EM BUSCA DE RECONHECIMENTO
A ACRA apresenta essa semana algumas reflexões desenvolvidas por Marcos Terena uma importante liderança indígena,colaborador e incentivador de muitas das iniciativas do PRODESE- Programa Descolonização e Educação da UNEB coordenado pela Professora Narcimária C. P. Luz. Essa entrevista que inserimos no blog ACRA foi gentilmente cedida pela jornalista Maysa Provedello a Revista SEMENTES Caderno de Pesquisa publicação organizada pelo PRODESE em 2005.
DA ALDEIA AO PALANQUE
Nascido na aldeia de Taunay, na zona pantaneira do Mato Grosso do Sul, Marcos Terena é um raro exemplo de indígena que conseguiu se alçar a um posto de destaque na sociedade dos brancos no Brasil. Aos oito anos mudou-se com a família para os arredores de Campo Grande, onde seu pai passou a trabalhar na lavoura de café e ele e seus cinco irmãos puderam estudar. Na escola, Terena fingia ser filho de japoneses, por vergonha da sua condição de indígena. Ao concluir o segundo grau, passou no teste da Academia da Força Aérea Brasileira em Natal, no Rio Grande do Norte. Formou-se piloto civil porque, como explica, queria \"pilotar aviões de grande porte\". Chegou a voltar ao Mato Grosso, mas logo decidiu tentar a vida em Brasília.
\"Naquele momento teve início minha fase mais política, porque só então entendi realmente o que era ser índio\", diz. Passou por alguns empregos públicos de pouca expressão e finalmente foi trabalhar como piloto da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Na mesma época, entre os anos 1970 e 1980, conheceu os caciques Mário Juruna, Kretã e Raoni Txucarramãe, que fundaram a União das Nações Indígenas - organização que deu origem ao movimento indígena no país.
Desde então Terena tornou-se porta-voz das causas dos índios brasileiros no Brasil e no mundo. Trabalhou como assessor no Ministério da Cultura nas gestões de José Aparecido, Celso Furtado e Aluísio Pimenta. Com outros líderes, colaborou na elaboração do capítulo da Constituição de 1988 voltado aos povos indígenas. Em 1991 foi convidado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a ser um dos organizadores da Conferência Mundial dos Povos Indígenas, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, durante a Conferência sobre Meio Ambiente. Também participou de inúmeros encontros internacionais. Atualmente é piloto da FUNAI- Fundação Nacional do Índio, é membro da \"Land is Life\", coalizão de indígenas de todo o planeta, e da \"The Call of The Earth\", outra coalizão em prol da proteção dos conhecimentos tradicionais, liderada pela indígena guatemalteca Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz.
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Desde 1994 a Organização das Nações Unidas (ONU) tenta redigir a Declaração Universal dos Direitos Indígenas, em conjunto com governos e representantes de etnias de todo o planeta. O assunto é tão complexo que em dez anos não houve consenso em torno do documento. Marcos Terena, de 51 anos de idade, piloto da Fundação Nacional do Índio (Funai) e líder indígena, representa o Brasil no grupo de trabalho da ONU e acredita que em dois anos a declaração ficará pronta. Também aposta que as comunidades indígenas passarão a ter maior participação no processo de desenvolvimento do Brasil ao contribuírem para a preservação da biodiversidade e para o uso sustentável dos recursos naturais. Nesta entrevista, Terena diz que é chegada a hora de tratar não apenas dos direitos, mas também dos deveres dos indígenas.
Maysa Provedello - Por sua experiência neste trabalho, quando lhe parece que será possível a ONU terminar a Declaração Universal dos Direitos Indígenas?
Maysa Provedello - Por sua experiência neste trabalho, quando lhe parece que será possível a ONU terminar a Declaração Universal dos Direitos Indígenas?
Terena - Um primeiro texto foi preparado por um corpo técnico da ONU em 1994. A partir daí foi estabelecida a década dos povos indígenas - e nesse período o documento deveria ter sido concluído. Ao longo desse tempo foram realizadas consultas, no mínimo uma vez por ano, a organizações indígenas e a governos, a respeito do tema. Mas em 2004 não houve consenso sobre o modelo final da declaração. Os dois pontos mais polêmicos dizem respeito à chamada livre-determinação dos povos indígenas, que se refere à sua autonomia total, independente das decisões dos países onde estão localizados, e à questão da utilização do solo e do subsolo. Neste último caso, o dilema é definir se o que está no solo e no subsolo é do país ou do povo indígena.
Maysa Provedello - A falta de consenso paralisou o processo de redação da Declaração?
Terena - Não. Ela voltará a ser debatida em abril e algumas comissões estão se organizando para apresentar um relatório alternativo, que possibilite o diálogo. Apesar das controvérsias, a intenção é que no máximo em dois anos tudo fique pronto. No caso da livre-determinação, deverá ficar decidido que os indígenas sejam reconhecidos como povos, não mais como tribos menores, e que tenham direito a cultura, identidade, território e autonomia econômica - mas sem ferir a soberania dos países. O acordo também deverá definir que o direito ao uso do solo e do subsolo em áreas demarcadas será da nação, mas que os indígenas terão participação ativa em todas as decisões que forem tomadas. É preciso lembrar que a Declaração não funcionará como um tratado a ser obedecido. Terá apenas um caráter indicativo.
Maysa Provedello - Quais os principais problemas enfrentados pelos indígenas brasileiros atualmente?
