Por Marco Aurélio Luz Oju Oba
Ancestralidade é motivo de
adoração, porque os filhos descendentes agradecem a aquele ou aquela que quando
vivente, se dedicou em proporcionar um destino que possibilitou a vida da melhor
forma possível para sua família, sua linhagem e sua comunidade e ainda até
mesmo seu reino e sua cidade.
Coluna com figuras em alto relevo de ekun leopardo,e ajagun ati odô cavaleiro e pilão.
Escultor e foto de M. A. Luz
Para os nagô ancestralidade é um valor sagrado, pois só é possível alcançar o bom desenvolvimento dos destinos através da circulação de axé. E isso acontece através da religião, da liturgia das oferendas de acordo a revelação do oráculo ou da palavra das entidades.
Então a tradição religiosa dos
ilê axé (casa de axé) é que garante a preservação, manutenção e expansão do axé
(força vital).
Uma bandeira branca indica que o lugar é consagrado, no Ilê Axé Axipá.
Foto M. A. Luz
O axé é uma força, uma energia que circula entre esse mundo, o aiyê e o além, o orun. A religião proporciona através dos rituais que compõem a liturgia a comunicação e as relações entre os ara aiye habitantes do aiye e os ara orun habitantes do orun.
As iniciações religiosas visam a
preparar os futuros sacerdotes a lidar com a doutrina e a liturgia do ilê axé.
Cabem aos sacerdotes mais antigos
de iniciação conhecedores dos fundamentos e dos preceitos da religião realizar
as iniciações.
Na dedicação a manter a tradição
que envolve as iniciações e assim a continuidade de existência da comunidade
que se assenta o valor da hierarquia sacerdotal.
Os títulos sacerdotais expressam
a qualidade e o valor de dedicação e sabedoria referente ao conhecimento da
liturgia do axé.
Opo Baba Nla, cetro em homenagem aos ancestrais.
Monumento no Rio Vermelho.
Réplica de escultura de Mestre Didi.
Foto M.A. Luz.
Esses valores se estendem pela
origem sacerdotal, a ascendência e descendência de uma família ou linhagem
antiga na corrente ancestral da tradição religiosa. Todavia laços de parentesco
devem estar subordinados à participação sacerdotal em relação a outros
critérios hierárquicos como antiguidade e títulos
COMUNIDADES TERREIRO OU ILÊ AXÉ
A tradição nagô se caracteriza
por três instituições distintas. O culto aos ancestres e ancestrais, o culto a
Ifá ou a tradição oracular, e o culto aos orixá ou as forças que governam o
universo.
Nos deteremos aqui ao culto dos
ancestres e ancestrais masculinos os egungun ou Baba egun.
Originário de Oyo capital
política do império yoruba cidade que Xangô é o orixá patrono. Xangô é o orixá
princípio da política no sentido radical da palavra que significa capacidade de
organizar equilibradamente a sociedade humana constituída por diferentes
interesses. Realização de desejos distintos. Assim como os dedos da mão apesar
de distintos devem permanecer unidos. Esse é
a capacidade da liderança e função do Alafin, o rei de Oyo.
Mapa do afin o palácio de Oyó com destaque das linhagens em seu entorno, dentre elas os ASHIPA. Ilustração no livro Yoruba Palaces1
Um itan, uma história tradicional conta que egun roubou a roupa de Xangô, o que está expresso ritualmente pela presença do abalá, tiras de pano que compõem a roupa de Xangô assim como dos Egun Agba, os ancestres e ancestrais antigos. As tiras de pano representam linhagens em expansão. Quanto mais tiras, demonstra a maior capacidade da entidade em manter a tradição, a circulação de axé que garante a existência e portanto o fortalecimento da comunidade, da sociedade, do reino, do império a antiguidade e a hierarquia ancestralidade e descendência.
Em Oyo durante a entronização do
Aalafin ele fara rituais dirigidos pelo Alapini ipekun ojé sacerdote supremo do
culto aos Egungun.
No Brasil o culto a Baba Egun tem
origens na ilha de Itaparica no povoado de Vera Cruz no terreiro fundado por um
africano Tio Serafim que trouxe da África o Egun de seu pai O Baba Okulele nos
inícios do século XIX.
Mais recente seu filho, João Dois
Metros dirigiu o terreiro da Encarnação onde foi invocado primeiramente Baba
Agboula, que mais adiante seria erigido como Egun patrono do terreiro ilê Agboula em Ponta de Areia, fundado
inicialmente por ojés oriundos de diversos terreiros dentre os quais o do Corta
braço situado no bairro da Liberdade em Salvador dirigido por Tio Ope. Nesse
terreiro se destacou João Boa Fama que iniciou ojés que também fundaram o ilê
Agboula inicialmente adoradores de Baba
Bakabaka.
