domingo, 27 de março de 2011

"SUSTO" E ENCANTAMENTO: CONHECENDO O POVO BRASILEIRO ATRAVÉS DA CAPOEIRA

OU SIM,SIM,SIM!OU NÃO,NÃO NÃO!

Por Narcimária Luz

A capoeira é uma linguagem que se organiza através da dinâmica da roda.Linguagem que carrega mistério,transcendência.Estamos falando de uma linguagem permanente dos africanos vindos de Angola no século XVI (re) criando a capoeira de modo especial em Salvador e Recôncavo.A (re) criação da capoeira pelo africano caracterizava uma territorialidade possível de liberdade e mais do que isso,era possível realizar e expandir o modo próprio africano de existir e manter a sua identidade profunda. Chamo atenção para o fato de que os africanos de Angola carregavam consigo vínculos de sociabilidade importantes principalmente a referência da Rainha Nzinga,a Rainha Ginga ou Rainha Invisível.


Como já ressaltamos outras vezes, Nzinga é um marco de força e resistência para os descendentes de africanos nas Américas e especialmente no Brasil .As incursões portuguesas em Angola no fim do século XVI e início do XVII sofreram derrotas significativas face às estratégias extraordinárias de guerrilhas organizadas por Nzinga a Mãe Negra.É importante considerar a perspectiva de expansão e afirmação comunal e funcionalidade societal que estruturava a liderança de Nzinga e suas atividades de resistência.


Crianças da ACRA no batizado de capoeira em 2010 Foto N.Luz


O termo ginga referência importante na capoeira é uma alusão a rainha invisível,a rainha Ginga com seus traços estratégicos de guerrilha,surpreendendo o inimigo apelando para as táticas do visível-invísivel,está aqui,não está mais...Dessa ginga aflora a comunicação estruturada pela manha,habilidade,sorte,risco,improvisação,alegria,arte...


Linguagem que traz para a roda o jogo que no aqui e agora desenha e amplia de forma magnífica o tempo e espaço do legado africano-brasileiro ornamentado por : chapa de frente, chapa de costas, meia lua e cutilada de mão rabo de arraia, moquete, banho de fumaça, passo de sirycopé, baiana, chifrada, bracear, caveira no espelho, topete a cheirar, lamparina, pantana, trastejar, caçador, negaça, ponta-pé e pancada de cotovelo, pronto, chato, negaça de inclinar, negaça de achatar, negaça de bambear, negaça de crescer, cocada, grampear, joelhada, arranque, tesoura, tesoura baixa, canelada,bolacha beiço arriba, corta capim, passo de cegonha, tombo da ladeira,baú, pentear ou peneirar, chincha, xulipa, me esquece, vôo do morcego, espada e tantos outros desenhos ornamentais e suas variações em que o corpo é o instrumento dessa arte ,ganhando características próprias a depender doespaço-tempo da capoeira seja ela de matriz angola ou de matriz regional nas territorialidades afrobrasileiras onde se afirmam.(Cf.http://www.capoeira-fica.org/PDF/Nomenclatura_de_Movimentos_de_Capoeira.pdf) http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/04/artigo-2a36.pdf )


Crianças da Cidade de Deus Imagem disponível emhttp://www.blogdapacificacao.com.br/tag/michelle-obama/


Um desses desenhos magníficos é o “balão cinturado”,que semana passada fez a primeira dama dos Estados Unidos Michele Obama, tomar vários sustos ao assistir a apresentação de capoeira de crianças da Cidade de Deus. O “balão cinturado” é um movimento em que a dupla de capoeiras fica de costas um para o outro de mãos dadas e um deles dá um salto sobre o outro.



Casal Obama comentando a performance das crinaças Imagem disponível em http://www.blogdapacificacao.com.br/tag/michelle-obama/


O menino responsável pelo o “balão cinturado” que deu o tal “susto” em Michele Obama,chama-se Cauã que tem de sete anos, 1,20m de altura e uma excelente desenvoltura na roda, demonstrando o quanto a linguagem da capoeira está impregnada na sua identidade afrobrasileira. Cauã tem todos os sentidos do seu corpo acessos para adentrar no jogo, e assumir com maestria as exigências que a roda lhe faz.Isso acontece com a maioria das crianças brasileiras que crescem jogando a capoeira.



