terça-feira, 28 de outubro de 2014

O MUTANTE EGÍPCIO Remember the Time, TV de Cor

         
Por Marco Aurélio Luz


Em artigo anterior publicado na “A Tarde Cultural”, realizamos algumas reflexões sobre o clip de Michael Jackson, Black or White. Naquela ocasião chamamos a atenção sobre duas partes da narrativa, a primeira que se referia a diversidade humana, compreendendo as diferenças culturais e suas formas de comunicação, a segunda que indicava que para se perceber essa multiplicidade de alteridades era preciso quebrar as vidraças da redoma do paradigma do Estado ou sistema social da modernidade uno, unívoco e unidimensional, positivista, consumista e totalizante.
            Essa segunda parte, uma ousada coreografia, foi posteriormente censurada pela TV.
            Mas depois do quebra-quebra não surge a anomia, a desordem ou o caos. Ao contrário emerge com o clip Remember the time, o novo com a projeção dionisíaca da temporalidade pós-moderna, apontando para valores antiquíssimos das civilizações humanas, alimentando a força imaginal constituinte de novas utopias.
            Uma das características da pós-modernidade é a emergência da afirmação da diversidade humana e da pluralidade cultural, mesmo que essa emergência venha acompanhada de reações como ocorre com alguns movimentos intransigentes como por exemplo na França e na Alemanha.
            Portanto esse novo, já foi aludido pelo clip Black or White nas imagens das crianças brancas que metaforicamente pontuam a nova esperança de um possível verdadeiro ecumenismo.
Em Remember the Time também elas estão lá, ao lado de Michael Jackson assistindo as filmagens.



Egito Antigo
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Imagem disponível em michael_jackson_remember_the_time_1-9247
            
O novo é portanto a crença num mundo mutante, mas ao mesmo tempo de valores imperecíveis corno pode se decodificar da presença do gato e o ouro, matiz dourado que transluz na encenação e abre a narrativa do clip.
            O ouro neste contexto não é símbolo de riqueza entesourada traduzido em contabilidades monetárias, mas, por ser metal nobre, imperecível tange a simbolização da dimensão inexplicável da eternidade do existir, gema de ouro.
            Luminicencias douradas marcam essa coreografia que conta uma estória do Egito faraônico. Um faraó que querendo agradar sua esposa entediada oferece-lhe a apresentação de algumas atrações espetaculares para que se divirta. Todavia ele perde o controle quando um personagem misterioso e sedutor desperta nela a paixão. Com seus soldados ele persegue o personagem que acuado some no invisível.
            Poderíamos perguntar, conforme se faz com as fábulas de Esopo, qual a moral da estória?
            E responderíamos primeiramente realçando o fato de todos os atores-personagens serem negros. Isto porque durante anos de colonialismo, o Egito faraônico foi representado, de forma deformada, embranquecido..., especialmente há alguns anos atrás pela indústria do cinema de Hollywood.
            Num tempo, que ainda se prolonga, em que as ideologias racistas e positivistas procuravam apresentar os povos não-brancos como inferiores através de sofisticadas teorias, o Egito faraônico, berço das civilizações, causava um impacto que precisava ser silenciado.
       


Imagem disponível em egito_antigo httpmisteriosantigos.50webs.com
  



Egito Antigo

 Imagem disponível em black20 pharaohhttp://kamugere.wordpress.com/


Imagem disponível em http://africanhistory-histoireafricaine.com/

Entretanto, os movimentos de libertação do colonialismo e do imperialismo trouxeram em seu contexto intelectuais como Cheikh Anta Diop do Senegal, que dedicou-se em seus trabalhos em resgatar a veracidade étnica negra do Egito faraônico, constituído no baixo Egito e num tempo muito anterior as presenças de povos semíticos e indo-europeus e cuja formação étnica era totalmente distinta da atual população mestiça árabe-muçulmana que caracteriza o país na atualidade. 



Imagem disponível em http://diop-docteur-HC http://www.sangonet.com/



   Cabe acrescentar, que Diop e outros intelectuais provocaram significativa revisão das influências do Egito faraônico em diversos continentes, não só na África, na Ásia e na Europa, mas também na América, comprovando relações entre a civilização Egípcia e a dos Maia, Azteca e Inca, ocorridas há milênios.


Egito Antigo

 Imagem disponível em http://19419833e7a045a7705e1110.Lhttp://www.redeangola.info/

Portanto é nesse Egito negro faraônico resgatado que se desenvolve a dramatização da narrativa de Remember the Time.

