sábado, 23 de abril de 2011

A ESCOLA DOS PROVÉRBIOS

Por Tanoe-Aka, Jules Semitiani, Yousouf Fofana, Goze Tapa e Paul N´Da



Tradução Marco Aurélio Luz






Imagem disponível em http://www.oartesanato.com/83/divertido-mobile-com-conchas-do-mar



Os autores Tanoe-Aká, Jules Semitiani, Yousouf Fofana, Goze Tapa e Paul N´Da são professores de Psicopedagogia na Escola Normal Superior de Abidiján na Costa do Marfim.
Este artigo, se refere ao essencial de um estudo realizado para a UNESCO sobre o tema “Civilização Negra e Educação” apresentado durante o IIº Festival Mundial de Artes Negro Africana em de Lagos na Nigéria. Nesta versão,o blog da ACRA entrelaça ao texto a escrita ANDIKRA,uma sabedoria acumulada envolta em sacralidade,poder,história e estética originária do povo AKAN localizado na atual Costa do Marfim.
A escrita ANDIKRA é patrimônio cultural dos Ashanti povo de Gana.Hoje, essas imagens ou ideogramas de domínio público promovem a circulação de um aspecto importante da sabedoria tradicional negro africana. O artigo foi traduzido pelo nosso colaborador Marco Aurélio Luz, e pode ser encontrado no Correio da UNESCO (publicação mensal)maio de 1977,ano XXX,ps 22 a 25.Sobre os símbolos ANDIKRA, estão disponíveis em
http://negromostraatuaface-atividades.blogspot.com/



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Estudar a educação tradicional baseada nos provérbios - através dos quais se expressam a ordem estabelecida e a autoridade dos ancestrais, garantia de verdade do que se afirma,nos leva a analisar a relação que existe entre os princípios característicos dessa educação com a chamada educação moderna.
Com efeito, ambas coincidem no tocante a certas normas tradicionais. Graças a essa coincidência as crianças não deveriam experimentar nenhum conflito ao sair de seu meio para ir à escola e ao voltar da escola para a aldeia.
Todavia, no que diz respeito a outros princípios, surgem divergências fundamentais entre a ação educativa tradicional e a educação moderna, cuja análise nos vai permitir compreender as contradições e os problemas que se colocam em comparação de um sistema educativo com o outro.



Imagem disponível em http://sandrarandrade7.blogspot.com/2010/07/cncao-dos-homens.html

Para ilustrar em parte esses princípios tradicionais vamos tomar como exemplo alguns provérbios provindos do grupo étnico dos n´zemas (etnia do sul da Costa do Marfim: Grande Lahú, Abdiján, Grande Basam), que em sua maior parte apresentam uma estreita analogia com os provérbios dos ashantis (Ghana) e, especialmente com os agnis e os baulés (Costa do Marfim).
De sua análise se depreende claramente que os grandes princípios da ação educativa concernem por uma parte aos adultos e aos pais encarregados da educação de seus filhos e a outra parte às próprias crianças.
Apresentamos então alguns desses princípios.
Os pais devem ter consciência de que as crianças se formam a sua imagem e semelhança e recordar conseqüentemente, que
“o pássaro não dá luz a um rato” e que “por onde passa a agulha passa o fio”.








Confiança em Deus


Tão pouco devem renunciar de sua responsabilidade, de jeito nenhum quando se trata de crianças “difíceis” já que como diz o provérbio "se você raspa o joelho não pode dizer que não se trata de seu corpo”.
Afortunadamente, nem todas as crianças são travessas e malcriadas; também há aqueles que são uma benção dos céus e é sabido que “
para uma boa comida não fazem falta a cebola nem o tomate”.
Certamente, a criança não é um adulto tão pronto nem tão capaz para compreender e refletir como às vezes aparenta. Com efeito, “a criança sabe correr, mas não sabe se esconder” e volta e meia cai em sua própria armadilha: “
Se a criança não quer que sua mãe durma, tão pouco ela dorme”.





PAZ



Não se pode esquecer que a criança cresce com transformações: “Enquanto a comida não está cozida, não se tira do fogo para comer” e “só quando o cacho está maduro é que se separam os cocos”, dizem os provérbios. Em todo caso cabe recordar que “o céu não conserva indefinidamente o coco seco”: chegará o dia em que seco e maduro, cairá por si só no solo.
Educar é também individualizar a educação.