Admiração da família Obama Imagem disponível em http://www.blogdapacificacao.com.br/tag/michelle-obama/


Quando assediado pela mídia perplexa pelo “encantamento” da família Obama pela apresentação das crianças, Cauã que fez bonito comentou:


“Não fiquei nervoso. Foi bom por causa das palmas, das músicas, do presidente” (Cf. http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1654509-15605,00-JOVENS+DA+CIDADE+DE+DEUS+CONVERSAM+COM+OBAMA.html)


Convidamos vocês a assistirem ao vídeo da entrevista das crianças da Cidade de Deus.


Vale à pena conferir!


Vejam no link: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1465343-7823-CAPOEIRISTAS+ENCANTAM+MICHELLE+OBAMA+NA+CIDADE+DE+DEUS,00.html

sábado, 19 de março de 2011

SONHOS E PESADELOS

A propósito da tragédia que ocorre no Japão, com o pesar e sentimento de toda a humanidade solidária com a dor e o sofrimento dos que foram atingidos.Todavia não podemos nos omitir de pensar e refletir sobre as dimensões do que lá ocorre. Para isso nos valemos do filme SONHOS de Akira Kurosawa a quem rendemos nossa homenagem extensiva ao povo japonês. Lembrando que dia 23/03 é o dia do nascimento do expoente cineasta Kurosawa.
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Por Marco Aurélio Luz

Imagem disponível em http://eduardolamas.blogspot.com/2010/07/os-sonhos-de-kurosawa.html


Akira Kurosawa um dos mais importantes cineastas do mundo, dentre suas várias obras primas nos legou SONHOS.
Os sonhos narrados cinematograficamente na forma de contos são na verdade lições de vida de nossa atualidade marcada pela modernidade decadente que denega as tradições de diversos povos e impõe uma nova ordem imperial baseada nos valores anglo- saxônicos via EUA.
Com o Japão não é diferente e Kurosawa por diversas formas procurou sublinhar a riqueza cultural da tradição japonesa em seus filmes.
Em SONHOS o primeiro conto se refere à perda do respeito ao mistério, ao mundo dos ancestrais pelas novas gerações e as suas conseqüências.



Imagem disponível em http://www.samshiraishi.com/%E2%80%8Echuva-e-sol-casamento-da-raposa-dizia-minha-avo-japonesa/

Um menino curioso afronta o perigo adentrando-se na floresta para descobrir o mistério de quando faz sol e chove dá-se o casamento da raposa. Ele não ouve os conselhos da mãe para manter-se afastado, pois a raposa pode ficar muito zangada.
De repente numa atmosfera de neblina ele se depara com uma procissão de ancestrais que logo desconfiam de estarem sendo observados.

Imagem disponível emhttp://www.samshiraishi.com/%E2%80%8Echuva-e-sol-casamento-da-raposa-dizia-minha-avo-japonesa/

O menino com medo sai de detrás da árvore e foge para casa. Encontra a mãe na soleira do portão. A raposa já havia ali estado e deixara uma encomenda para o menino. A mãe lhe entrega já sabendo o que se passara. Ele verifica a encomenda e vê um punhal com o recado que deve se matar com ele. A mãe lhe aconselha de pedir perdão à raposa e fecha o portão dizendo que ele não pode voltar para o mundo da casa. Ele ainda pergunta onde encontrar a raposa. E a mãe responde que é no fim do arco-íris...

Imagem disponível em http://renatodidi.blogspot.com/2009/03/dreams-akira-kurosawa.html


Imagem disponível em http://vitaminab.blogspot.com/2008/01/entre-sonhos-e-castigos.html


No conto seguinte, há um menino de bom coração que sente muito pesar pelo que seus familiares fizeram com os pessegueiros, cortaram todos...
Ele então é visitado pelos espíritos das árvores, que só ele presencia, e eles usam trajes magníficos do Japão ancestral.
Eles testam o menino. Percebendo que ele destoa da humanidade vigente que não respeita as árvores, eles lhe concedem a graça de ver de novo os pessegueiros floridos através de um belo ritual com dança e música invocativas. Mas depois as lindas imagens se desvanecem e, resta ao menino o pesar pelo legado deixado pela geração anterior.

