Por Camila Fiuza
Oxê Xangô, escultura de Marco Aurélio Luz
Movido por profundas questões existenciais, Marco Aurélio Luz, aborda, em Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira, o processo civilizatório que sofreram os africanos no Brasil, e mostra a importância da presença histórica, social e cultural do negro na constituição da identidade nacional brasileira.
O
livro é dividido em quatro partes, nas quais o autor: demonstra os valores e a
linguagem da civilização e cultura da África pré-colonial; caracteriza os
valores do colonialismo, do mercantilismo e do escravismo e seus desdobramentos
na atualidade; aborda o real significado histórico da insurgência negra na
África e no Brasil, caracterizado como uma luta pela afirmação existencial
própria, e procura demonstrar a dinâmica da reposição dos valores e linguagem
do processo civilizatório negro africano na formação social brasileira.
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1-
CONTE-NOS A SUA TRAJETÓRIA ACADÊMICA.
Marco Aurélio no lançamento do seu livro Cultura Negra e Ideologia do Recalque em 1983
No
início dos anos 70, participei da fundação da ECO Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ e do IACS Instituto de Arte e
Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense UFF. Na UFRJ fiz a pós-graduação, Mestre e Doutor
em Comunicação. Na década de 80 vim transferido para a FACED Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia UFBA. Em 1990 realizei o
pós-doutorado na Université de Paris V, a Sorbonne no CEAQ Centre D`Etudes de
L`Actuel e du Quotidien dirigido pelo professor Michel Maffesoli. Publiquei
vários artigos ensaios e livros nesse período e desde sempre colaborei com
diversas entidades não governamentais sem fins lucrativos de promoção
científica, cultural e religiosa.
Marco Aurélio na Escola de Comunicação-ECO da UFRJ entre seus colegas Muniz Sodré,Márcio Tavares do Amaral que juntos fundaram a ECO
Da esquerda para a direita Narcimária Luz,Muniz Sodré,Márcio Amaral e Marco Aurélio
Marco Aurélio com Michel Maffesoli em Paris Sorbonne
2-
COMO E QUANDO SURGIU O INTERESSE EM ESTUDAR SOBRE A CULTURA
AFRO-BRASILEIRA?
Por
volta de 1970, tentando aprender sobre a real identidade do povo brasileiro,
uma demanda política na época, vivendo no Rio de janeiro, cujo tecido social é
dividido entre “o morro e o asfalto” subi alguns morros de favelas,
especialmente o D. Marta em Botafogo. Lá fiz amizades e frequentei o terreiro
de Umbanda Vovó Maria Conga dirigido por D. Maria Batuque.
Dona Maria Batuque
Foi
então que estimulado pelo professor da Sorbonne, Georges Lapassade em passagens
pelo Brasil, publicamos pela editora Paz e Terra o livro O Segredo da Macumba
(1972) que teve muita repercussão na época.
No
início do ano seguinte a convite do professor Muniz Sodré visitei o terreiro
Ilê Agboula no Bela Vista em Ponta de Areia na ilha de Itaparica.
Foi
para mim um enorme deslumbramento, como se do alto do Bela Vista eu avistasse,
através do culto de Baba Egun os ancestres da tradição nagô, um imenso panorama
histórico da presença da África no Brasil. Uma linguagem ritual estética de
rara beleza me encantou para sempre.
Ainda
nesse ano no Rio de Janeiro fui apresentado ao Mestre Didi, renomado sacerdote
e artista, retornando de um périplo cultural por países da África, Europa e
América, por onde realizou a exposição de Arte Sacra Negra, acompanhado de sua
esposa a etnóloga Juana Elbein dos Santos.
Mais
tarde fui convidado a participar das tentativas e tratativas de realizar a
exposição no Rio. Durante os meses de maio e junho de 1974 elas aconteceram no
MAM, Museu de Arte Moderna com grande sucesso e repercussão.
Desde
então minha vida é dedicada a promover os valores de civilização africano- brasileiro.
3-
O LIVRO É O PRIMEIRO A INSCREVER A PRESENÇA DO NEGRO BRASILEIRO NUMA
DINÂMICA “CIVILIZATÓRIA”. COMO FOI O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E O PROCESSO
DE ESCRITA E CONCEPÇÃO DA OBRA?
Durante
a trajetória de estudos, me situando na ambiência das comunidades terreiro, e
outras instituições de cultura negra, pude perceber o entulho ideológico
(possessão, histerismo, animismo, fetichismo, sincretismo, culto popular, pré
logismo, inferioridade racial, inferioridade cultural, alienação etc.)
característico das teorias constituintes das ideologias do racismo e que
acompanham a política de embranquecimento e que alimentam a Razão de Estado
pós-abolição da escravatura. Disso resultou o livro Cultura Negra e Ideologia
do Recalque agora em 3ª edição pela EDUFBA/Pallas.
Frequentando
e participando da comunalidade africano-brasileira pude então tomar
conhecimento do fluxo civilizatório que caracteriza a reposição das tradições
culturais desde África para as Américas especificamente para o Brasil e
especialmente para a Bahia.
Tendo
como referência os valores e a linguagem da riquíssima tradição cultural da
comunalidade, ela irá sobredeterminar a escrita e a composição da obra que
todavia, por outro lado, é adaptada criticamente à linguagem acadêmica.
