Por Magnaldo Oliveira dos Santos
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NÃO É ESCRITO, É FALADO! O ENSINAMENTO BOCA A OUVIDO PRODUZ CULTURA E CONSTRÓI IDENTIDADES
Tudo começa e se desenrola por meio e através da linguagem, uma vez que o ser humano é um ser verbal que se expressa e concebe o mundo através da palavra. Toda sua compreensão de mundo e sua relação com ele se realizam pela palavra. Então, a palavra proferida, falada, tem um poder de ação, movimento, construção ou destruição. A transmissão simbólica, a mensagem, se realiza conjuntamente com gestos, com movimentos corporais. A palavra é vivida, pronunciada e está carregada de ondulações, de emoção, sentimento e força, de história pessoal e/ou coletiva, do poder e da experiência de quem a profere ou do grupo a profere. A palavra transporta o alento-veículo existencial e atinge os referentes e planos mais profundos da personalidade.
Foi, preponderantemente, através da transmissão oral que várias sociedades negro-africanas nos possibilitaram o conhecimento, sobre si mesmas, suas religiosidades e seus legados civilizatórios, ou seja, sua identidade/alteridade, bem como a manutenção desses valores aqui no Brasil, através, das narrativas de itan, òwe, adúrà, oríkì, orin, ìrémòjé, ìjálá, etc., bem como outras narrativas, das variadas línguas, culturas e religiosidades, dos diferentes povos africanos, também, para cá trazidos.
Pamò Ìránti Dáàgbára! (Preservar a Memória Dá Poder!)
Memória, para nós aqui, é também o acervo individual e/ou coletivo ou o conjunto dos registros pessoais e/ou grupais que selecionamos para armazenar/preservar e que constitui ou passa a constituir o patrimônio, histórico, linguístico, artístico e cultural de um determinado grupo. Esses acervos individuais ou coletivos não se compõem aleatoriamente e estão disponíveis por meio de criteriosos processos de lembranças.
A memória social é um conjunto de registros e processos eleitos coletivamente como significativos por uma dada sociedade. Ela define, em grande parte, a teia cultural na qual os indivíduos estão inseridos e compõem sua visão de mundo. Nesse sentido, a memória social estrutura, substancialmente, os valores simbólicos de uma sociedade [...] (WORCMAN, 2007, p. 8).
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Para nós africano-brasileiros, nossos ancestrais são memórias, referências de cultura, educação, princípios e aprendizagens que nos orientam coletivamente, através dos tempos. Nossas comunidades-terreiro não são espaços estáticos, que se prestam a ser observatórios, elementos de especulações e de teorias científicas, guardando um passado inerte e congelado no tempo, a exemplos dos museus e suas peças compositoras, muito pelo contrário, elas são territórios pulsantes de vidas, acervos e memórias vivas que se reelaboram diária e constantemente, entrosando passado, presente e futuro, assim como, o mundo sagrado e o mundo cotidiano, em diálogo constante. Tudo isso, se constitui como elementos fundamentais na formação e construção/reconstrução das identidades individuais e coletivas dos povos negros.
Awo ni o, Awo ni mi! A Comunidade e a Formação das Identidades Pessoais e Coletivas
Nas civilizações tradicionais africanos e em nossas comunidades-terreiro, o ser está plenamente ligado e integrado à coletividade, há o sentimento de pertença e de colaboração para o bem comum a todos. O sujeito, então, enquanto indivíduo é um ser único com um lugar e função no grupo, observado e respeitado por todos.
A sabedoria está na dialética da individualidade interagir e se expressar na coletividade. Loureiro (2004, p. 49) declara: “O conceito de identidade está originalmente relacionado ao fato de um indivíduo construir a sua própria história. [...] A identidade passa a ser articulada a interação, autonomia e processos sociais”.
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Por essa concepção que as comunidades-terreiro são territórios de produção de culturas negro-africanas que são elaboradas e reelaboradas no cotidiano das mesmas, através dos seus modos operandi e vivendi. Alguns como: o ético-estético que anunciam esses sujeitos da “porteira para dentro e da porteira para fora”; a gastronomia com suas variadas formas, consistências, cores, odores e sabores com suas sofisticadas elaborações de pratos votivos e de uso diário, não somente de uso dos membros das comunidades-terreiro, mas, que há muito já ganhou o domínio público; artes plásticas nas suas mais diversas modalidades e utilizações de variados materiais como o barro, a louça, a madeira, a pedra, as fibras etc., para representações antropomórficas, e de objetos comuns e sagrados, entre outras possibilidades e elaborações; as artes cênicas que, através das ricas coreografias que representam o sagrado e variadas instâncias do mesmo, bem como os seres míticos e ancestrais; a arte musical com suas sonoridades, cânticos, tons, ritmos e intensidades complexas e sofisticadas; os vestuários e suas diferentes representações de modelos, cores, tecidos, texturas, adereços, ferramentas e instrumentos sagrados e consagrados; visões de mundo; o respeito à ancianidade; a relação para com a natureza e seus elementos materiais e imateriais; comportamentos; linguagens e modo de ser e estar no mundo, entre outros desdobramentos, tudo isso, concomitantemente, constrói/reconstrói identidades, valores pessoais e coletivos, nas relações internas e externas ao grupo de pertença e da própria comunidade-terreiro.
REFEREÊNCIAS:
DURKHEIME, Émile. Sociologia e Filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 1970.
ESPÍRITO SANTO, Maria Bibiana do. “Da Porteira Para Dentro da Porteira Para”. Mãe Senhora Òsun Muiwa. Terceira Ìyálórìsà na ordem de Sucessão do Ilé Àse Òpó Àfònjá. Em São Gonçalo do Retiro- Salvador: 1942/1967.
GOMES, Mércio Pereira. Antropologia: ciência do homem: filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008.
LUZ, Narcimária Correira do Patrocínio. Awasojú: dinâmica Existencial das Diversas Contemporaneidades. Revista da FAEEBA, Salvador/Bahia, v. 8, n. 12, p. 45-80, 2000.
SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.
Magnaldo Santos é Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Pesquisador do Programa Descolonização e Educação – PRODESE; Especialista em História e Cultura africana e afro-brasileira pela Fundação Visconde de Cairu; Especialista em Consciência e Educação pela Fundação Ocidente - ISEO; Professor de Língua e Civilização yorùbá em cursos de extensão da UNEB (2001/2002), UFBA (1998/2002) e Fundação Gregório de Mattos (2002/2003); Consultor pela Secretaria Municipal de Educação de Salvador (SMEC) em Africanidades e Lei 10.639/03. Professor Convidado da Faculdade D. Pedro II na disciplina História e Cultura Africana no Curso de Pedagogia
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