Imagem disponível em http://www.cinemaemcena.com.br/forum/forum_posts.asp?TID=16313&PN=2

A natureza pode ser benéfica ou maléfica para a humanidade. Essa é a lição do terceiro conto. Perdidos na neve um grupo de soldados é envolvido pela nevasca e pela presença sedutora da Morte.
O comandante procura reagir, a Morte recua, e então cessa a nevasca, o brilho do sol transparece por entre os cimos das montanhas e eles redivivos encontram de volta o acampamento.
O quarto conto nos fala da estupidez das guerras, o nonsense de viver para matar e morrer sem razão. Um túnel com soldados e seus espíritos ligando o nada à coisa nenhuma ilustra a situação em cores cinzentas.

Imagem disponíovel em http://www.ms.gov.br/noticias/index.php?templat=vis&site=136&id_comp=1068&id_reg=31704&voltar=home&site_reg=136&id_comp_orig=1068


O personagem guia dos sonhos de kurosawa está à procura de Vincent Van Gogh. Naquela presentificação onírica ele é tido como louco, mas é sobretudo um pintor obcecado. Ele se esforça por pintar a beleza do mundo exterior querendo que a pintura provoque as mesmas emoções e encantamentos das belas paisagens da natureza sentidas por ele. Porém elas se lhes escapa por mais talento e técnica pictórica utilizados.
O seu próprio corpo lhe escapa; não conseguindo pintar sua orelha como deseja, prefere cortá-la fora...
O personagem deixa o pintor e caminha por seus quadros e assim nessa busca, continua buscando.


Imagem disponível em http://tonsdecinza.estudioacre.com.br/?cat=26


Outro conto fala de como uma manifestação da natureza pode abalar a segurança das usinas atômicas precipitando uma tragédia. As usinas atômicas são símbolos ideológicos do domínio tecnológico do progresso industrial e bélico.
Uma família, ingênua de tudo, um casal e dois filhos pequenos, encontram-se acuados no alto de um penhasco precipitando-se no mar aberto pelas nuvens de poeira atômica que se aproximam. Elas resultam do descontrole das usinas. Compartilhando esse momento com a família um senhor de roupa ocidental de terno e gravata vivendo aquela angústia vai explicando o perigo de morte que se lhes aproxima. Por fim ele acaba por revelar que é um dos cúmplices daquele acontecimento, pois é um dos gerentes da concretização desse programa nuclear. Por fim aconselha a se jogarem no mar por ser uma morte de menos sofrimento. A poeira se aproxima e num repente ele se atira se suicidando. A família tenta inutilmente afastar a poeira mortal, o pai tira o capote para com ele tentar se defender com safanões, a mãe se debruça sobre os filhos para protegê-los. De nada adianta a nuvem de radiatividade vai envolvendo a todos.
Como num sonho um personagem nos guia perdido num mundo pós destruição atômica. Deformações genéticas e a esterilidade da natureza que compõem a paisagem formam um
cenário aterrador. Surgem homens com chifres que tentam reerguer uma nova ordem social de hierarquias que abrange o canibalismo. Tudo muito triste...



Imagem disponível em http://www.cinesemana.com.br/categoria/filme-favorito/

No último sonho o personagem caminha por paisagens do interior e vai parar numa aldeia do Japão rural afastado da mundaneidade moderna.
Está acontecendo um funeral. Aqui a morte é comemorada com alegria, pois a pessoa cumpriu o seu ciclo vital, alcançou a longevidade, colaborou com a comunidade que agora se reúne para celebrar.Encontra-se com um senhor de idade avançada, mas com muita saúde.

O cenário é de paz e harmonia com a natureza. As águas límpidas do regato movem os moinhos que transformam grãos para alimentar a vida.

