Praia de Itapuã imediações do Farol Foto Narcimária Luz
POR ROSÂNGELA ACCIOLY
O livro “Itapuã quem te viu, e quem te vê” de autoria da professora Narcimária Luz publicado pela EDUNEB Editora da Universidade do Estado da Bahia, apresenta uma visão poética da história do bairro de Itapuã, destacando o valor das diferentes civilizações que constituíram o bairro. A autora apresenta através de uma perspectiva pluricultural de educação, uma riqueza de detalhes sobre a presença dos tupinambá, portugueses, africanos e mais recentemente nos anos de 1940 a influência dos Estados Unidos. A narrativa utilizada pela autora, cria personagens que delinearão o encontro entre essas civilizações trazendo reflexões acerca das mudanças sócio-históricas que ocorreram ao longo do tempo na territorialidade de Itapuã, Salvador-Ba.
A oralidade como base da comunicação africano-brasileira, é explorada pela professora para compor narrativas que dão ao texto a estrutura de um auto-coreográfico. É assim, que nos deparamos com dramatizações poéticas que refletem os valores de civilizações,que apelam para contos, músicas,provérbios,etc. Esse belíssimo livro, recorre as histórias dos ancestrais, para anunciar a visão de mundo tupinambá, africana,européia e sua extensão urbano-industrial através dos EUA.Todo esse universo cênico é muito representativo para as crianças,pois de maneira lúdica o público leitor aprende: sobre os conflitos e tensões dessas civilizações que atravessaram o tempo em Itapuã;como essas civilizações coexistem; e vínculos comunais afrobrasileiros que se mantêm afirmando o direito à alteridade.
Os valores das civilizações aborígine e africana aparecem de forma contagiante e corajosa através de personagens que vivenciam aspectos da ancestralidade e a relação com o universo simbólico que transborda nas sociabilidades engendradas na relação com o mar, as dunas, mata, lagoas, rios, fauna característica de Itapuã, etc. Em “Itapuã quem te viu,e quem te vê”,podemos identificar modos de insurgência dos africanos/as e a afirmação do seu modo de viver face à imposição dos valores europocêntricos via Portugal e Estados Unidos.
O auto-coreográfico apresenta narrativas em que as crianças e jovens descendentes dos tupinambá e africanos se vêm para além das representações da historiografia oficial que tratam desses povos como escravos, incivilizados, primitivos, incapazes de história, tecnologias, literatura, arquitetura, farmacologia, matemática, idiomas, etc. Esta é uma grande sacada que ergue novos horizontes de abordagem da história das populações tupinambá e afrobrasileira na Bahia voltada para o público infanto-juvenil.
ITAPUÃ
Ilustração de Marcelo Luz
Dentro desse contexto, tudo se inicia a partir das personagens a “pedra que ronca” ITAPUÃ, e da pedra que carrega no seu interior a fartura de peixes PIRABOCA, ambas constituem o mito inaugural dos tupinambá.
PIRABOCA
Ilustração de Marcelo Luz
A outra personagem é o Farol de Itapuã, que se opõem a força mítica local e representa a imposição das forças portuguesas nas ações de conquista, exploração, opressão e expansão das relações coloniais na Bahia.
FAROL
Ilustração de Marcelo Luz
A personagem Plakafor revela-se na sedução dos tempos modernos que vão trazendo os valores capitalistas representando no século XX uma nova ordem mundial pautada no“Time is Money”.
PLAKAFORIlustração de Narcimária Luz
Como não poderia deixar de ser, a autora resgata a riqueza da presença tupinambá e africana numa abordagem cosmogônica que traz: O Ojixê(mensageiro),um pássaro que dá força e coragem para iniciar o auto-coreográfico.Tem também Agemó (camaleão), o apalô que na tradição nagô é responsável pelas narrativas que asseguram as gerações futuras o acesso as histórias que caracterizam a formação da comunidade .
AGEMÓ
Iustração de Marcelo Luz
Essas são as personagens responsáveis por conduzir a linguagem lúdica nas teias da narrativa.Representando os tupinambá aparecem os curumins são as crianças,e a liderança do avô Aracê, guerreiro que zela pelos saberes de seus ancestrais.A presença africana está representada pelos awon Omodê, assim são chamadas as crianças do povo Nagô e Ologbon,também liderança comunitária e guerreiro que zela pelos saberes de seus ancestrais.
Esta perspectiva abre novos horizontes que vão sendo delineados pelos personagens utilizando a linguagem lúdico-estética como recurso teórico-metodológico que pode e deve ser usado pelos/as professores/as baianos, pois não é apenas a história do bairro de Itapuã que é abordada, mas a história da Bahia.
A adoção desse livro na s escolas baianas irá fortalecer o patrimônio civilizatório tupinambá e afrobrasileiro. “Itapuã quem te viu, e quem te vê” fala a todo o tempo da presença africana a partir da tradição nagô e dos povos inaugurais. Em todo o auto, respiramos esses universos, seus vínculos de sociabilidade, cuidados com a natureza, sua estruturas hierárquicas, enfim, valores e linguagens que, sobretudo reivindicam a alteridade civilizatória presente nas nossa comunalidades na Bahia.
Com certeza, um dos objetivos em realizar este grandioso trabalho é o de encorajar as novas gerações de educadores/as no sentido de aprofundar seus conhecimentos sobre as perspectivas de linguagens afrobrasileira em uma proposta pluricultural que se sustenta através das tradições que expandem o universo mítico simbólico do patrimônio civilizatório afrobrasileiro.
A publicação é um dos desdobramentos do estágio pós-doutoral da autora no campo da Comunicação e Cultura na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro com apoio do CNPQ, - Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da FBN-Fundação Biblioteca Nacional.
OLOGBON
Ilustração de Marco Aurélio Luz
Rosângela Accioly e´formada em Pedagogia,pesquisadora do PRODESE-Programa Descolonização e Educação,Professora da rede municipal de Lauro de Freitas e educadora da ACRA.
O livro está sendo vendido na EDUNEB-Editora da UNEB,LDM da Faculdade de Educação da UFBA e livraria do Aeroporto.