Egito Antigo
Imagem disponível em http://ppretaegorda.blogspot.com.br


Além disso porém, a narrativa possui um significado transcendental.
 É que diante das atrações espetaculares, a rainha não se comove nem com a destreza do malabarista, nem com o poder mágico do engolidor de fogo. Ela se encanta porém com o personagem entidade, que semeia grãos, some e reaparece com nova forma. Aquele que é capaz de abranger com sua ação os planos do visível é do invisível. O que tangencia o mistério da gênese e portanto da ancestralidade.
            Sabemos que em geral na África e nas Américas negras, os papéis sociais masculinos e femininos são diferenciados, todavia complementares. Enquanto os homens estão mais voltados para a organização social comunitária, as mulheres estão voltadas para gerir o equilíbrio e a harmonia cósmica uma vez tendo o poder sagrado de lidar com ás forças da natureza.
            O poder feminino está ligado ao processo de gestação, a capacidade de transformação do corpo da mulher, promovendo o desenvolvimento de um novo ser e que a aproxima com as representações dos mistérios do interior da terra. O mistério da sucessão de linhagens, o eterno ciclo de nascimento e morte, envolve o desejo desperto de um poder feminino representado na narrativa por um beijo do personagem etéreo na rainha, com as pirâmides, que guardam os sárcófagos faraônicos, na paisagem do horizonte da janela.
            Pirâmides que representam a força de uma civilização alicerçada no culto aos ancestrais veneráveis, corrente ininterrupta de vida e morte que garantem o estarmos hoje aqui e agora... Na África e nas Américas negra, o culto aos ancestrais tem a mesma pujança na constituição das alianças comunitárias.
            Todavia esse desejo e poder despertado na rainha preocupa o faraó, e como o lúdico não está separado do sagrado, segue-se na narrativa a perseguição, o esconde-esconde, até que o personagem misterioso é cercado pelos guardiões do palácio e então some num redemoinho de pó de ouro; estava aqui, não está mais, visível/invisível, estará sempre...
            Esta elaboração de aspectos transcendentais da existência, como indicou Muniz Sodré no livro Samba o Dono do Corpo está representado na música negra pela síncopa, a presença da ausência, o vazio, a batida que falta; presente, ausente, presente num tempo mais forte.
            Englobar dimensões múltiplas da existência, ou do existir, o visível e o invisível é característica da cultura negra, elaborações de conhecimentos envoltos numa dimensão estética. Odara, é um conceito nagô onde o útil e o belo constituem-se de forma única, bom e bonito é uma coisa só. Essa dimensão estética do saber recorre a diversos códigos complementares que apóiam e expressam a narrativa. Dança, canto, música, dramatização, vestuário, coreografia, cenário, etc. se unem na harmonia da linguagem negra, e é o que Michael Jackson realiza na TV.
            Assim como o negro americano já fizera com os instrumentos brancos criando o jazz inicia-se um processo de Tv de cor, pós-moderna.

Notas
* Publicado no Caderno Cultural do Jornal A Tarde, 1992.
 Publicado no livro;  http://www.cairu.br/biblioteca/arquivos/Diversidade_Cultural/Cultura_negra_tempos_pos_modernos.pdf

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

UM MARCO HISTÓRICO

TEN- TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO




Uma trajetória marcante com a liderança de Abdias do Nascimento que projetou inúmeros artistas e teatrólogos, reivindicando espaços, reconhecimento e acolhimento  no mundo das artes em geral.

domingo, 5 de outubro de 2014

A IMAGEM DA MULHER NEGRA E A REDE GLOBO

Internauta da Mangueira, Suburbia  e  Sexo e  as  Negas: como a Rede Globo gosta de fazer linchamento  da  imagem da mulher negra.

Por Jair Nguni

Estamos no centenário da escritora Carolina Maria de Jesus. Até agora não vi a Rede Globo debater em seus telejornais com a sociedade brasileira o valor literário e intelectual de uma mulher negra, favelada e que teve sua obra literária traduzida em  13 países no mundo.




