sábado, 17 de maio de 2014

MEU SONHO NÃO FAZ SILÊNCIO


Por José Carlos Limeira





Meu sonho jamais faz silêncio
E a ninguém caberá calá-lo
Trago-o como herança que me mantém desperto
Como esta cor não traduzida em versos
Pois se fariam necessários muitos e tantos versos
Meu sonho vara madrugadas
Som alto
De timbales que se arrebatam em cânticos
E trago-o como Olorum na crença
Que não me pune em pecados
Mas
Enche-me o peito grávido de esperanças
Como malungos marchando ao sol de novembro



                                                     Imagem disponível em http://www.imagensgratis.com.br/imagens-sol
Subindo as serras
Defesa e guerra
Meu sonho jamais faz silêncio
É a lança brilhante de Zumbi
A espada de Ogum
É o lê, o rumpi, é o rum
É a furia sem arreios
Terra farta dos anseios
Desacato, ato, sem freios
Vôo livre da águia que não cansa
Me faz erê, me faz criança
Meu sonho jamais faz silêncio
É um griot velho que me conta as lendas



Imagem disponível em http://www.shlomomusic.com/banjoancestors_griotlutesorigin.htm



De onde fisga tantas lembranças
E com ele invado chats, pages, sites
Na intimidade de corpos em dança
Perpetuando o gosto pelo correto
Meu sonho é pura herança
Rastro
Dos que plantaram, lutaram, construíram
O que não usufruo
Areia que moldada em vaso
Onde não nos cabe culpas
É lúcido ao sol dos trópicos, charqueado ao frio
É como um fio
Grita alto e bom som
Que o seio do amanhã nos pertence
Carregamos toda pressa
Meu sonho não faz silêncio
E não é apenas promessa
Planta em mim mesmo, na alma
Palmares, Palmares, Palmares
Pelo que de belo, pelo que de farto
Muitos Palmares
Carrega como o vento escritos
Versos de Jônatas, Oliveira, Colina , Semog e Cuti
Alimenta e nutre
Lembrando que esta cor me mantém desperto
E não tenho sustos
Sentinela que tange o eterno quissange
Entende a volúpia do calor que me abriga
Desfaz a mentira , destruindo a intriga
Meu sonho jamais faz silêncio
Como um Ilê Aiyê acordando a liberdade





Descobrindo amante ávido o sexo pulsante da existência
Desejo de navegar todos os mares
Comandando todas as fragatas, naves
E nos lança em um solo de Miles
Nos recria em um solo de Coltrane
Clássico como Marsalis, Jazz como Marsalis
E que nem tentem que faça silêncio
Pois voltaria gritando em um texto de Solynca
ás que completa a trinca
Torna-se um canto de Ella, Graça, Guiguio, Lecy



Imagem disponível em http://www.tyrolis.com/index.php?main_page=product_music_info&products_id=1755

Gente negra, gente negra
Jamelão, mangueira
Brilho da mais brilhante estrela
Nunca se estanca, bravo se retraduz em sina
Só não lhe cabem
Crianças arrancadas da escola
Pela fome que rasga gargantas
E nos promete vê-las
Alimentadas todas, cultas
Meu sonho é uma negra criança
Que luta
Ergue Quilombos, aqui , ali

Imagem disponível em http://www.brasil247.com/pt/247/imagem/93326/Confira-os-Destaques-do-Desfile-nesta-Segunda-feira-carnaval-2013.htm

Em cada mente, em cada face
Impávidos como Palmares, impávidos Ilês
Em todos os lugares
Meu sonho não faz silêncio
Porque feito de lida
Teimoso como esta cor
Para sempre será desperto e certo
Mais que vivo, é a própria vida.


**********************************

José Carlos Limeira,poeta,autor de diversos contos, crônicas e artigos.Entre seus livros destaque:,Zumbi... dos, Lembranças, O Arco Íris Negro (parceria com Éle Semog), Atabaques (parceria com Éle Semog). Participou de vários números dos Cadernos Negros e das Antologias Schwarze Poesie (Ed. Diá-Alemanha), Schwarze Prosa (Ed, Diá -Alemanha), Callaloo vol 2 (USA), Callaloo (Special Issue - 300 anos Zumbi -USA), Axé-Antologia da Poesia Negra Brasileira Ed Global 1983, A Razão da Chama Ed. GRD, Negro Brasileiro Negro número 25(Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e outras. Verbete em Quem é Quem na Negritude Brasileira Ed.CNAB 1998, citado em diversas teses e publicações como A Mão Afro-Brasileira (Significado da Contribuição Artística e Histórica - Ed.Tenenge 1988), O Negro Escrito (Oswaldo de Camargo) entre outras.


Nenhum comentário:

Postar um comentário