sábado, 16 de julho de 2011

COMPONDO LINGUAGENS E VALORES PARA A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DOS CONTOS INDÍGENAS E AFRICANO-BRASILEIROS-PARTE I

Por Daniela Santana Cidreira Dos Santos


Professora Daniela Cidreira no âmbito do Iº Festival Afrobrasileiro de Arte e Educação da ACRA dezembro/2009

O interesse pela temática indígena e africano-brasileira em educação surgiu de forma bastante tímida no contato com disciplinas como: Formação da Sociedade Brasileira, Antropologia, Etnologia do Brasil e Identidade, Relações Interétnicas e Indigenismo vivenciadas no curso de Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia- UFBA, no período entre 2000 e 2006.
Posteriormente, na ocasião do curso de Pedagogia na Universidade do Estado da Bahia- UNEB o desejo tímido e adormecido foi despertado, sobretudo no contato com a disciplina Processo Civilizatório e Pluralidade Cultural e com a referência inicial de grandes personalidades que já desenvolvem trabalhos nessa perspectiva da diversidade e pluralidade cultural, através da saber professora Narcimária Luz e a colega de curso e Pedagoga Rosângela Accioly.
O primeiro contato prático e mais específico com a temática da diversidade e pluralidade cultural se deu com a minha participação enquanto monitora na Mostra Africano-brasileira de Perspectivas Didáticas, realizada em 2008 no departamento de Educação do Campus I da Universidade Estadual da Bahia- UNEB.


Hall do Departamento de Educação do Campus I da UNEB na  Mostra Africano-brasileira de Perspectivas Didáticas 

A Mostra no âmbito da disciplina Processo Civilizatório e Pluralidade Cultural mobilizou graduandos/as de Pedagogia sob a orientação da Professora Doutora Narcimária Luz.
A disciplina Processo Civilizatório e Pluralidade Cultural se caracteriza como um processo longo de questionamentos teórico-empíricos, que se voltam para a formulação de perspectivas educacionais que enfatizem os valores e linguagens dos processos civilizatórios africano e ameríndio nas Américas de modo especial Brasil-Bahia.
A Mostra Africano-brasileira de Perspectivas Didáticas envolveu exposições artísticas dos alunos da disciplina e teve por objetivo principal mostrar as inúmeras e ricas possibilidades de se explorar o repertório lúdico-estético da cultura africano-brasileira e indígena, enquanto recurso didático para salas de aula de Educação Infantil e Ensino Fundamental. O tema da presente monografia começa a assumir forma a partir dessas experiências e surge, de forma mais substancial, no âmbito das realizações das atividades desenvolvidas como pesquisadora no Programa de Descolonização e Educação- PRODESE, que se propõe a constituir em Educação conhecimentos que contemplem as alteridades civilizatórias aborígine,africana e sua coexistência com os valores da civilização européia que tende a ter supremacia nas políticas de Educação.Assim,através das vivências no projeto de extensão Dayó: compartilhando a alegria socioexistencial em comunalidades africano-brasileiras uma das vertentes do PRODESE, pude participar de atividades de extensão na Associação Crianças Raízes do Abaeté – ACRA.



Um dos stands da equipe responsável por músicas afrobrasileiras


Equipe PRODESE/DAYÓ no âmbito de uma oficina de contos afrobrasileiros no departamento de Educação do campus I na UNEB.
Da direita para esquerda as professoras Sara Soares,Daniela Cidreira e Rosângela Accioly.