A escritora Carolina Maria de Jesus com a poetiza Clarice Lispector



 Parece-me que esse tipo de narrativa social e cultural da vida de personagens negras, personagens  que marcaram de forma indelével nossa formação não  tem  importância midiática para quem representa tão bem o pensamento  da burguesia racista brasileira.  A Rede Globo,  na nossa concepção, nunca ofereceu  espaço para o brasileiro conhecer nossas  escritoras  negras e seu potencial intelectual. Pelo contrário, o que assistimos sempre na sua grade de programação são apresentadoras  eurodescendentes  nos seus  telejornais. São médicas brancas de classe média nos ensinando como cuidar da saúde como podemos encontrar no Programa Bem Estar e ainda várias apresentadoras loiras do  tipo  da  Angélica, Ana Maria Braga e Xuxa.
É raro encontramos nessa empresa uma negra que seja convidada para ser  comentarista de economia, política, ciência ou tecnologia, aliás, confesso que nunca vi uma negra fazendo esse papel na qualidade de comentarista.  A   Globo poderia explicar esse caso de racismo explicito, visto que tanto nas novelas como nos programas jornalísticos, pode-se perceber claramente as desigualdades raciais nas oportunidades de trabalho  oferecidas para a mulher negra nessa empresa de comunicação. Isso é tão  visível  para o senso comum,  que   qualquer pessoa poderá notar que somente a mulher branca pode ser a madame rica nas novelas,  pensadora, escritora, intelectual e empresária bem sucedida, sobrando apenas o espaço da favela, das periferias e carnaval para que essa mulher negra possa mostrar seu corpo e sensualidade. Para essa emissora de televisão, a mulher negra seria apenas  um corpo sensual para ser explorado e abusado como se fosse uma mercadoria que se usa e depois é descartada.





  1. Atriz Ruth de Souza que em 1954 foi a primeira brasileira indicada para o prêmio Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza.


 Na programação  dessa   tv o padrão de  beleza europeu  sempre foi considerado o belo  e  esse modelo estético  foi   imposto para destruir o outro padrão de origem africana. Nesse sentido, a nossa beleza negra aparece diante dos olhos televisivos dos arautos da casa grande como algo que  é feio. Portanto, se é feia a nossa estética negra como eles pensam. Essa imagem da mulher negra  também  merece  ser  ridicularizada e aparecer na casa dos brasileiros para representar o  grotesco e o lado risível da televisão como podemos deduzir na boca banguela e acompanhada de um negrume extravagante naquele rosto do humorista global, que dizia nos sábados à noite: “eu sou a cara da riqueza”. Era dessa  forma  que  o Programa Zorra Total  fazia  seu linchamento público contra a imagem da mulher negra, através desse  nosso modelo racial  nojento e perverso, ou seja, o de fazer as pessoas  aprenderem  a  ser  racistas de  forma  lúdica, humilhando  o  nosso povo negro por meio de um quadro humorístico  como  esse que só interessava mesmo a  quem  queria  destruir nossa  autoestima.
Confesso, sinceramente, que não gosto de assistir nada do que a Globo faz quando  se trata de representar no campo da ficção as mulheres negras, visto que percebemos que as práticas sexuais racistas do colonizador ainda estão por demais impregnadas nas mentalidades do novelistas e produtores de minisséries, como essa  que estamos  assistindo agora. Não gosto por razões óbvias, já que a Globo é pródiga em fazer da mulher negra a eterna mucama nas suas novelas onde geralmente atrizes negras de talento, a rigor, sempre são obrigadas a serem as serviçais de madames brancas, bonitas e de classe média.  Léa Garcia,  Chica  Xavier e Ruth de Souza sabem muito bem de toda essa história de subalternidade na hierarquia racial dos novelistas dessa emissora de televisão. 





Atriz Luíza Maranhão no filme A Grande Feira de Roberto Pires



Todavia, a luta para tirar a mulher negra dessa forma de inferioridade social e racial também existe no Brasil, tendo em vista que a atriz   Zezé Motta  na sua carreira profissional  já  chegou a recusar papéis em que a mulher negra apareceria de forma negativa e  estereotipada.  Por que as  mulheres negras só podem aparecer nas novelas, com a vassoura  não mão e  lenço na cabeça?
É verdade  que na  novela “Da  Cor do Pecado” não vimos essa imagem racista da negra empregada doméstica. Entretanto, a atriz Taís Araújo era pobre e  vendedora de raízes medicinais  na cidade de São Luiz do Maranhão onde ela conhece um rapaz belo, branco e filho de um  empresário carioca o ator Reynaldo Gianecchini, no papel de Paco. O racismo construído nessa representação social da mulher de origem africana  é proposital e ainda reproduz o que  a sociedade brasileira racista quer perpetuar,  já que  na cabeça  do autor dessa novela  não  se pode aceitar  que  Preta, nome  da personagem protagonizada pela atriz Taís Araújo fosse a filha do Afonso Lambertini, um rico empresário interpretado por Lima Barreto e  Reynaldo Gianecchini  fosse o pobre e vendedor de raízes medicinais  de uma feira maranhense.  Assim sendo,  o  que fica também na cabeça  do nosso povo brasileiro para quem assiste uma produção televisiva como essa é a idéia  de branqueamento racial, uma vez  que para  a  personagem  Preta  a  solução  para crescer socialmente na vida é se apaixonar por um rapaz  da elite branca. Como podemos notar, a Rede Globo já mostra qual o caminho social e racial  que as nossas adolescentes e  jovens  negras pobres devem seguir e ter como horizonte de vida. A felicidade para a raça negra, nas entrelinhas dessa novela, é algo que só podemos encontrar se  for no mundo dos brancos bem sucedidos.






