segunda-feira, 9 de novembro de 2009

CULTURA NEGRA EM TEMPOS PÓS–MODERNOS

CULTURA NEGRA EM TEMPOS PÓS–MODERNOS

Para aproximar nosso leitor/a do tema Dinâmica da Civilização Africano-brasileira, trouxemos para o blog da ACRA uma entrevista especial com o Professor Doutor Marco Aurélio Luz, autor dos livros Cultura Negra em Tempos Pós–Modernos e Do Tronco ao Opa Exin, referências bibliográficas importantes nos estudos desenvolvidos pela equipe PRODESE-Programa Descolonização e Educação UNEB/CNPq, responsáveis pelo projeto DAYÓ na ACRA.


Essa entrevista com o Professor Marco Aurélio, foi realizada logo após a conclusão do seu Pós- Doutorado na Sorbonne e publicada na coluna do Professor Doutor Edivaldo Boaventura no Jornal A Tarde, no contexto do lançamento desses dois livros citados aqui. Agora a ACRA apresenta a entrevista atualizada acompanhando a 3ª edição do livro Cultura Negra em Tempos Pós–Modernos pela EDUFBA.


BOA LEITURA!

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PSobre a publicação dos livros Cultura Negra em Tempos Pós–Modernos e Do Tronco ao Opa Exin, o que eles representam no conjunto das suas obras?

Luz – Quase todos os meus livros procuram se situar num novo continente epistemológico, isto é, para além da problemática de “raça e classe”, e instalar-se no que poderia chamar de problemática de diversidade humana, afirmação socioexistencial, e pluralidade cultural e civilizatória. Nessa problemática refiro-me basicamente à cultura africano-brasileira. O livro Do Tronco ao Opa Exin é exatamente em torno da trajetória histórica dessa cultura, valores, linguagem e instituições.


P - Explique o porquê de situar-se ideologicamente para além da problemática de “raça e classe”.

Luz - Problemática é uma categoria divulgada pelo grupo de epistemólogos liderados por Althusser. Refere-se a uma construção ideológica cujos problemas a serem colocados limitam o âmbito das respostas. No caso específico essa delimitação recalca a presença do contínuo civilizatório aborígine, e também do africano no Brasil. Em certo trecho das obras de Marx, explicando que uma máquina só ganha significado histórico quando está inserida nas relações de produção diz que o mesmo se aplica ao “negro escravo”, fora das relações de produção é apenas um negro!!! Assim os marxistas só entendem, não só o negro, mas toda a humanidade pelo viés das relações de produção e da luta de classes no âmbito da Europa e de suas projeções coloniais e seus desdobramentos. Faz parte também do repertório marxista denominar outros processos produtivos como da África pré-colonial e da América pré-colombiana de “comunismo primitivo” inserindo já na própria denominação um recalque ideológico evolucionista.


No que se re fere a problemática criada pelo “conceito de raça” ele se sustenta numa falsidade ideológica, qual seja, a de que existem raças humanas. Ele opera para diferir e naturalizar relações de exploração no âmbito do colonialismo e do neocolonialismo. Os de “raça branca” são considerados de “civilização superior” aptos a mandar, as demais, “raças inferiores” para obedecer. Apresenta falsamente as diferenças como desigualdades, para manter ações de discriminações que caracterizam a ideologia que chamamos racismo.


Para mim diferenças há, mas elas são percebidas num outro continente teórico, ultrapassando essas barreiras ideológicas, constituindo, se podemos assim chamar, de uma nova problemática da diversidade humana e da pluralidade sociocultural resultante dos diferentes fluxos civilizatórios.


P - Porque diversidade humana e pluralidade sociocultural?

Luz – A humanidade em sua trajetória civilizatória desde o antigo Egito na África, que se apresenta socioculturalmente diversa, plural, politica, múltipla e variada. O que é comum é a sociabilidade, a pulsão de viver em sociedade, o desejo de estar junto. Povo território, identidade, ethos e eidos, o compartilhar paixões, emoções e elaborações na criação e ocupação, na construção dos espaços, territorialidades e do tempo, temporalidades sociais.


A riqueza existencial da humanidade é a variada forma das constelações simbólicas, culturais, civilizatórias, alicerçadas sobre elaborações em torno dos mistérios do estar no mundo e o próprio mundo...


Todavia, nos “tempos modernos” categorias totalizantes europocêntricas e evolucionistas como Estado, classe, raça, etc. procuram encobrir o trágico da modernidade: a tentativa de destruição do outro, do diverso, do diferente, e ao mesmo tempo semelhante: nascemos, crescemos, e morremos... Todo sangue é vermelho.


P- Em relação ao Brasil como se situam essas preocupações?

Luz- O que chamamos Brasil, nome dado pelos colonizadores, por um lado, é essa situação trágica vivenciada de modo agudo de maneira geral. Uma gênese do nome diz tudo: local de retirada de produtos matéria prima, através da exploração do trabalho e da conquista de territórios, para riqueza e acumulação contábil dos europeus e seus descendentes espalhados pelas Américas. Pau- Brasil, até hoje é o mesmo nome... “país mercado colonial e neocolonial.”

Há um hiato na composição do Estado-nação cujos limites territoriais são ocupados também por diversos povos pré – colombianos ou pré- cabralinos se preferirmos, incluídos aí os oriundos do continente africano.


O trágico da era moderna é que esses povos, vistos pela ideologia econômica que alimenta a razão de Estado como “mão de obra barata” e muitos deles, os chamados afro-descendentes e os chamados “índios” sem terem seus direitos sobre suas terras reconhecidos, também não são legitimados em suas formas próprias de sociabilidade, exatamente por isso. E como conseqüência disso tudo temos presenciado a guerra constante, a violência, o genocídio, a exploração, a desterritorialização, o racismo, as alterações catastróficas na natureza, que chegam a uma dimensão tão intensa que estão pondo até mesmo o planeta em perigo de destruição.


O Brasil não está fora dessa “ordem mundial” que está em crise, dando passagem a novos tempos, a modernidade dá lugar à emergência de novos valores, constituintes do que chamamos pós-modernidade.


Os tempos pós modernos na concepção de Michel Maffesoli resultam do movimento pendular do “sprit du temps”, o espírito do tempo que oscila entre valores prometéicos, e valores dionisíacos, querendo dizer com isso ora a predominância dos valores da “ciência” e da técnica ora a predominância dos valores sagrados ligados aos mistérios da natureza, à Mãe Terra.

Neste contexto na constituição do Estado totalizante atuam forças centrípetas e centrífugas simultaneamente, de um lado atraindo para o centro para a sujeição voluntária às chefarias burocráticas, aos especialistas da cidade, de outro afastando para a margem os que soçobram ou os que constituem outras formas de sociabilidade formando redes comunitárias, comunalidades. È nesse território que acontece o fluxo das civilizações aborígines e as de origem africana, no Brasil e nas Américas em geral.

È, portanto nessa territorialização que a pós modernidade encontra um solo fértil para suas utopias de uma nova ética de reconhecimento e respeito à alteridade bem como de reconhecimento da inclusão da espécie humana na composição da Natureza que, portanto tem que ser preservada como composição do mistério transcendente do existir.


Na dinâmica das dialéticas institucionais acontece a circulação de identidades e pertenças, e pelas fissuras e interstícios do Estado em crise sucedem-se os desafios da luta de afirmação existencial e por direitos de legitimação.


Nesse contexto se dá outra conotação do Pau Brasil, nome de uma árvore...


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