Com efeito, “não se amarram a todos os animais pelo pescoço” e nem todas as crianças têm a mesma maneira de ser ou de reagir. A esse respeito, “o escaravelho afirma que tem muitas maneiras de carregar um peso”: Há quem os leva sobre a cabeça, outros nos ombros; por sua vez o escaravelho os faz rolar caminhando com recuos.
Tem que se confiar na criança, particularmente se é decidida recordando que “se uma criança quer pendurar sua armadilha numa rocha, sabe onde tem de cravar o gancho”, e sem perder jamais a esperança depositada nele, porque "
se uma penca cai da palmeira e a criança recolhe os cocos, recolherá as folhas secas”.
O respeito que os pais sintam por seu filho lhe assegurará o respeito dos outros:
“se trata seu cachorro aos pontapés, outros lhe darão de pau”.






Verdade



Entretanto a disciplina se impõe, pois “não se cria um galo para deixar que pouse em sua cabeça quando quer cantar”, ainda é preciso adaptar os meios aos fins “pra comer um ovo uma faca não faz falta, "quando o caminho é comprido não há porque deixar-se dormir nele”, e ainda mais, “se cavas o buraco do grilo com uma marreta, o que fazes é obstruí-lo”.
Permitir que a criança adquirisse suas próprias experiências é lhe proporcionar o melhor meio para que se eduque a si mesmo e aprenda o que deve saber. Nada pode comparar-se a experiência vivida: “o doce se aprecia com a boca”. Inclusive deveria aventurar-se em deixar a criança experimentar por sua conta e risco.


O caminho não diz nada a ninguém”, ou seja, que não dá conta aos que passam por ele do que sofreram os que o precederam, e deixa a cada um tenha a aprendizagem de sua vida. A mesma idéia se e encontra em outro provérbio: “quando o azeite derrama é quando se aprende aonde devia guardá-lo”.





Entendimento




Há que se cooperar com a criança em certas experiências que queira empreender a todo custo e, em geral garantir a todos o direito a experiência pessoal. A esse respeito o provérbio é explícito: “se a criança chora para pedir a flecha que lhe tiraram das mãos por temor de se ferir, há que estimulá-la ainda mais e lhe devolver".
Em todo caso, ajudar a criança não supõe tratar de substituí-la “
se limpou a porção de inhame assado que corresponde à criança, que ela coma ou não é assunto dela. De qualquer maneira ninguém poderá comê-la em seu lugar.”




Prudência



A criança deve respeitar as instituições da comunidade e a ordem estabelecida da tradição comunal. Permanecer junto a sua família e dentro da comunidade lhe será benéfico: “o franguinho que segue sua mãe é o que come a pata do inseto”. Por outro, o distanciamento da família e da vida social é perigoso.


Existem provérbios que advertem: “aquele que perde seu pai fica sem proteção”; “a criança que não tem a sorte de viver com sua mãe termina sua vida na pele de um macaco preto” (quer dizer abandonado e sem sepultura);” “se não escutas os conselhos de seu pai e sua mãe os troncos do caminho lhe darão” (em outras palavras, as peripécias da vida ensinam a viver).


Outro provérbio se refere à criança que aceitou a comunidade e suas normas e o que os adultos aceitam dar em reciprocidade: “a criança que sabe lavar as mãos come com os maiores.”
Importante ter sempre presente que a comunidade assim como a mãe, só pode querer o bem de seus membros, inclusive quando exerce a coerção sobre eles. Um exemplo: “a pata da galinha não esmaga seus pintos”.



Democracia e União




É preciso respeitar as instituições, as normas da comunidade a ordem das coisas, a hierarquia comunal. Vários provérbios ensinam: “a galinha percebe a aurora, mas é o galo quem canta”embora a cabeça esteja sobre o pescoço, o joelho não usa o chapéu”; “embora o frango engorde ele não deixa de ser uma ave”;” embora a criança sopre com força, poderá tocar o trompete, mas não ventará a palha do mosteiro”.



É preciso aprender a ordem natural das coisas. Assim,"a criança não rompe o casco da tartaruga, mas quebra a concha do caracol” (uma vez que não pode fazer o primeiro, ninguém lhe pedirá que o faça).
Os membros da comunidade devem ser solidários entre si e prestar ajuda mútua, já que “a mão direita lava a esquerda e a mão esquerda lava a direita” e” é a orelha que recebe a boa nova do remédio que cura mas é a mão que o alcança”.



A solidariedade e a ajuda mútua devem existir não somente entre as crianças, mas também entre pais e filhos e entre jovens e antigos. O provérbio diz que “se a mão do velho não passa pelo gargalo estreito da vasilha, a mão da criança não alcança a parte superior do secador de alimentos”.



