Marco Aurélio Luz
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Os seres humanos constituem dentre todas as espécies viventes uma das que mais tempo levam seus filhos a amadurecer.
A domesticação do fogo proporcionou à vida em sociedade, e permitiu à espécie humana a proteção necessária para deslanchar a sua formidável expansão.
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A humanidade reunida em volta do fogo destaca-se na natureza, e sobressai-se na constituição das civilizações. Essas resultam de um lado, pela criação de instrumentos, a técnica, e de outro, pelas elaborações do pensamento procurando aplacar a angústia existencial, o mistério do existir, a religião.
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A sociedade torna-se um sistema de vínculos institucionais, resultante de redes de instituições que visam à proteção de determinado agrupamento humano caracterizado pela pulsão ou desejo de estar junto. Ao longo do tempo e do espaço variarão as formas de associação. Constitui-se então a diversidade das culturas e civilizações, riqueza e perigo da humanidade.
A cultura apresenta-se como algo já dado para o nascituro. A palavra que constitui a língua e a linguagem que permite a comunicação humana aparece como resultante do temor do desconhecido. A criança procura os recursos que o contexto sócio cultural oferece, para aplacar a angústia e o temor do abandono durante o longo período de carência e dependência pronunciando as primeiras palavras que possam lhe socorrer, lhe acalentar e alimentar:- mãe e pai, ou mainha e painho.
Já estamos então nos referindo à cultura e identidade. Nós já estamos nos referindo a um contexto sócio cultural determinado, a cidade de Salvador, a Roma Negra como se referiu a legendária Mãe Aninha, Iyalorixá Oba Biyi. Assim como Roma era a sede do catolicismo, para ela Salvador era a sede das tradições religiosas africano-brasileiras, continuação da civilização africana no novo continente.
No processo civilizatório africano é a religião que se constitui como fonte da cultura, das tradições e, da vida social, o viver quotidiano, referência de identidade.
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A transposição desse processo civilizatório no Brasil constituiu a religião que podemos caracterizar em três aspectos: o culto aos ancestres e ancestrais, o culto às forças ou princípios que regem a natureza; e o culto ao oráculo, formas litúrgicas de previsão dos destinos. Embora possuam sua própria forma litúrgica e de iniciação sacerdotal, sinergicamente se relacionam.
A cosmogonia que envolve a religião dá relevância ao princípio dinâmico e de energia espiritual que rege o existir que na tradição nagô chamamos axé. O axé circula entre o aiyê e o orun esse mundo e o além. Quando chegamos nesse mundo intuímos que um dia retornaremos depois de cumprirmos nosso destino. Iye ati Iku, okan naa ni; a vida e a morte é uma coisa só.
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A religião é a instituição que proporciona através das restituições litúrgicas a circulação de axé, que por sua vez permite a continuidade e a expansão do existir.
Na cosmogonia nagô uma história conta como o orixá Exu delegou à humanidade a obrigação das restituições de axé através das oferendas rituais para que o mundo não se acabe.
Assim sendo são os seres humanos, aqueles capacitados para lidar com as forças sagradas. Dentre eles há aqueles dotados para o conhecimento da liturgia e de ter a dedicação sacerdotal para serem os responsáveis no plano espiritual pela proteção dos indivíduos, das famílias, linhagens e comunidades para que cumpram da melhor maneira seus destinos. São eles as nossas venerandas Iya, Mães e nossos venerandos Baba, Pais.
Serão eles que no dia de amanhã serão cultuados como ancestres ou ancestrais. Entre os nagôs, se sacerdotisas do culto de orixá serão cultuados no ilê ibó aku casa de adoração aos mortos, ou se sacerdotes do culto de Baba Egun, ancestres e ancestrais masculinos, no ilê igbalé.
Eles formam uma corrente ininterrupta de continuidade da proteção da linguagem ritual e valores da tradição das instituições religiosas.
A dedicação sacerdotal caracteriza a hierarquia apoiada no valor da antiguidade. Os poderes resultantes da antiguidade se estendem às gerações passadas, às obrigações das famílias e linhagens nas responsabilidades com o culto de seus ancestrais. São famílias e linhagens que mantém a continuidade de circulação de axé através da dedicação e do conhecimento acumulado das tradições que envolvem as liturgias e rituais.
“Minha Mãe é minha origem
“Meu Pai é minha origem
“Olorun é minha origem
Assim sendo adorarei as minhas origens antes de qualquer orixá”
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Esses ensinamentos que aprendi com Mestre Didi Axipa Alapini enfatizam que nenhum ritual, nenhuma liturgia pode ser realizada sem antes não se cultuar aos ancestres e ancestrais. Eles foram aqueles que garantiram e garantem a continuidade da tradição.
Convém aqui destacar a trajetória de dois ancestrais que marcaram a história da cultura nagô.
Encontramos nos terreiros de culto aos ancestrais cânticos que homenageiam Odana Dana, que juntamente com Oba Tossi, ambas da linhagem Axipa, retornaram à África. Também a filha de Oba Tossi, Madalena as acompanhou. Depois de alguns anos e do retorno à Bahia a Sra. Marcelina da Silva tornou-se das primeiras Iyalorixa do Ilê Axé Iya Omi Aira Intilé que depois tomou o nome de Ilê Iya Nassô conhecida popularmente como Casa Branca e considerada a mais antiga casa de culto aos orixá.
Por ocasião do encontro de Mestre Didi com os Axipá em Ketú, ouvindo as referências ao brasão oral da linhagem, o Alaketú logo identificou a tradicional e antiga família. O rei de Ketú então convocou o Arokin, guardião dos versos da história, que também localizou as referências à Odana Dana reconstituindo importante elo do passado.
Outra referência do culto aos ancestrais, diz respeito a Marcos Alapini, que com seu pai Marcos o Velho foram também à África e depois de alguns anos retornaram à Bahia trazendo importantes ancestres do povo yoruba e fundaram na ilha de Itaparica importante terreiro de culto aos Baba Agba, ancestrais antigos. Hoje essa “corrente” de ancestres e ancestrais é cultuada no Ilê Axipa.
Por fim convém destacar que Iya Nassô bem como Alapini são importantes títulos sacerdotais que tem origem no Alafin, palácio do Afin título do rei de Oyó cidade que Xangô é o orixá patrono. Presentes no Brasil eles significam também a continuidade dos valores e das tradições do antigo império yoruba adaptadas ao contexto brasileiro.
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Uma característica do culto dos ancestrais é a aplicação da noção “odara” dimensão estética que acompanha a cultura nagô. Odara exprime que o sagrado deve ser útil e belo, bom e bonito simultaneamente. Quando Baba Egun indaga aos fiéis sobre o seu axó, a sua roupa, ele espera a resposta: - odara Baba. Boa porque com ela ele transmite axé, que protege a comunidade e, bonita porque possui beleza e encantamento.
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É essa a atmosfera que envolve os festivais da religião. E o desafio das iniciações dos sacerdotes interage com o orgulho do acesso à identidade, com a alegria de aprofundar o pertencimento à sua comunidade terreiro, à sua gente.
REFERÊNCIAS:
Santos Deocoredes e Santos E. Juana, O culto dos ancestrais na Bahia: O culto dos Égun, in OLÓÒRÌSÀ, SP. Ágora 1981.
Verger Pierre,Orixás, Salvador BA. Corrupio, 1981
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