domingo, 4 de dezembro de 2011

VALORIZAÇÃO DA CULTURA NEGRA NUMA PERSPECTIVA DE RESGATE DA IDENTIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTE NO ÂMBITO DA ASSOCIAÇÃO CRIANÇAS RAÍZES DO ABAETÉ-ACRA PARTE I

Sara Soares dos Reis

 
O interesse pela temática desse estudo foi motivado pelos recalques vivenciados na infância, na trajetória escolar e durante a Universidade do Estado da Bahia-Uneb. Uma lembrança que me marcou muito a fase da infância foi quando a prima de uma amiga me pediu segredo em relação a seu lugar de origem. Ela tinha muita vergonha de ter nascido em Moçambique, e não gostava de ser africana, apesar de não parecer fisicamente. Falou muito mal do continente e das pessoas que habitavam nele.
Essa situação causou-me muita angústia e tristeza, primeiro por se negra e ter ouvido agressões contra minha ancestralidade e segundo por já sofrer preconceito na escola, nas convivências com colegas que eram brancos e tinham o cabelo considerado “bom”, e ainda negros que possuíam padrões estéticos brancos que se sentiam privilegiados. A soma desses fatores causava-me um enorme sofrimento, juntamente com um enorme desejo de se tornar branca. Este recalque durou até o ultimo ano do ensino médio, fase do amadurecendo e de descoberta positivas dos meus antepassados.


Instrumentos confeccionados pelas crianças da ACRA sob a orientação do professor Sidney Argolo
Foto Daniela Cidreira

No ano de 2006 no segundo semestre entrei na Universidade do Estado da Bahia, e no primeiro dia de aula aconteceu um episódio muito marcante. Uma determinada professora de uma certa disciplina perguntou a todos que estavam presentes se eram cotista e em qual escola estudou. Mas na minha vez perguntou somente, qual escola pública frequentei. Por não ter estudado em escola pública dei-lhe a devida resposta. A mesma ficou um pouco sem graça, mas continuou perguntado ao restante dos colegas. O preconceito não acabou por ai, durante o curso também vivenciei vários fatos de racismo. Tendo a consciência de que no ambiente acadêmico muitas pessoas pensam que os negros só entram na Universidade pública através das cotas.
Decorrente dessas experiências marcada por um sistema perverso de discriminação surgiu à indagação de saber o motivo de tanta discriminação. Partindo deste pressuposto resolvi fazer a tese de conclusão de curso baseada na temática do racismo, como uma forma de contribuição para gerações que chegam ao meio acadêmico, para que conheçam a valorizem alteridade civilizatória africana e passe esses conhecimentos para adiante.
O primeiro contato com o projeto de extensão: Dayó: compartilhando a alegria sociexistencial em comunalidades africano-brasileira orientado pela Professora Pós Doutora Narcimária Correia do Patrocínio Luz deu- se no sexto semestres de 2009, cuja tinha feito uma seleção mais infelizmente não passei Posteriormente uma colega de sala Andrea Silva me despertara para nova seleção de monitoria onde finalmente conseguir fazer parte do projeto.


Roda de capoeira na ACRA
Foto Luís Negão

Neste mesmo período cursava a disciplina Processo Civilizatório e Pluralidade Cultural, foi quando o tema da presente monografia começou a tomar corpo. Essa disciplina se caracteriza como um processo longo de questionamentos teóricos empíricos, que fomentam perspectivas educacionais ressaltado os valores e linguagem dos processos civilizatórios africano e ameríndios na Américas de modo especial Brasil-Bahia. E foi ela quem respondeu as indagação referentes ao sistema perverso de opressão contra povo negro.
A experiência como pesquisadora no projeto extensão Dayo: compartilhando a alegria sociexistencial em comunalidades africano-brasileiras uma das vertentes da PRODESE -Programa Descolonização e Educação do Universidade do Estado da Bahia-UNEB, pude participar das atividades da ACRA- Associação Crianças Raízes do Abaeté. Essas vivências alicerçada aos conhecimento adquirido na Disciplina Processo Civilizatório e Pluralidade Cultural me levaram a fomentar o tema da presente monografia.
O PRODESE -Programa Descolonização e Educação tem como objetivo elaborar projetos pedagógicos concebidos através tradição africana e aborígine, ratificando, cada vez mais, a importância da valorização das distintas comunalidades no entorno das nossas instituições educacionais. E o Dayó: compartilhando a alegria sociexistencial em comunalidades africano-brasileiras, é um projeto de extensão da PRODESE que visa iniciativas socioeducacionais com implantações de infra-instrutura que legitimem os valores das comunalidades de base africano-brasileira, promovendo o desenvolvimento físico emocional da população infanto-juvenil dessas territorialidades.