Terena - Não é possível falar do presente sem avaliar o passado. O ideal para nós seria que o homem branco nunca tivesse aparecido em nosso meio. E não digo isso porque os índios não gostam dos outros povos. Mas porque com eles vieram diversas maneiras de viver, uma civilização com ricos e pobres, com um modelo estreito e economicista, que privilegia uns em detrimento de outros. E a visão do superior versus o inferior foi aplicada aos povos indígenas. Então começamos a ser tratados como preguiçosos, selvagens, como obstáculos ao desenvolvimento, quando na verdade os povos indígenas sempre tiveram um padrão de vida superior não só ao dos brancos - nos tempos antigos e na sociedade atual. Os índios não tinham problema de fome e hoje sofrem devido à destruição do meio ambiente, da cultura, da organização social e do relacionamento espiritual com a terra. Isso além de doenças, que também não tínhamos. O preço pago pelos povos indígenas, na convivência com outros povos, tem sido muito alto.
Maysa Provedello - Mas já existem algumas leis, e a Constituição de 1988, que garantem direitos e serviços específicos aos indígenas. A situação não melhorou nos últimos tempos?
Terena - O problema é que o atual sistema indigenista de governo não consegue acompanhar o ritmo de envolvimento que afeta os valores das comunidades indígenas. Por outro lado, as comunidades indígenas não são capazes de responder a essa crescente avalanche de informação e de interferência. Isso gera um quadro de pobreza em grande parte dos povos indígenas. E não se trata apenas de falta de dinheiro, mas de empobrecimento cultural. De maneira geral, esses problemas são ignorados. Existe pouca ou nenhuma informação de qualidade sobre as nossas condições de vida. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU, por exemplo, não tem qualquer medição que leve em conta as nossas características.
Maysa Provedello - Não existem diagnósticos da qualidade de vida dos indígenas?
Terena - Não. Eu sempre defendi que para facilitar a elaboração das políticas para os indígenas fosse criado no Brasil, da mesma forma como existe o Índice de Desenvolvimento Humano, um índice de desenvolvimento indígena. Porque o IDH não diz respeito ao nosso tipo de vida. Fazer um diagnóstico assim não é papel da Funai, mas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ou do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É preciso que exista uma pesquisa que inclua todas as condicionantes e as respostas possíveis. E a dificuldade é escolher os parâmetros, os critérios. Por exemplo, o critério econômico usado no IDH não se aplica a nós. O índio, em geral, não tem renda. Mas é preciso medir o que equivale à renda, o que entendemos como riqueza, como a terra, por exemplo. Se um índio tem terra, se ele consegue extrair dali o que precisa, se existe educação bilíngüe, um bom serviço de prevenção e atendimento de saúde, então ele tem melhores condições de vida do que outros. Se uma determinada sociedade indígena tem formas de geração e administração de renda com vistas no futuro, de modo a garantir que, quando não for possível tirar da terra o necessário, o padrão de vida será mantido, seu índice de desenvolvimento será ainda melhor. Estou falando de algo muito mais complexo do que simplesmente vender artesanato, que é o que fazemos hoje, que dá retorno baixo, além de, em alguns casos, afetar a tradição cultural.
Maysa Provedello - Quais seriam as possíveis saídas de curto e longo prazo para os problemas enfrentados hoje em dia?
Terena - A solução passa obrigatoriamente pela demarcação dos territórios e pelo atendimento emergencial das questões de fome, educação e saúde. Passa também pela elaboração de um plano bem construído, de médio e longo prazo, visando não só à nossa proteção mas também à nossa evolução, à nossa integração na sociedade. Nós não podemos viver sem o homem branco. E o homem branco tem de entender que ele nunca vai conseguir ser brasileiro de verdade se não levar em consideração a sobrevivência e a participação dos índios na sociedade. Esse plano teria de ser construído em conjunto, por indígenas e brancos, e teria de nos capacitar a cuidar de nosso futuro no longo prazo.
Maysa Provedello - Por que a demarcação das terras é prioritária? Não é possível viver nos territórios já demarcados ou mesmo nas cidades?
Terena -
Maysa Provedello - Uma participação assim envolve muitas responsabilidades, não?
Terena -
Maysa Provedello - Histórias como a dos índios cintas-largas, de Rondônia, que envolveu a exploração predatória de recursos naturais, deixam a opinião pública desconfiada a respeito das possibilidades dessa participação conjunta...
Terena -
Maysa Provedello - Os povos indígenas estão se preparando para participar do mundo capitalista?
Terena -
Maysa Provedello - E no âmbito governamental, quais são os planos para a elaboração de uma política indigenista de longo prazo?
Terena
Maysa Provedello - Você está envolvido na criação de uma organização não-governamental voltada para a divulgação na mídia, especialmente para os jornalistas, dos direitos indígenas. De onde partiu essa idéia?
Terena -
Maysa Provedello - Você já tem noção de como serão os trabalhos dessa ONG?
Terena - Serão no mesmo modelo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Vamos sugerir matérias, acompanhar o que sai na mídia e capacitar profissionais da comunicação para tratar das nossas questões. Se os jornalistas não têm preparação suficiente para tratar dos problemas indígenas de forma verdadeira, fiel, não é por incompetência, mas porque foram formados em uma escola que não tem tradição no assunto. Por outro lado, um repórter que queira escrever algo com qualidade tem dificuldade para encontrar fontes de informação. Vamos ajudar nesse ponto. Também vamos gerar estudos e oportunidades para que jovens indígenas envolvidos com comunicação trabalhem para a agência. Temos expectativa de começarmos nossas atividades até meados de 2005.
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