Imagem disponível em http://setimofilme.wordpress.com/category/akira-kurosawa/


O senhor explica esses valores de equilíbrio e harmonia e se despede integrando-se ao séquito do funeral numa procissão levando o caixão com arte: música dança e cânticos de alegria.
A procissão passa como as imagens das águas do regato, límpidas contendo plantas aquáticas que embelezam o fluxo da correnteza... É a vida numa outra dimensão...

sexta-feira, 18 de março de 2011

ÁGUAS DE MARÇO:CONHECENDO UM POUCO DA HISTÓRIA DA COMPOSIÇÃO

Por Edgar Nascimento


Imagem disponível em http://rosetunaladedoverde.blogspot.com/_archive.html


Melhor música brasileira de todos os tempos conforme enquete realizada em 2001 pelo jornal “Folha de S. Paulo” junto a 214 pessoas, entre personalidades do meio musical e cultural e jornalistas, “Águas de Março”, escrita em 1972 por Tom Jobim (1927-1994), teve sua preferência confirmada também em votação realizada na internet pelo jornal. O resultado foi publicado no caderno Ilustrada da “Folha de S. Paulo”, de 18 de maio, e a sondagem pela internet saiu na “Folha Online” de 25 de maio de 2001.
A primeira interpretação de “Águas de Março” veio a público graças a uma idéia de Sérgio Ricardo, músico de bossa nova e de protesto. Com o tablóide “Pasquim”, ele elaborou a série “Disco de Bolso”, em compacto simples, espécie de ancestral dos CDs do Lobão vendidos em banca. A proposta era que um dos lados contivesse música de um artista consagrado, e o outro, de um estreante. Assim foi que, em maio de 1972, surgiu o primeiro “Disco de Bolso”, com “Águas de Março” num lado, na interpretação do próprio Tom Jobim, e “Agnus Sei”, dos então calouros João Bosco e Aldir Blanc, no outro. O título do compacto ficou “O Tom e o Tal”. Esse “Tal” era João Bosco que, com Aldir Blanc, ganhou o lugar numa seleção feita entre músicos iniciantes. De acordo com o projeto, a música era mostrada ao padrinho, para ser aprovada. E o padrinho teria de gravar uma inédita sua.
A série “Disco de Bolso” prosseguiu com Caetano Veloso apresentando Fagner, mas parou por aí. “Águas de Março”, ao contrário, continua atual. Até hoje, foram gravadas mais de 50 interpretações, no Brasil e no exterior. Aqui, destacaram-se as gravações de João Gilberto, Leny Andrade, Miúcha, Nara Leão, Joyce, Danilo Caymmi, Sérgio Mendes e Os Cariocas.
Lá fora, “Waters of March”, em versão inglesa feita pelo próprio Tom, recebeu interpretação de Art Garfunkel, Ella Fitzgerald e Dionne Warwick, entre outros. A versão definitiva (não a primeira nem a última) ficou sendo mesmo a de 1974, da dupla Tom Jobim e Elis Regina, que está no álbum Elis & Tom.
Há quem diga que "Águas de Março" foi inspirada em folclore. Segundo alguns pesquisadores, a música de Tom não poderia ter conquistado o primeiro lugar como melhor música brasileira por não ser original. Seria “roubada” de canção folclórica anterior. Tom teria se baseado num disco de 1956 intitulado “Cinco Estrelas Apresentam Inara”. Pesquisadora, compositora e musicista, Inara a recolheu do folclore “Água do Céu”, que numa das faixas é interpretada por Leny Eversong (1920-1984). Nos versos religiosos, há semelhança de melodia e letra com “Águas de Março”: “é chuva de Deus, é chuva abençoada / é água divina, é alma lavada”.