Como pesquisadora do PRODESE- Programa Descolonização e Educação
da Universidade do Estado da Bahia-UNEB que integra o Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico- CNPq sob a coordenação da Profª. Drª. Narcimária Correia do Patrocínio Luz, participei do evento CONFELE-IV CONFERENCE INTERNATIONAL ON EDUCATION, LABOR AND EMANCIPATION que se realizou entre os dias 16 a 19 de junho de 2009 no Hotel Tropical, Salvador- Bahia, apresentando o painel Dayó: compartilhando a alegria socioexistencial em comunalidades africano-brasileiras. O objetivo da CONFELE é divulgar as iniciativas na área de Educação que valorizam e afirmam a diversidade cultural como canal importante para a “equidade, potencialização das ações sociais”.
Ainda enquanto monitora de extensão e pesquisadora do PRODESE participei da II Semana de monitoria de ensino e de extensão- UNEB, realizada nos dias 1 e 2 de outubro de 2009 no Hotel Vilamar, Salvador-Ba. Compondo a mesa na apresentação das perspectivas e vivências a partir do projeto Dayó: compartilhando a alegria socioexistencial em comunalidades africano-brasileiras e seu desenvolvimento na ACRA- Associação Crianças Raízes do Abaeté.
No âmbito da monitoria de extensão foi criado o blog da Acra (http://blogdoacra.blogspot.com), com o objetivo de divulgar as atividades realizadas na ACRA, afirmar a diversidade cultural que caracteriza a territorialidade de Itapuã e os conhecimentos que dela se desdobram, estabelecendo vínculos de sociabilidade importantes para promover o direito à alteridade das nossas crianças, jovens e suas famílias, além de possibilitar a socialização e troca de experiências. No blog são publicadas as atividades realizadas na ACRA, fotos, entrevistas, premiações, indicações de bibliografias, matérias e sites que compartilham da mesma proposta teórico-metodológica.
Constituída de uma rica e interessante estrutura no que se refere aos conteúdos abordados e ao seu grau de repercussão, o blog da ACRA alcança o segundo lugar no concurso da destacada Revista África e Africanidades/Edição 2009, Blog Nota 10 – África e Africanidades, que selecionou os melhores blogs tendo como critérios: conteúdo, criatividade, apresentação, quantidade de postagens e de comentários.
A Revista África e Africanidades é um periódico online com publicação trimestral desde maio de 2008, com acesso totalmente gratuito. Surge da iniciativa de um grupo de professores, pesquisadores, estudantes, técnicos e especialistas, de modo que não é vinculada a uma instituição de ensino, pesquisa ou empresa da iniciativa privada. Dessa forma vem preenchendo destacado espaço na vida cultural e acadêmica brasileira, pois é um dos poucos periódicos nacionais inteiramente dedicados a temas africanos, africano-brasileiros e africano-latinos que agrega conteúdos acadêmicos, de informação, entretenimento e subsídios para a prática pedagógica e pesquisas escolares da educação básica.
 Participei como coordenadora do I Festival de Arte Educação Africano-brasileira da ACRA, realizado no dia 11 de dezembro de 2009, na quadra da instituição que fica localizada no Parque Metropolitano do Abaeté, em Itapuã. O Festival envolveu as diversas linguagens africano-brasileiras que são exploradas enquanto recursos didático-pedagógicos na instituição. Linguagens essas que expressam o modo de viver, de ser e de estar no mundo que emanam das comunalidades de Itapuã.
O evento teve como principal objetivo destacar as linguagens que se desdobram das formas de comunicação das comunalidades presentes nessa territorialidade, repercutindo esse repertório lúdico-estético das culturas de raiz como recurso didático para salas de aula.


Crianças da ACRA no I Festival Afrobrasileiro  de Arte Educação da ACRA

O Festival trouxe a apresentação do auto-coreográfico a partir do poema “Itapuã, a canção do infinito”, de autoria de Narcimária Luz, que envolveu dança e dramatização ao som da orquestra de ritmos e sons da ACRA, exposição de artes plásticas, esculturas, arte do grafite, criações e recriações gráficas das crianças nas vivências a partir dos contos  de origem aborígine e africana.