Resumidamente
como se referiu a memorável Iyalorixá Mãe Senhora; “da porteira para dentro, da
porteira para fora”.
Mãe Senhora no Ilê Axé Opô Afonjá, arrodeada por Zélia Gattai,Jean Paul Sartre,Simone Bevoir e Jorge Amado
4- NO LIVRO AGADÁ: DINÂMICA DA CIVILIZAÇÃO
AFRICANO-BRASILEIRA, O SENHOR ABORDA A IMPORTÂNCIA DA PRESENÇA HISTÓRICA,
SOCIAL E CULTURAL DO NEGRO NA CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA.
FALE UM POUCO SOBRE A DINÂMICA DA REPOSIÇÃO DOS VALORES E LINGUAGEM DO PROCESSO
CIVILIZATÓRIO NEGRO AFRICANO NA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA
Para
se entender essa importância há que se levar em conta que na civilização africana
é a religião a fonte de irradiação de valores e linguagens culturais.
A
religião se constitui sumariamente de duas vertentes transcendentes, o culto
aos ancestres e ancestrais e o culto as forças do universo que governam a
natureza.
É
dessa fonte de valores e linguagens transcendentes que se desdobram inúmeras
outras instituições culturais.
Integrantes da Troça Carnavalesca Pae Buroko no Carnaval de 2012
Assim
sendo a reposição da religião por um lado, foi o esteio capaz de gerar uma
forte presença na constituição da nacionalidade, por outro lado sofreu e vem sofrendo
os maiores ataques da política do establishment neocolonial, tanto ao nível da
repressão da força publica, principalmente nos inícios do século passado,
quanto nas elaborações e divulgação da ideologia do preconceito e do racismo.
No
culto aos ancestres e ancestrais, em determinadas liturgias, são sempre
louvados e cultuados os espíritos das pessoas que em vida se destacaram na
determinação e na entrega para a manutenção e expansão da tradição concorrendo
para a continuidade da civilização africano brasileira que concretiza os
desejos de afirmação existencial própria e de liberdade.
5-QUAL A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA PARA
A VALORIZAÇÃO E LEGITIMAÇÃO DA CULTURA AFRICANO-BRASILEIRA NO PAÍS?
Desde
que comecei a me dedicar a escrever sobre o assunto fui muito incentivado por
lideranças da comunidade. A escrita acadêmica sem dúvida possui um poder de
Estado e aí acontece a luta ideológica. Com a preocupação de valorizar a
tradição era muito pouca a bibliografia existente.
Certa
feita viajando com o líder político sindical Olímpio Marques depois dele ter
assistido minha participação numa mesa redonda num seminário, ele ficou um
tempo repetindo: “civilização africano brasileira” ”processo civilizatório afro
brasileiro” e depois desabafou: – no partido nunca pudemos vislumbrar esses
temas que eram vistos como divisionistas. Perguntavam se eu sofria racismo no
partido e me acalmavam dizendo que com o fim da luta de classes,
automaticamente não haveria racismo…
Então
a intelligentsia em geral no âmbito acadêmico e político silenciava.
AGADÁ
quebrou com esse silêncio. Tanto mais que revisando a história abriu novos
horizontes de compreensão do negro como sujeito da história com sua luta
cotidiana pela liberdade contra a escravidão, realçando os fatos históricos que
mudaram a face do mundo como as lutas da rainha Ginga em Angola, o quilombo dos
Palmares no Brasil e a independência do Haiti.
Independência do Haiti
Imagem disponível em http://www.etno.com.br/tags/independencia-do-haiti/
E
a maior contribuição, acredito, foi ter estabelecido um continente teórico em
que está instalada a vertente civilizatória africano brasileira que enriquece
indubitavelmente nossa identidade nacional.
6-O SENHOR TEM ALGUM NOVO PROJETO
DE PESQUISA EM ANDAMENTO? PRETENDE ESCREVER OUTRO LIVRO?
Da
importância e do porte do AGADÁ, acho difícil. Estou sempre escrevendo e
publicando e talvez dessa atividade possa surgir um novo livro. Em 2008 foi
publicada pela EDUFBA a 3ª edição aumentada do livro Cultura Negra em Tempos
Pós Modernos, que aborda a crise da chamada Modernidade e a atualidade dos
valores da civilização africano brasileira em relação a preservação da natureza
e à formas de sociabilidade.
Também publiquei em 2007 um livro compartilhado
com meu saudoso pai e Mestre Didi sobre educação, com o nome da experiência
educacional: Oba Biyi, O Rei Nasce Aqui, que procurou responder ao desejo da
memorável Iyalorixá Oba Biyi, Mãe Aninha de “ver as crianças de hoje de anel no
dedo e aos pés de Xangô”.
Mãe Aninha Iyá Oba Biyi
7-DEIXE UMA MENSAGEM PARA OS
LEITORES DA EDUFBA.
Respeitar
a herança sagrada do contínuo civilizatório africano brasileiro é superar
complexos e recalques de uma identidade fracionada pelas ideologias
neocoloniais e é assumir a nossa identidade na íntegra que só nos qualificam
mais como povo, enriquecendo o cabedal de linguagens e valores que enriquecem
nossa nacionalidade.
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Para saber mais visite a página da EDUFBA http://www.edufba.ufba.br/2014/06/marco-aurelio-luz/
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