Imagem disponível emhttp://rosetunaladedoverde.blogspot.com/


Para José Ramos Tinhorão, implacável crítico da bossa nova desde o começo, essa versão já era uma adaptação de um ponto de umbanda recolhido em 1933 por J. B. de Carvalho, que diz: “é pau, é pedra, é seixo miúdo / roda baiana por cima de tudo”. E agora? O crítico musical Luís Antônio Giron, que é admirador de Tom, também diz que “Águas de Março” não deveria figurar como a maior por ser cópia de folclore. “Villa-Lobos se apropriava de temas folclóricos, mas citava as fontes. Tom não citou nada, simplesmente assinou”, diz.
5artista copia mesmo”. Mas, em seguida, Donato atenua: “Tom está longe desses julgamentos, é o nosso melhor compositor. ‘Águas de Março’ é agradável de ouvir. Mereceu ganhar”.
Como surgiu a canção - Era março de 1972. No sítio de Poço Fundo, enquanto a casa definitiva que havia planejado não ficava pronta, Tom usava uma casinha de pau-a-pique. Trabalhava em “Matita Perê”. Ao ver uma agüinha passar pelo regato, Tom sentiu a coisa brotar e surgiu em sua cabeça um tema novo. Teresa, sua mulher na época, ouviu, meio dormindo, os acordes no violão. Ela disse que o tema era lindo. Ele pediu uma folha de papel. Nada achando de melhor naquela hora, ela lhe deu um papel de embrulho de pão. De madrugada, Helena, irmã de Tom, e Manoel, marido dela, que também estavam na casa, ouviram alguém bater à janela. Levantaram,abriram a porta. Era Tom. Trazia escrito a lápis, naquele papel cinzento, os primeiros versos: “É pau, é pedra, é o fim do caminho (…) É o projeto da casa (…) É peroba do campo (…) é o nó da madeira (…) É o tijolo chegando…”
Helena Jobim, irmã e biógrafa, em seu livro “Antonio Carlos Jobim - Um Homem Iluminado”, conta que o irmão ficou tão entusiasmado com o tema que voltou imediatamente para o Rio e lá terminou a música num só fôlego. Tom era amante da natureza num tempo em que pouco se falava de ecologia. Era um estudioso de tudo, um pesquisador que lia muito e conhecia profundamente os compositores eruditos e também os populares.
Em seu sítio, enquanto relaxava um pouco a cabeça de “Matita Perê”, obra em que trabalhava obsessivamente sem conseguir a perfeição que desejava, teve de súbito a idéia do tema principal de uma nova canção, cujo núcleo melódico, muito simples, de apenas três notas, apóia-se sobre acordes feitos no violão, pois não havia piano no sítio. Qual colcha de retalhos muito bem dispostos, a letra, que nasce quase simultaneamente com a melodia, tem tudo a ver com aqueles dias chuvosos de março, aquela paisagem do sítio, onde Tom Jobim planejara construir uma bela, sólida e confortável casa.


Imagem disponível emhttp://universoscriticos.blogspot.com/2005_03_01_archive.html


Todas aquelas imagens fervilhando na mente do artista são por ele reunidas numa colagem que, não por acidente, muito menos por plágio, mas sim, por competência e sensibilidade, é escolhida, ao alvorecer do milênio, a melhor música brasileira de todos os tempos. É para esperar que, no aniversário dos 35 anos das “Águas de Março” do nosso maestro soberano, as águas deste nosso março, se vierem, não sejam causa de destruição e morte num planeta que tanto tem sofrido com as agressões sistemáticas de grupos poderosos ávidos por lucro a qualquer custo, com o que Tom tanto se entristecia.
Bem pelo contrário, que as águas de março venham para fechar o verão e como promessa de muita vida em nosso coração.

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Edgar Nascimento é músico nasceu em Blumenau, Santa Catarina.No seu repertório estão a bossa nova e a música internacional dos Beatles. Como se dedica exclusivamente à música, está constantemente incluindo novas canções no seu repertório, que conta com mais de 300 músicas.
Para saber mais visite a página http://www.edgarnascimento.mus.br/art70228.htm

ÁGUAS DE MARÇO

Letra e música de Tom Jobim

Partitura original em manuscrito de Tom Jobim, publicada no semanário carioca O Pasquim, em maio de 1972.