Batizado de Capoeira na ACRA
Foto Luís Negão

O PRODESE/ DAYÓ tem uma parceria com a ACRA- Associação Crianças Raízes do Abaeté através do projeto Dayó, que tem como finalidade acolher perspectivas de linguagens sócio-educativas que afirmam a dinâmica civilizatória africana e aborígene que caracterizam essas comunalidades. Garantindo a crianças, adolescente e jovens o direito a alteridade própria.
Como pesquisadora da PRODESE- Programa Descolonização e Educação da Universidade do Estado da Bahia que integra o Diretórios de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional do Desenvolvimento Cientifico e tecnológico CNPq sob a coordenação da Profª. Drª. Narcimária Correia do Patrocínio Luz. Participei em 11 de dezembro de 2009 do I Festival de Arte educação Africano Brasileira da ACRA. Que teve como objetivo destacar as linguagens presente na territorialidade de Itapuã, principalmente no sentido de afirmação da ancestralidade aborígene e africana que caracteriza o modo de viver de Itapuã, trazendo um repertório lúdico estético como recurso didático para sala de aula.
O Festival procurou conhecer e resgatar aspectos muito importantes, sobre o legado cultural africano e indígena na territorialidade de Itapuã. Neste festival, que foi realizado na quadra da instituição ACRA foram desenvolvidas atividades singelas como apresentação do auto coreográfico a parti do poema Itapuã, a canção do infinito de autoria de Narcimária Luz, com direção musical por Sidney Argolo, que envolveu dança e dramatização, apresentação de capoeira maculelê, além da sala de Mostra de Artes com exposições de artes plásticas, arte de grafite, esculturas em madeira, quadros e livros.


Iº Festival Afrobrasileiro de Arte e Educação da ACRA
Foto Daniela Cidreira

Neste contexto exploramos as delícias culinárias africano-brasileiras e indígenas, e expomos slides mostrando fotografias que marcaram momentos marcantes da história da instituição. Além de contamos com participações importantes como autores e artistas como Marcos Aurélio, Januária Correia do Patrocínio, Narcimária Luz, Janice Nicolin, Jackson Costa, além dos diretores e professores das escolas em torno. Além de exploramos as delícias culinárias africano-brasileiras e indígenas
Enquanto monitora de extensão e pesquisadora da PRODESE também participei no dia 09 de abril de 2010 da Jornada Pedagógica do Departamento de Educação do Campus I da Universidade do Estado da Bahia- UNEB. Onde ministramos a Oficina Dayó: Pluralidade Cultural e Educação que contemplou o público de professores da Educação Básica, graduandos/as de Pedagogia e Pós-Graduandos/as da área de Educação.

Oficina Dayó.Sentada a professora Sara Soares acompanhada das professoras Daniela Cidreira e Rosãngela Accioly

