrimônio e Humanidades, da Fundação Gregório de Mattos, “o terreiro preserva aspectos construtivos de época e mobiliário antigo, além de elementos singulares ao culto ijexá”. Levando em conta o seu conjunto de divindades tem Logun Edé e Oxum como orixás principais, Oxalá (Benção) é o patrono da casa, porque a ialorixá de Severiano era filha deste orixá.
Dentre as atividades do terreiro, destacamos o Geledé, somente  de mulheres, a ebomi Marcia afirma que por ser interno e sigiloso, não pode revelar detalhes do culto,  é a sociedade das Iyàmìs, entidades femininas.
Jubilosos estamos todos e em coro com a ebomi Tânia Bispo, dizemos: o terreiro Ilê Axé Kalè Bokùn  é “um útero que acolhe. O ijexá é a terra da água, do colo e do amor”.



terça-feira, 9 de abril de 2019

Narcimária Luz é entrevistada da EDUFBA.





Entrevista concedida no a  Lorena Reis para o Espaço do Autor da Editora da Universidade Federal da Bahia a propósito do livro Itapuã da Ancestralidade  Africano-Brasileira (01/07/2012)




Narcimária Correia do Patrocínio Luz, autora do livro Itapuã da ancestralidade africano-brasileira, no bate-papo com a Edufba,  fala sobre esta obra, uma pesquisa sócio-histórica atrelada à arqueologia envolvendo o bairro de Itapuã. Além disso, nos conta sobre sua relação com o bairro em que viveu durante sua infância e adolescência e os motivos que a levaram a realizar este trabalho.
Narcimária Correia do Patrocínio Luz é doutora em Educação, pesquisadora no campo da Educação Comunicação e Comunalidade Africano-Brasileira, além de coordenadora do Programa Descolonização e Educação – PRODESE, grupo de pesquisa que vem se destacando pelas iniciativas junto às comunidades tradicionais na Bahia.

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Edufba – No mês passado, você lançou o livro Itapuã da ancestralidade africano-brasileira. Como foi o processo de concepção desta obra?

No período de 2006 a 2008, fiz um estágio pós-doutoral na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, intercambiando com o professor Muniz Sodré. É no âmbito desse intercâmbio com Muniz que me dediquei a estudar e desenvolver uma arqueologia sócio-histórica de Itapuã. A principal motivação no processo de concepção do livro foi perceber que a Itapuã apresentada por mim aos meus filhos ou jovens que nasceram no final dos anos 1980 e  anos 1990 soa como um lugar que não existe mais. Isso me impressionou muito, porque realmente a Itapuã a qual me refiro está no meu coração, no que aprendi a sentir e identificar desde menina. Eu sei onde está a pedra ancestral-Itapuã. Mas se perguntar para  alguma criança ou jovem que moram no bairro hoje, eles identificam o farol de Itapuã que simboliza a expansão mercantil escravista, sabe até onde está a Plakafor, representando o processo de “americanização urbanística” refletida na construção, da Estrada Velha do Aeroporto, a Avenida Otávio Mangabeira, referência dos valores urbano-industriais do pós-guerra que infelizmente tornaram-se hegemônicos; mas não sabem onde está a “pedra que ronca” e nem o valor simbólico milenar que ela carrega. Conversando sobre isso com meus pais que são educadores e vivem em Itapuã desde os anos 1960, nos demos conta de que realmente quem conheceu aquela Itapuã dos vínculos de sociabilidade africano-brasileira adornada pelas dunas, lagoas, matas, o mar e o Mercado de Peixe não a reconhece no contexto frenético urbano-industrial que  restringiu a vida desse lugar tão especial. Então,como educadora, fui motivada a desenvolver ensaios que aproximassem crianças e jovens da ancestralidade africana que rega  os vínculos de  sociabilidade em Itapuã, herança dos povos que constituem a formação social das Américas.
Durante todo o processo da escrita, motivações institucionais deram-me ânimo para prosseguir os estudos. Fui contemplada na época com uma bolsa de Pós-Doutorado Sênior pelo Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Bolsa para Autores com obra em fase de conclusão, concurso promovido pelo Ministério da Cultura (MinC) através da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), que reconheceu excelência da abordagem literária e técnica apresentada. Ressalto a atenção da Fundação Pierre Verger, que me deu acesso ao rico acervo de fotos sobre o cotidiano dos pescadores em Itapuã dos anos de 1940. O Arquivo Nacional no Rio de Janeiro também foi uma fonte importante no acesso a documentos sobre Educação.Vale mencionar também o apoio e incentivo da EDUFBA ao acolher o livro, acreditando no valor e importância da abordagem que apresentei trazendo a História da Bahia através do universo simbólico da ancestralidade africano-brasileira representado por ITAPUÃ.

Edufba – No prefácio desta obra, escrito por Marco Aurélio Luz, é possível perceber a sua intimidade com o bairro de Itapuã. Como você descreveria a sua relação com o bairro?

