“OBA BIYI O REI NASCE AQUI”
Mais uma contribuição da ACRA que tende a aproximar nossos/as leitores/as do tema Diversidade Cultural e Educação. Nesse aspecto é que trazemos mais uma vez na pauta do blog ACRA, a análise de um livro muito interessante sobre a primeira experiência de Educação Pluricultural no Brasil. Trata-se do livro “Oba Biyi O Rei Nasce Aqui” de autoria de Mestre Didi Asipá e Marco Aurélio Luz ,já apresentado aos nossos/as leitores/as no mês de setembro através de uma entrevista com um dos seus autores. Agora vamos conhecer a apreciação da obra feita pelo Professor Pedro Garcia, educador que tem muita importância na história das composições teórico-metodológicas dos trabalhos desenvolvidos pela equipe do PRODESE - Programa Descolonização e Educação UNEB/CNPq. O DAYÓ como um dos desdobramentos do PRODESE, que vem se dedicando a estabelecer linguagens pluriculturais na área de Educação.
Pedro Garcia é Filosófo, Mestre em Educação, Doutor
Boa leitura!
MINI COMUNIDADE OBA BIYI
UMA EXPERIÊNCIA ORIGINAL
Por Pedro Garcia
Original, de origem, de raiz, daquilo que funda, este o sentido desta experiência de educação pluricultural Mini Comunidade Oba Biyi, agora documentada e comentada no livro, “OBA BIYI, O REI NASCE AQUI: a educação pluricultural africano-brasileira”, de Deoscoredes M. dos Santos Mestre Didi e Marco Aurélio Luz.
Em um texto, denominado “A ciência como vocação”, Max Weber decretava o desencantamento do mundo. Mundo desencantado pela razão prática que tudo equacionava sem deixar margem para o mítico, para o mistério da existência, quebrando a relação entre a objetividade do cotidiano e as finalidades subjetivas do ser humano. Em síntese, o domínio da verdade científica, com sua questionável ordem e o seu progresso rumo – quem sabe?! – à destruição do planeta. Enfim, perdeu-se o significado e o mistério da existência. O corpo desligou-se da mente para tornar-se mercadoria a serviço de finalidades econômicas, sexuais e hedônicas a curto prazo.
Mas este mundo desencantado não é homogêneo nem unanimidade. Se o conhecimento contemporâneo (da ciência e da tecnologia) se separou do conhecimento do sujeito cognoscente trata-se de perguntar se é possível religá-los.
A experiência da Mini Comunidade Oba Biyi, que significa o rei nasce aqui, uma homenagem a Iyalorixá Oba Biyi, Mãe Aninha, propõe a unidade, o sujeito íntegro, inteiro. Trata-se, conforme dizem os autores deste livro, de “manter um diálogo com a sociedade envolvente, sem, todavia, perder o seu poder de resistência”, ou seja, sua própria identidade. Identidade ligada à tradição que, como nos diz Amadou Hampâté Bâ, “deve ser considerada uma árvore. Há o tronco, mas há também os galhos. E uma árvore sem galhos não dá sombra. É por isso que as tradições devem podar elas mesmas os galhos que morrem. Sou contra a conservação cega e total das tradições como sou contra a negação total das tradições porque isso seria uma negação, uma negação da personalidade africana”.
Na Mini Comunidade Oba Biyi as relações com a tradição religiosa e cultural africana se inter-relacionaram – sem perder suas características básicas – com a sociedade
A inovação do projeto educativo Mini Comunidade Oba Biyi consistiu em ampliar o significado do conhecimento além da relação olho-cérebro, usando a totalidade dos sentidos; um conhecimento mais próximo de quem não precisa do livro para se pronunciar: a sabedoria.
Na tradição afro-brasileira a percepção do ciclo vital está sempre viva na sua visão de mundo e é transmitida através de histórias. Como é o caso do significado da morte, assim narrada no conto “O Doutor Cura Quem está Para Morrer” de Mestre Didi, integrante do curriculum pluricultural, presente no livro, O REI NASCE AQUI, OBA BIYI.
Um pai de muitos filhos já não tendo mais ninguém para convidar para padrinho do próximo que estava para chegar, apelou para a Morte, que se apresentando aceitou e lhe revelou o segredo de um preceito que lhe permitiria salvar a quem estivesse para morrer. Dessa forma ele se tornou muito abastado e famoso com a proteção de seu compadre. Um dia Morte mandou que não atendesse o próximo chamado de ajuda. Porém como se tratava do filho do rei, não resistindo às vantagens oferecidas pelo palácio acabou por desobedecer Morte, que lhe disse:
-Compadre, o senhor não me obedeceu, quis ser mais do que eu. Porém, de agora em diante, toda sua riqueza vai ficar com a comadre e os meninos, por que eu vou levar o senhor no lugar do príncipe, para dar conta da minha missão e o senhor ficar sabendo que quem quer tudo, tudo perde.
Um poema da tradição nagô fecha o livro. Em seu último verso roga aos Orixás que “a alegria se expanda no mundo”. Que mais se pode desejar?
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