sábado, 13 de agosto de 2011

A ARTE DE MESTRE DIDI

Por Marco Aurélio Luz



Eye Lawa

Pássaro Ancestral, a grande Mãe. Na tradição Nagô, as nossas venerandas mães ancestrais, detentoras dos princípios do mistério e poder feminino estão relacionadas aos grandes pássaros, aos peixes, às sereias, metade mulher metade pássaro.

Mestre Didi, Alapini, sacerdote supremo do culto aos ancestrais Egungun, através de sua atuação como artista obtém no ano de 2002 um merecido reconhecimento, convidado pela 23ª Bienal de S. Paulo, realizou uma amostra de 33 peças em sala especial ao lado de outras salas especiais do circuito das artes plásticas internacionais como Picasso, Goya, Andy Wahrol, Paul Klee, Edward Munch,Tomie Ohtake e Louise de Bourgeois.
Nada mais significativo neste momento que homenagear um escultor de fama internacional, que ocupa no mundo das artes plásticas um lugar de originalidade impar.
Nascido de importante família originaria de Ketú, os Axipá, que no Brasil se destacaram como fundadores e continuadores das tradições sagradas nagô, Mestre Didi é hoje um dos mais antigos e respeitados sacerdotes, possuindo dentre seus diversos títulos o de Assogba, supremo sacerdote do culto ao orixá Obaluaiyê e Alapini, supremo sacerdote do culto aos Egungun, ancestrais masculinos.

Imerso num mundo tradicional negro—africano transplantado para o Brasil, e tendo tido oportunidade de estar várias vezes na África, onde vivenciou experiências históricas, como o reencontro com a família Axipá, o recebimento de significativo título dado a ele pelo Alaaketú, rei de Ketú, além de ter realizado em Oyó a confirmação do seu título de Balé Xangô, Mestre Didi se situa visceralmente no âmbito da episteme estética da arte tradicional africana.
Essa arte é admirada em todo o mundo, a partir mesmo das referências à esplendorosa civilização do Egito antigo, marco da humanidade, e preenche os museus da Europa e EUA, influenciando sobremaneira a arte de diversos povos nos tempos modernos e contemporâneos.
A arte dos povos nagô ou iorubá, e de seus vizinhos e por assim dizer parentes, como os edo do reino de Benin; constituem-se em amostra de excelência da estética tradicional africana espalhada pelo mundo.
Essa estética se constitui principalmente de duas dimensões. Uma está ligada as homenagens rituais aos reis, chefes e heróis, na formação do culto aos ancestrais, principalmente a arte que é elaborada para os palácios.
 A outra, visa a magnificar o sagrado no que se refere ao culto às forças da natureza, os orixás e, esta presente na arte elaborada para os templos e liturgias.
Tanto uma quanto outra se constituem como arte de representação de símbolos, visa a expressar conceitos que fazem parte de uma complexa visão de mundo.
Neste sentido, a arte escultórica e pictórica tradicional emerge dos altares, dos paramentos rituais, e também de elementos que compõem a arquitetura dos palácios e templos.
Um terreiro tradicional no Brasil congrega e condensa aspectos essenciais dos reinos e impérios; seus orixás e seus ancestrais.
Na condição de Assogba, Mestre Didi começou a fazer os emblemas sagrados dos orixá do panteão da Terra.

Ibiri

 Nasce e retorna. A simbologia do cetro de Nana refere-se ao princípio de restituição, relacionado ao orixá Iku, Morte. Uma cantiga se refere: “Nana Iku re”. A mitologia também refere-se à restituição da matéria de que são feitos os seres que precisa ser restituída para que outros venham. Como diz o ditado, “vai-se para dar vez a outros.” Feixe de nervuras de palmeira, representação dos ancestrais enfeixado numa forma ventral  aludem ao contínuo ciclo de restituições.
O ibiri emblema de Nanã e o xaxará emblema de Obaluaiyê, são feitos de matérias, possuem formas e cores que exprimem determinados conceitos referentes a aspectos da visão de mundo que esses orixás representam.
As taliscas ou nervuras das folhas de palmeira enfeixadas em forma ventral são representações coletivas dos espíritos ancestrais. As superfícies em couro coloridas, caracterizam com sua cor, a qualidade de axé, princípio e força controlada pelo orixá. Búzios enfileirados representam ancestralidade, continuidade de linhagens, ciclo vital. As contas representam partículas desprendidas da qualidade de força do orixá, exprimem a dinâmica entre o aiyê, este mundo, e o orun, o além.
A forma de vassoura, demonstra que com o xaxará Obaluaiyê controla as doenças, ora afastando, limpando, recolhendo.
Rei dos espíritos do mundo, Oba—olu—aiyê, é sentinela e guardião dos valores da tradição. A lança, exin, é outro de seus emblemas.
O ibiri feito de taliscas de palmeira enfeixados em forma ventral, caracteriza o princípio feminino regido pelo orixá Nanã. Ventre, terra restituída de matéria ancestral, constitui o ciclo vital.