Marco Aurélio foi um grande incentivador no processo da escrita do livro e o primeiro a ler meus escritos.Vivo e respiro Itapuã desde  os seis anos de idade, envolta do legado de  saberes e valores dos nossos ancestrais africanos. Daí foi saboroso escrever (re)visitando lembranças e lugares da minha infância e juventude. Não posso deixar de registrar que também tive que pesquisar muito em arquivos, registros iconográficos, entrevistas com personalidades antigas e lideranças expressivas no bairro. A casa onde morei nos anos de 1970, em frente à Lagoa do Abaeté (Parque Metropolitano do Abaeté), transformou-se na Associação Crianças Raízes do Abaeté (ACRA), uma iniciativa socioeducacional que visa à implantação de condições infraestruturais que otimizem a legitimação dos valores comunais do bairro de Itapuã e, através dessa ação, promover o desenvolvimento físico-emocional de crianças, jovens e suas famílias base das projeções de futuro dessa territorialidade. A ACRA é um dos Pontos de Cultura reconhecidos pelo MinC. Na ACRA, encontrei um espaço importante para fazer repercutir os resultados das pesquisas que venho realizando sobre Itapuã, envolvendo a equipe de pesquisadores do Prodese, grupo de pesquisa que coordeno e que integra o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Foi assim que nasceu o projeto de extensão “Dayó: afirmando a alegria socioexistencial em comunalidades africano-brasileiras”, indicado como semifinalista entre os vinte melhores da 8ª Edição do Prêmio ITAÚ UNICEF 2009. O Dayó dedica-se a regar o cotidiano da ACRA, com os valores e linguagens que venho apresentando sobre Itapuã, envolvendo atividades a exemplo da capoeira, arte do grafite, teatro, exibição de vídeos, excursões, exposições de artes plásticas, publicações, palestras, oficinas com crianças, jovens e professores das escolas públicas através da Biblioteca Viva e o blog que os pesquisadores do PRODESE criaram, alimentando aspectos da sociabilidade africano-brasileira que caracteriza a história e o viver cotidiano de Itapuã.

Edufba– Um dos capítulos de Itapuã da ancestralidade africano-brasileira aborda aspectos do sistema educacional, destacando referências sobre as políticas implementadas no Brasil. Como elas repercutiram em Itapuã?

O conjunto de entrevistas nos permitiu obter uma narrativa sócio-histórica, envolvendo descendentes das famílias fundadoras de Itapuã, os mais velhos que nasceram nos anos 1910, que nos ajudaram a obter algumas impressões conhecendo aspectos sobre as Casas de Mestres organizadas para abrigar meninas e meninos e ensiná-los as primeiras letras, aritmética… Professores que participaram da implantação das primeiras escolas públicas em Itapuã na década de 1950 e 1960. Através de entrevistas que permitiram uma análise particular sobre a educação no Brasil e a Bahia nesse cenário, aderindo ao projeto de implantação da ordem capitalista e, com ela, a institucionalização de políticas na área de Educação voltadas para as relações imperialistas de mundo. Itapuã sofre o impacto desses valores do mundo tecnocapitalista e as escolas públicas do bairro vão fundamentar seus currículos em narrativas etnocêntricas que calam sobre a alteridade civilizatória africana característica do lugar. Lembrando que nas escolas públicas de Itapuã nos anos 1950 e 1960 (décadas de implantação das escolas vinculadas a iniciativas do Rotary Clube e Base Aérea), a população de crianças e jovens que as frequentavam (e ainda frequentam) eram filhos de pescadores, lavadeiras, ganhadeiras descendentes de africanos.

Edufba – Diante do universo simbólico que permeia o bairro de Itapuã, quais aspectos da cultura africana se mantêm mais fortes?

Há todo um universo simbólico que organiza o viver cotidiano através de formas de comunicação, dando forma às narrativas de elaboração de mundo. É um patrimônio milenar africano riquíssimo! Chamo atenção para a religião tradicional africana, re-ligare, uma forma de estar no mundo se desdobrando nas celebrações referentes à visão sagrada de mundo expressas na entrega de oferendas à Yemanjá no mar e outros espaços míticos como a Lagoa do Abaeté. Ainda o entrelaçamento do repertório tradicional dos pescadores, ganhadeiras e lavadeiras de Itapuã através de cantigas e contos que constituem o tecido de histórias que acumulam narrativas valiosas sobre os princípios fundadores da comunalidade; classificação dos peixes no mar de Itapuã; tecnologia da confecção de redes, o uso de canoas, saveiros e jangadas, a arquitetura e estética urbana africano-brasileira; a culinária tradicional africana. Enfim, uma infinitude de valores e linguagens que emocionam!

Edufba – Você coordena o Programa Descolonização e Educação (PRODESE/UNEB). Pode falar um pouco sobre o trabalho desenvolvido neste grupo?