Imagem disponível em http://www.jobim.com.br/partituras/aguas_de_marco/aguasmarco_part.html


É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o MatitaPereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
pau, pedra, fim, caminho
resto, toco, pouco, sozinho
caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.
Essa postagem contou com a colaboração de Marcelo Luz

quinta-feira, 10 de março de 2011

“CISNE NEGRO”OU“A MENINA QUANDO ENJOA DA BONECA”

Por Marco Aurélio Luz



Poster do filme Cisne Negro
disponível em http://www.arteview.com.br/index.php/noticias/critica-cisne-negro-2/

O filme Cisne Negro narra uma história da bailarina que almeja substituir a principal da companhia que está em véspera de se aposentar, tudo isso é apresentado de forma poética e dramática como a linguagem que reveste o ballet.
São dois dramas que se interagem o do descenso e ocaso de uma e principalmente o da escalada ao cimo de outra.
Uma é surpreendida de vir a ser substituída e a outra procurou se esforçar o quanto pode para esse inevitável momento.
Em meio a isso o jovem diretor quer resultados para a viabilidade financeira da companhia. Então, para atrair o público a receita é de novos grandiosos espetáculos, inclusive o próprio filme.
O diretor, Darren Aronofzky, natural de Nova York, pelo amor a arte mais parece originário da terra de Serguei Einsestein, com os recursos das belezas de imagens que o cinema proporciona desenvolve os dramas e várias linhas de metalinguagem que vão sinergicamente tecendo a ação.
O ponto de partida ou “mote” é a montagem do conhecidíssimo O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky em torno do qual se constituirão vários desafios que se entrelaçam.
O desafio inicial é a proposta do personagem do diretor da companhia, Thomas (Vincent Cassel) de dar um tratamento original e livre de interpretação do ballet para que o torne completamente renovado.
Sua estratégia é dar ao personagem cisne negro o fio condutor e relevante da trama. Embora continue sendo uma feiticeira encantada e encantadora que seduz o príncipe e o desvia de seu caminho, qual seja o de salvar a princesa encantada como cisne branco através de um beijo apaixonado, o cisne negro terá outro perfil psicológico.

A personagem Nina interpretando os cisnes imagem disponível em http://devaneiosemetamorfoses.blogspot.com/2011/02/filme-cisne-negro.html

A começar ele propõe que os cisnes sejam interpretados por uma só bailarina, a “rainha cisne”.
No elenco dos cisnes várias delas almejam essa posição e a competição se acentua.
A favorita é uma menina moça, Nina, (Natalie Portman), ultra dedicada. Cumpre rigorosamente com os horários dos ensaios e objetiva a adquirição das técnicas que garantam a perfeição dos gestos com repetições incessantes.
Para o diretor ela é a bailarina ideal, mas para representar o cisne branco... Possui toda capacidade técnica, obediente ao extremo às regras, mas tolhida de sentimento, que é a base para a interpretação do cisne negro.
A trama do drama se concentra então na revelação do cotidiano de Nina, envolvido pela presença controladora e vigilante da mãe, uma antiga bailarina com quem mora e que cuida dela com extremo zelo. Ela alimentará o super ego de Nina, um fantasma que tentará impedir quaisquer desvios, deslizes ou transgressões, promovendo e induzindo à sujeição voluntária com repressão, compensação e premiação.
Por outro lado, Thomas o diretor estimula o emergir de outra personalidade, um duplo de Nina que numa rápida cena cruza com ela pelo corredor do teatro. Essa nova personalidade será apaixonadamente livre, capaz de encarnar o cisne negro e provocar a emoção do público, seduzi-lo conquistá-lo.
Entre as bailarinas concorrentes, uma delas Lilly (Nila Kunis) que transgride as regras do “bom comportamento” está solta no papel de cisne negro é a que mais o almeja e provoca também a preferência do diretor.


A personagem Nina diante do espelho e as múltiplas imagens refletidas qua irão aos poucos lhe aproximar da interpretação do cisne negro
imagem disponível em http://liviadibartolomeo.wordpress.com/2011/02/14/cisne-negro/