Xaxará
 O cetro de Obaluaye filho de Nana. Oba-olu-aiye, rei dos espíritos do mundo, ele comanda os ancestrais. Com o xaxara, na forma de uma vassoura ele varre as doenças. Feixe de nervuras de palmeira representam os ancestrais. Couro colorido na cor do orixá contas e búzios representação de ancestres adornam o emblema no mundo sagrado.
Princípio de multiplicidade, variedade da vida, dos destinos, dinâmica do ciclo vital, arco-íris que emerge e retorna à terra, Oxumaré é outro orixá panteão da terra, irmão de Obaluaiyê e filho de Nanã. Ele é representado pelos emblemas de duas cobras.


Ejo meji


 Duas cobras representam os princípios do orixá Oxumare outro filho de Nana. Referem-se ao arco–íris multiplicidade de cores, diversidade do existir emergindo cumprindo o ciclo e retornando, mistério do existir, vida e morte uma coisa só, “okan naa ni”. Na escultura da foto as cobras, com formas que aludem ao Ibiri, se relacionam com o Opa Ossãiyn, orixá princípio da vegetação. “Kosi ewe kosi orixá”, sem folhas não há orixá, não há existência, não há vida. Sete ramos com um passarinho no cimo é o emblema do orixá Ossãiyn.

As recriações de Mestre Didi, constituídas com os elementos desta arte sacra, demonstram a complexidade dos valores e significado da constelação dos orixás do panteão da terra.
A geometria vazada das suas esculturas atualiza e representa a dinâmica do vazio e do pleno, do visível e do invisível, integrando em sua expressão a dialética entre o orun,o além e o aiyê, o mundo concreto individualizado.
Na galeria Prova do Artista, o ibiri, o xaxará e ejo meji, duas cobras, abriu espacialmente uma amostra.
As demais esculturas expressam relações e conceitos estéticos do panteão dos orixás da terra como Opa Ossaign ati ejo meji, cetro de Ossãiyn e duas cobras, igi iwin, o espírito da árvore, ejo l’orun e Dan, as cobras místicas, opa exin meta, cetro com três lanças, dentre outras.


 Opô Baba N`lawa
Cetro do Grande Ancestral, localizado no bairro do Rio Vermelho em Salvador em frente ao mar que se estende até a África o monumento celebra a ancestralidade de origem africana no Brasil. O cetro em bronze e em grandes dimensões se inspira na peça Opa Exin ati Eiye Meji, cetro de lança com dois pássaros esse feito de nervuras de palmeira enfeixadas representando a coletividade dos ancestrais. Antes  uma réplica monumental do Opa Exin...,já havia sido implantada no Pelourinho, motivação de Oscar Ramos  de saudosa memória. A simbologia alude que o princípio e poder genitor masculino representado pelo símbolo da lança só se realiza com os poderes dos princípios genitores femininos representados pelos dois pássaros, a esquerda e a direita.

Destilando a seiva nobre da tradição, recriando esculturas para o espaço das galerias, Mestre Didi expande sua cultura, com toda autenticidade e genialidade que o faz um artista contemporâneo que sem dúvida enriquece com sua originalidade o acervo estético do mundo das artes e enche de orgulho a identidade africano—baiana.

2 comentários:

  1. Bastante esclarecedor! Será bastante valiosa para meu trabalho acadêmico, Parabéns!

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  2. voces são demais. preciso de sete flechas de ibiri, tem como?

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