O PRODESE não foi uma escolha. Foi uma precisão, um caminho necessário para exatamente transitar,caminhar por territórios outros em “casa alheia”, sem ter de perder a identidade, sufocada por uma educação neocolonial.
O Grupo desenvolve produções científico-acadêmicas que enfatizam o direito à alteridade civilizatória africano-brasileira, fomentando estudos e atividades de pesquisa, ensino e extensão. Participam do PRODESE pesquisadores do Brasil e de Universidades estrangeiras que produzem participações criativas, com vistas a superar as perspectivas ideológicas neocoloniais que tendem a estruturar as políticas de educação no Brasil, além de elaborar e difundir conhecimentos referidos ao patrimônio civilizatório africano no Brasil. O Grupo tem na sua base de dados cerca de 50 (cinquenta) pesquisas desenvolvidas pelos seus membros, tornando-se referência nacional, através de publicações de livros, capítulos de livros e enciclopédia, artigos em revistas, participação em programas de TV e rádio, dissertações e teses. Vale destacar que muitos conceitos produzidos no âmbito do grupo são referências semânticas consolidadas na área de Educação e Comunicação, contribuindo de modo significativo para a afirmação das tradições e valores das comunalidades africano-brasileira. Um dos canais de divulgação da produção do grupo tem sido o blog da ACRA – Associação Crianças Raízes do Abaeté. Convido todos a conhecerem o blog que apresenta muito das nossas produções.

Edufba– Para quem você recomendaria a leitura do livro Itapuã da ancestralidade africano-brasileira?

É um livro que conta um pouco da História do Brasil, da Bahia e do Nordeste. Gostaria que  gerações de brasileiros, nordestinos, principalmente  baianos, conhecessem sua história através do valor da ancestralidade africana que atravessa as nossas vidas. Há um grande equívoco pensar ancestralidade apenas como uma carga genética! Ancestralidade não é apenas uma sucessão genética. Meu livro procura demonstrar que a  ancestralidade se caracteriza sobretudo por representar as lideranças comunitárias que se dedicaram em vida ao bem estar da família, linhagem, comunalidade através da manutenção e preservação dos valores e linguagens que sustentam o bem estar e destino individual e coletivo. Ancestral é, portanto aquele ou aquela que em vida deu continuidade e garantiu a expansão da memória da sua comunalidade. Itapuã é considerada um ancestral fundador de comunalidades africanas.
Itapuã é uma ilustração, um exemplo do que aconteceu e acontece no nosso país desde o século XVI. No livro procuro contar o impacto das relações de prolongação colonial e neocolonial que vem tragando a vida do nosso povo. Em artigo recente publicado no Jornal A Tarde (15/06/2012), refiro-me à teia dos valores que tendem a transformar a Bahia numa metrópole, extensão geopolítica e expansionista de alguns Estados Nacionais com suas supremacias étnicas e territoriais. Estamos assistindo a imposição de um mercado global, que cria cenários alegóricos forjando um novo sujeito social: o produtor, consumidor, refém das leis do capital. O livro Itapuã aborda a riqueza de valores da civilização africano-brasileira através da “pedra que ronca” demonstrando a recusa permanente à geografia civilizatória racista europocêntrica.
Com a exigência da Lei 10.639/03 do ensino da História da África e Afro-brasileira nas escolas, o livro constitui um canal importante para educar professores, contribuindo com abordagens teóricas e epistemológicas que fundamentem suas práticas.

Edufba – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA.

Para os povos que têm o seu viver cotidiano atravessado por tragédias, desdobramentos das relações de prolongação colonial e neocolonial que tendem a sugar sua dignidade, direito à existência e a exercer a sua alteridade civilizatória, e de manter erguidas as dinâmicas territoriais que os organizam, as questões apresentadas no livro Itapuã da ancestralidade africano-brasileira assumem um significado extraordinário. O que está em jogo é a continuidade, a descendência que constitui perspectivas de futuro do patrimônio civilizatório característicos de muitos povos. A Bahia, de modo especial Itapuã, carrega a identidade profunda das civilizações milenares das Américas e África.
Aproveito esse espaço para repetir o que sempre digo nas minhas aulas na graduação e pós-graduação: continuemos a cultuar nossas origens, nossos ancestrais, envolvendo nossas crianças e jovens, animando-os a erguerem a cabeça e terem orgulho de ser e pertencer as suas comunidades, que ao longo dos séculos se dedicam a manter a pulsão de vida para que a Bahia não acabe.
Itapuã é uma territorialidade que faz transbordar esse orgulho de ser, e ainda há tempo para que nós educadores identifiquemos essa força de sociabilidade africano-brasileira que atravessa Itapuã.



sábado, 6 de abril de 2019

Homenagem à Makota Valdina

           Homenagem de grafiteiros à líder religiosa Makota Valdina Pinto