A oficina procurou se apropria das narrativas míticas milenares e a compor linguagens didático-pedagógicas que afirmem os valores da civilização africano-brasileira no campo da Pluralidade Cultural e Educação. Por entendermos que a linguagem dos contos africanos-brasileiros são fundamentais ao processo de ensino-aprendizagem da Educação Infantil de crianças que vivem em um cotidiano de base africana na Bahia. Desta forma foi necessário cria-se um cenário regado por dramatizações, contos afro-brasileiros e músicas visando aproximar educadores dos valores e linguagens próprios das comunidades brasileira que marcam Bahia.
Essas vivências somadas proporcionaram um novo olhar sobre a estrutura da educação baseada na pedagogia do embranquecimento alijando os povos descendente da civilização africana, população esta que possui uma importante presença na construção da identidade nacional. Essa nova visão despertaram e fortaleceram o interesse sobre essa pesquisa numa perspectiva de conhecimento e resgate ao expressivo legado cultural negro, que bravamente lutou e luta pela valorização do seu patrimônio.
Este processo de recalque e exclusão ao povo negro surgiu do processo de colonização dos países europeus, que precisou criar ideologias e mecanismo para fincar a sua cultura e a nova ordem hegemônica industrial-capitalista em suas colonias. A pedagogia do embranquecimento, uma das ideologias mais eficazes, se constituiu no principal mecanismo para perpetuar valores da tradição colonial. Consequentemente, eliminando este povo da constituição e projeto ideológico na formação social do país. Desta forma
O estado utiliza a pedagogia do embranquecimento, em que procura imprimir a todo custo, valores, normas e padrões de comportamento, que ratifiquem o ideal de EU, de identidade, nacionalidade e cidadania branco-europeu. Assim, pode-se identificar, tentativas de alijamento ás alteridades próprias, as identidades culturais, o outro diverso, que pulsam no cotidiano plural.(LUZ.Narcimária, 1998,P,82).
Mas o Brasil se constitui em um território caracterizado pela pujança da povo africano-brasileiro. População esta que possui uma trajetória histórica marcada de preconceito e submissão. Mesmo assim, conseguiram preservar sua identidade, códigos de comunicação e formas próprias de sociabilidade. Porém, atualmente, ainda existem várias tentativas para desqualificá-los.
A educação no jeito que está organizada se constitui como uma das principais tentativas de manter este importante seguimento populacional na camada mais baixa da sociedade. Mas o movimento negro durante muito tempo vem realizando iniciativas em Educação que afirmassem e legitimassem seu patrimônio civilizatório, numa tentativa de desestruturar o modelo de educação amparado nos pilares etnocêntricos, causador da perpetuação do recalque, numa tentativa de mudança na da sociedade brasileira.
Por causa deste grande esforço recentemente conseguiu vitórias importantes no âmbito educacional, a Lei 10.639, que altera a lei n°9.394/96 da LDB. nos artigos 26 E 79, que obriga a inclusão no currículo oficial de ensino da temática “História e Cultura Afro-brasileira” em 9 de janeiro de 2003.
A introdução da História da África no currículo nacional tem com principal objetivo resgatar valores da tradição africana na formação social brasileira, visando à recuperação da memória ancestral. Um currículo pautado numa perspectiva pluricultural, resultará nas crianças e adolescente postura critica e reflexiva sobre sua descendência e si mesmo.
A aplicação da lei implicará na formação continuada de professores e na reformulação do currículo de formação. Devido muitos educadores alegarem não ter conhecimentos necessários para desenvolver práticas educativas que incluam a história da cultura negra de forma adequada desmistificando e ressignificando os valores civilizatórios da população negra. Entretanto percebe-se que este processo não ocorre em águas tranqüilas. A autora faz uma reflexão sobre essa questão.



IIº Festival Afrobrasileiro de Arte e Educação da ACRA
Grupo de dança sob a orientação do professor Sidney Argolo

Quando são operacionalizadas políticas educacionais assentados nesses pólos de compreensão, vem a tona, tensões e conflitos serissímos no âmbito escola, já que essas políticas ascéticas e tecnoburocráticas não dão conta e/ou são engolidas pela pujança da cosmogonia africana. (Luz,N, 2000, p.79)
Isto remete ao currículo de formação de professores que ao longo da história da educação brasileira, possuem referências neocoloniais/europocêntricas que reduzem a presença civilizatória africana como culturas do mal e atrasadas. O desafio então, é criar projetos políticos pedagógicos que auxiliem educadores com esta nova concepção em educação, conscientizado que são a peça fundamental deste processo para que percebam a escola como um espaço pluricultural com sujeitos que possuem diferentes saberes.

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Sara Soares é pedagoga,integrou a equipe de educadores da ACRA onde desenvolveu a pesquisa "Valorização da Cultura Negra Numa Perspectiva de Resgate da Identidade das Crianças e Adolescente no Âmbito da Associação Crianças Raízes do Abaeté-Acra

sob a orientação da Professora Narcimária Luz.Aqui Sara apresenta aspectos breves das questões e inquietações abordadas na sua monografia.
Continua na próxima semana.

Professora Sara Soares
Foto Danilea Cidreira

Um comentário:

  1. É essa força, pulsão comunal que nos revigora nas interações pedagógicas e na vida!
    Parabéns a Sara e a toda a ACRA por,mais uma vez, fincar o alicerce africano-brasileiro no seu devido lugar: o da valorização!

    E aguardem, pois teremos O ewncontro das Yabás na ACRA! Aguardem!

    Axé e inté!

    Sérgio Bahialista

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