Outro obstáculo que Nina terá de superar é a culpa pela substituição de Beth (Winona Ryder), que se constituiu como seu ideal de ego, ao ponto de afanar alguns objetos pessoais que se tornam fetiches para alcançar seus objetivos.
Na ausência da rainha as princesas se batem pelo príncipe.
Elas admiram e invejam as qualidades da outra. Lilly admira, compete, e inveja a dedicação absoluta, a concentração, e a perfeição técnica de Nina, esta por sua vez se encanta e é seduzida pela desenvoltura o despojamento e a “loucura” de Lilly. Uma admira as qualidades de personalidade para o cisne branco a outra para o cisne negro. Elas irão se enfrentar até a adquirição do desejado; a incorporação das metades cisnes.
Um beijo roubado pelo diretor e a reação de raiva de Nina, perdendo a linha dando-lhe uma mordida nos lábios, faz com que ele acredite que poderá despertar na menina moça o cisne negro. Começa a despertar a mulher com um beijo...
Desenvolve-se então a escalada para a libertação, uma luta com desafios cercada de fantasmas e delírios paranóicos.
Uma determinação hesitante mas corajosa a impulsiona a enfrentar as trincheiras do super ego das imagens da mãe. A libertação passa por aí para que aflore o cisne negro. Pequenos sinais apontam que ele está para nascer, pequenas protuberâncias com pequenos sangramentos na pele dorsal anunciam penas pretas que aumentam à medida que o processo de emergência da nova identidade acontece.
A decoração do quarto se altera.O espelho reflete imagens modificadas,os ursinhos de pelúcia e a boneca são atirados com raiva na lixeira.

A delicada interpretação do Cisne Branco imagem disponível emhttp://joseames.blogspot.com/2011/02/o-cisne-negro.htmlh

Também a sexualidade liberada das vigilâncias e repressões do super ego, do fantasma da imagem da mãe vai acontecendo em sucessivas cenas, abrindo os caminhos.
Já então as meninas mulheres cisnes caminham juntas, próximas na aventura de constituição de ser. Cada qual tentando obter as características admiradas da outra para se fortalecer na competição para se tornar a rainha cisne. Em determinado momento Nina irá visitar a antiga estrela da companhia, Beth que não suportou a substituição e se acidentou quebrando as pernas e agora se restabelecendo num hospital.
Movida pela tentativa de livrar-se da culpa Nina resolve devolver os objetos “fetiches” roubados, agora que perderam o antigo valor, mas esse gesto só aumenta a raiva da antiga bailarina que se auto agride. Nina agora com o apoio do diretor assume a substituição.

Aflora o sedutor e exuberante cisne negro imagem disponível emhttp://joseames.blogspot.com/2011/02/o-cisne-negro.html


Embora o caminho esteja mais livre, o acaso a leva a presenciar nos recônditos do teatro a relação sexual entre o diretor e Lilly. Cresce o ódio na competição pelo cisne negro.
As vésperas da estréia o diretor nomeia Lilly como bailarina substituta para qualquer imprevisto.
Lilly arma uma ida a uma balada com drogas sexo e música eletrônica que faz Nina ficar na maior ressaca. É a ocasião para a substituta da substituta substituir.
Nina porém encontra forças para vencendo todos os empecilhos, aceitar o desafio e assumir a titularidade.
Num contexto paranóide se depara com a rival em seu camarim se aprontando para substituí-la. O ódio não se contém e na luta que se segue quebram o espelho de suas
imagens e é com um pedaço pontudo do estilhaço que elas se ferem.
É com essa raiva que Nina entra em cena para fazer o cisne negro. As penas explodem por seu corpo avolumam-se as asas, crescem abrem e fecham em gestos e movimentos majestosos, o êxtase toma conta do ambiente palco e platéia num só frenesi.
Entre todas as congratulações e cumprimentos que recebe lá está Lilly trajada como um dos cisnes branco que reconhece sua magnífica performance e a parabeniza.
Nessa montagem resta ainda um ato, ou seja, o da morte do cisne branco. Ela acontece com o fim do processo de metamorfose da menina em mulher, cisne branco dando passagem ao cisne negro. Morre o cisne para libertar a mulher formada de dedicação conhecimento e técnica juntamente com sentimento e paixão. Beleza de filme.
A coisa foi tanta que a atriz de Nina, Natalie Portman ganhou um Oscar e ficou grávida.


A atriz Natalie Portman aparece na entrega do Oscar grávida imagem disponível em http://bloglog.globo.com/pedroneschling/