Humanidade forte




Mas não é preciso seguir tontamente aos demais. É preciso estar pronto e alerta para saber afastar-se oportunamente; “se a carne crua é tabu para ti, não faça amizade com a pantera”.
O homem é responsável por seus atos e não pode se eximir de sua responsabilidade com a desculpa de que é vítima de um determinismo absoluto fixado pela herança ou pelo dia do nascimento. “Asuan pretende que não tem êxito porque nasceu de noite”. O êxito depende de trabalho e do trabalho pessoal, como afirma o provérbio que diz “o sal mendigado não é suficiente para salgar bem a comida”. Ademais, graças ao trabalho pessoal se evita a dependência que ata e obriga. O homem que depende de outro se assemelha a um cego e “o cego não pode irritar-se em plena selva”.
Para perseverar sem temer demasiado os riscos e os contratempos o provérbio aconselha: “embora quem te persegue não diga que está cansado, você não dirá que está”.
È preciso refletir, conhecer as próprias possibilidades e limitações e conseqüentemente agir: “Quando os animais se agrupam para partir a tartaruga já se adiantou”.
Como se vê esses princípios educativos estão enraizados na vida e na organização social as quais parecem inclusive desempenhar um papel na teoria do conhecimento. Mas qual é o objetivo do conhecimento?
Seu objetivo último são os seres humanos em suas relações com seus semelhantes, em suas relações com a natureza e com tudo o que se refere ao humano, que é o valor supremo; “o ser humano – diz o provérbio – vale mais que o ouro”.
A
fonte do conhecimento é a experiência, ela é que lhe dá validade. Se a criança jamais iguala o adulto quanto ao saber é precisamente porque lhe falta experiência (“sabe correr, mas não sabe esconder-se”). Se é pretencioso pelo que sabe, tem que botar-lhe em seu lugar “quando nasceu não viu como vestiram sua mãe para conduzi-la a casa de seu marido”.
É na vida real onde se deve buscar a concordância entre o emprego dos provérbios e os princípios educativos. A educação se transmite em cada situação concreta; e não inclui cursos de moral ou de civismo. As ações e os comportamentos errados se corrigem à medida que se manifestam. Em meio a seus companheiros de jogos ou em contato com os adultos, a criança deve demonstrar que compreendeu o que lhe ensina a vida e que está realmente impregnado dos ideais da coletividade.
Ao nível de alguns princípios pode-se então dizer que a chamada educação moderna não faz mais que redescobrir, com alarde e banda de bumbos e pratos, o que as sociedades tradicionais vêem realizando discretamente




União das relações




Por exemplo, quando a escola propõe à criança das sociedades tradicionais que atue por iniciativa própria, não está pedindo nada que se faça em contradição com o que seus pais exigiram dele. E quando a escola lhe ensina que a cooperação é uma virtude que deve cultivar, o preceito não está em conflito com as normas que a educação tradicional já estabeleceu e inculcou na criança.
Naturalmente que a ação educativa escolar é sistemática enquanto a da sociedade tradicional é freqüentemente bem mais difusa. Teoricamente, então aquele que foi a escola deve distinguir-se do que não esteve nela por um conhecimento mais coerente mais preciso e sistematizado.
Todavia quando no âmbito da sociedade tradicional descobrem que seus filhos – a quem inculcaram sempre o respeito devido aos antigos, a aceitação da ordem natural das coisas e as crenças unanimemente compartilhadas – assimilaram na escola modelos de comportamento que os induzem a por em foco juízo de valores sobre aqueles estabelecidos, não podem deixar de se sentirem decepcionados de sua conduta e avaliar que a escola os corrompeu.
Sucede por outro lado que as crianças, ao verem seus pais seguirem fiéis ao seu sistema de valores, os consideram retrógados e se mostram reativos em seguir seus exemplos.
O conflito que se estabelece frente à maior parte das crianças e jovens escolarizados se deve essencialmente a uma contradição entre o respeito às instituições e à ordem que exige a estabilidade social comunitária e o espírito crítico e a conseqüente revisão de valores indispensáveis em uma sociedade que está em mutação constante.

Um comentário:

  1. Mais que feliz fico ao ler esta maravilha sustentada pela sabedoria popular, que "canta a sua aldeia" e que nos mostra o quanto somos mais do que qualquer educação "Moderna" diz que não somos!
    Me remeteu a minha adolescência, quando ouvia o meu saudoso mestre Antonio Vieira (cordelista baiano) dizer: "Pedra que não rola cria limo" e "Pé que não anda não leva topada".
    Graças a todos os Orixás, hoje rolo nesse mundão e ando pelos meus caminhos para sim, levar muitas topadas. É assim que cresço!

    Parabéns ao ACRA pela belissima contribuição para o pensar sobre os diversos estar no mundo, juntos!

    Inté + v!

    Sérgio Bahialista

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