“Itapuã, a canção do infinito”, de autoria de Narcimária Luz sob a direção cênica de daniela Cidreira ,Rosângela Accioly e Sdney Argolo

Além de mostra culinária, apresentações de capoeira e maculelê, contando com participações valiosas de artistas e autores como Januária do Patrocínio,  Marco Aurélio Luz e outras importantes personalidades de Itapuã.
Todas essas experiências somadas despertaram o forte interesse sobre a pesquisa de questões e conhecimentos tão cruciais e indispensáveis à construção da nossa identidade nacional e pessoal, reconhecendo e resgatando aspectos tão importantes que nos remetem à nossa ancestralidade indígena e africana e aos patrimônios culturais que são heranças dessas civilizações.
Sobre a importância desse resgate cultural e ancestral para a compreensão da diversidade cultural brasileira, afirma Luz:


"Para compreendermos o Brasil e a riqueza dos distintos patrimônios culturais que o caracterizam, é necessário enfocar o papel das distintas presenças civilizatórias como fontes de identidade das matrizes, sociabilidade, modos e estratégias de ocupação de espaços e territórios, afirmação existencial e emergência de condutas face a um outro diverso"

 E no que se  refere de forma mais específica à tradição cultural africana no âmbito do estado baiano e à sua pujança, Narcimária complementa que:
"(...) a Bahia abriga uma rica tradição cultural africana, uma das mais expressivas do mundo, e portanto, tem potencialidade para contribuir na estrutura de políticas, concepções e linguagens educacionais, a partir dos valores existenciais da sua população. Salvador, principalmente, é uma cidade que está a exigir, há muito tempo, uma educação democrática que se abra para a pluralidade, reforçando a identidade própria e os valores culturais que pulsam no seu cotidiano".

Por acreditar na coexistência entre distintas alteridades civilizatórias como via para a construção de uma educação mais igualitária e consistente, enquanto pretensão mais ampla buscamos por meio deste trabalho possibilitar a percepção de perspectivas pluriculturais didático-pedagógicas na educação, propostas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 10.639/03 e 11.465/08 de 27 de março de 2008, que inclui no currículo oficial das escolas brasileiras o estudo da História da África, Cultura Africana e Cultura dos Povos Indígenas.
Conforme disposto no art. 26, da Lei n. 11.465/08:
Art.26 Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da áfrica e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.
A importância da introdução da História da África no currículo nacional reside no fato principal da relevante presença das raízes africanas na formação da nossa nação e da valorização da ascendência de mais da metade do povo brasileiro. A narrativa histórica sobre a África pré-colonial vai resultar na informação sobre um povo que teve sua história negada, permitindo a jovens e crianças desenvolverem uma capacidade crítica e reflexiva quanto à sua própria condição de descendente de africano.
As Leis 10.639/03 e  a 11.465/08 são resultado de uma luta histórica dos  movimentos sociais   que combatem o recalque à alteridade própria de seus povos, bem como outros segmentos da sociedade que combatem a discriminação em vários âmbitos, reconhecem que tais práticas são frutos, muitas vezes, do desconhecimento. Por isso é imprescindível tornar possível por meio de ações e políticas educacionais, o conhecimento da história e da compreensão de sua cultura.
Ao se propor uma mudança curricular dessa dimensão, a meta, que envolve a história e a valorização de um povo, é justamente integrar este povo que vive à margem das políticas educacionais e dos currículos práticos ou vive das marcas de um passado ainda não revelado e valorizado para os seus descendentes. Por isso, essas proposições jurídicas se impõem como um grande desafio para o educador contemporâneo, que assume a responsabilidade também de transformar a realidade da pedagogia racista e do recalque, pensando em estratégias mais profícuas que integrem essas histórias e perspectivas de mundo nos currículos escolares.

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Daniela Cidreira é formada em Ciências Sociais pela UFBA e Pedagogia pela UNEB.Integra a equipe de pesquisa do PRODESE/DAYÓ.

O artigo continuará  acompanhem a IIª parte.

2 comentários:

  1. Salve Daniela e Toda ACRA!

    Parabéns pelo seu trabalho e por ceder aos encantos desta comunalidade a qual a ACRA vem coreografando de forma belissima!
    Isso tudo nos fortalece neste mundo centrado na normatização, que ceifa nossas aspirações!

    Asé!

    Sérgio Bahialista

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  2. Dany parabéns, você é uma educadora e pesquisadora sensível e com sabedoria trilhou este rico caminho que agora colhe belos frutos em nossa árvore ancestral. Rosângela Accioly

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