Outro terreiro de grande
importância foi o de Mocambo, fundado por Marcos-o-Velho. Ele passou muitos
anos na África com seu filho Marcos Pimentel aperfeiçoando seus conhecimentos.
No retorno a Bahia ¨trouxeram com eles o ¨assento¨ do Égun Olúkòtún, considerado como um dos ancestrais da verdadeira
raça Yorubá. Fundaram em seguida o Terreiro de Tuntum. ¨2
Essa tradição de culto a Baba
Olukotun, olori Egun o cabeça, chefe dos Eguns
trás consigo uma corrente de Babas Egun e de títulos de ojé , os
sacerdotes do culto, e outros participantes.
Baba Alapala que integra a corrente de Baba Olukotun cultuados no Ilê Axipa.
Foto de divulgação do filme Egungun.
Imagem disponível em http://www.bcc.org.br/fotos/filtro?page=982
Ao longo do tempo essa tradição
foi mantida pelo seu sobrinho o sr. Arsênio Ferreira dos Santos, Alagba que deu
continuidade a iniciação de ojé do sr. Deoscoredes M. dos Santos Mestre Didi
que herdou e manteve a corrente do Tuntun o ilê Olukotun e deteve o título de
Alapini.
Antes de ser Alapini, Mestre Didi teve o oruko, o nome de Ojé Korikowe Olukotun.
Foto de divulgação do filme Egungun.
Foto de divulgação do filme Egungun.
http://mlb-s2-p.mlstatic.com/12832-MLB20067535635_032014-Y.jpg
A origem da linhagem Axipá se perde na noite dos tempos, sabemos que participa da composição do afin o palácio do Alaafin rei de Oyó e que é uma das sete linhagens fundadoras de Ketú.
Na reposição da tradição nagô no
Brasil, participa na Bahia da fundação do ilè axé Iya Naso, nome do título da
sacerdotisa responsável pelo culto de Xangô no palácio de Oyó. Ela é uma das
fundadoras do primeiro terreiro de culto aos orixá, a popular Casa Branca.
Marcelina da Silva Oba Tossi da família Axipá é ponto de referência na
continuação da tradição. Conforme Mestre Didi a Iya Naso fez a iniciação de
Anna Eugênia dos Santos Oba biyi de Xangô Afonjá e Ogodô. Mãe Aninha como ficou
popularmente conhecida nasceu em 13 de julho de 1869 e é a fundadora do Ilê Axé
Opô Afonjá em 1910.
Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi.
http://www.jornalagaxeta.com.br/img/ancestrais/mae-aninha.jp
Mais adiante
¨Em agosto de 1952, chegou da África Pierre Verger, trazendo um xeré e
um Edun Ará Xangô, que lhe foram confiados na Nigéria por Onã Mogbá, por ordem
do Obá Adeniran Adeyemi, Alafin Oió, para serem entregues a Maria Bebiana do
Espírito Santo, Senhora, acompanhados de uma carta dando a ela o título de Iya
Nassô, confirmado no barracão do Opô Afonjá, em 9 de agosto de 1953, com a
presença de todos os filhos da casa, comissões de vários terreiros,
intelectuais, amigos da seita, escritores jornalistas etc.¨
E ainda:
¨Este fato marca o reinício das antigas relações religiosas entre a
África e a Bahia, posteriormente ampliadas, mantendo Mãe Senhora um intercâmbio
permanente de presentes e mensagens com reis e outras personalidades da seita
na África.¨3
Mãe Senhora, Iyalorixá Oxun Muiwa e Iya Naso, da linhagem Axipa. Foto P. Verger
http://jeitobaiano.files.wordpress.com/2010/04/mae-senhora.jpg
Em Ifé mestre Didi visita o monumento do Opa Oraniyan.
http://bahiamam.org/9-momentos-de-mestre-didi/
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Notas:
1- G.J. Afolabi Ojo, Yoruba Palaces, University of London Pess Ltda, England 1966 p.71
2- cf. Santos M. Deoscoredes, Mestre Didi e Santos E. Juana, O Culto dos Ancestrais na Bahia: O culto dos Égun, in Olóòrìsà, Ágora, S. Paulo 1.981 ps.155/188.
3- Mestre Didi, História de Um Terreiro Nagô, Carthago e Forte, S. Paulo 1944, P. 18
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