Atriz Léa Garcia



“Ela fugiu de uma infância marcada pela miséria.” Era assim que a Globo destilava o seu repertório de  representações racistas e discriminações contra o corpo da mulher negra e sua imagem pública.  Refiro-me  aquela minissérie   Suburbia  em que  uma jovem negra e pobre, andando  de top e short minúsculos onde trabalhava  num posto de gasolina na cidade grande, chamando  atenção de rapazes pelo seu jeito de mulher gostosona.   A chamada que  essa emissora de televisão em tela fazia para que as pessoas vissem a saga dessa personagem negra  para obter audiência era horrível.  O pai  dela  com a  cara de sofredor na condição de miserável, ao lado da mãe  numa carvoaria. O  cenário de desesperança era perfeito na sua intenção racista, já que essa minissérie continha uma grande violência simbólica por defender ideologicamente a noção de que  onde  há  negros não existe progresso e desenvolvimento humanos, restando apenas como alternativa de vida  para a  menina Conceição  virar  dançarina de funk  e depois empregada doméstica para superar  a  sua vida  miserável   como a  minissérie em tela trouxe  para  os telespectadores da Globo.
 A  personagem  Suburbia  da  atriz Erika  Januza  poderia estudar de noite. Depois ela poderia trabalhar de dia em alguma grande universidade pública na condição de secretária  e ainda terminar uma faculdade com muita luta e determinação como muitas mulheres negras fazem por esse  Brasil afora,  sem que fosse necessário  caminhar com um short  bem  curtinho   enfinhado  na bunda  para  dar audiência. Entretanto, a narrativa dignificante mencionada não interessa aos detratores da imagem do nosso povo negro.  Logo, ela é  uma construção política minha, assumindo  aqui a intenção clara de provocar a emissora para que ela não repita esse tipo de cenário em que  a  raça negra  só pode parecer em papéis já  pré determinados pelo imaginário racista. Sim,  Suburbia  ainda foi na adolescência  presa pela polícia e acusada de roubo, o que lhe fez ganhar uma internação provisória na FEBEM. Por que a mulher negra tem que ter esse tipo de história retratada na televisão?








Atriz Chica Xavier


 A personagem  Suburbia  ainda  tem  sua  cópia fiel nesse quesito voltado para a  destruição moral da imagem da mulher negra no Brasil. Quem não se lembra da minissérie  As Cariocas em que a única mulher que fazia bico como digitadora era a Internauta da Mangueira, personagem protagonizada pela atriz Cintia Rosa. Uma mulher negra que  morava no Morro da Mangueira   e  que deixou  de trabalhar para ficar traindo o marido na internet, usando apenas calcinha e sutiã na frente da tela de um computador.  Ora, quando  vi  a  Rede Globo  lançar a  minissérie  Sexo e  as Negas já sabia que o cenário da história tinha que ser parecido com suas últimas programações em que  a mulher negra foi protagonista, a exemplo da Internauta da Mangueira e  da  minissérie Suburbia.
As mulheres negras, na verdade, são sempre  jogadas para espaços urbanos marcados pela pobreza, prostituição, tráfico de drogas, violência sexual, luxúria e muita sensualidade. Logo, não me interessa saber desse tipo de história pobre de imaginação, simplificadora e reducionista da imagem da mulher negra, já que são temáticas entediantes, desumanizadoras  e  geralmente  contadas sob o ponto de vista do homem branco machista, racista e preconceituoso. A  Globo poderia ser mais inteligente e não subestimar a nossa população negra, achando que iríamos ficar calados diante de tamanha agressão racista  e degradação da imagem coletiva da mulher negra no mundo da ficção, visto que esse tipo de ataque a imagem das mulheres negras tem influências extremamente negativas na personalidade de cada cidadão deste país. 




A professora de filosofia Lélia de Almeida Gonzalez renomada líder dos movimentos Negros

Faço aqui a minha crítica a esse tipo de programa e, ao mesmo tempo, quero me solidarizar com todas as negras  que  repudiaram essa empresa,  escrevendo textos na internet contra a exibição da minissérie Sexo e as Negas.
Tentando limpar a merda que a emissora fez um cantor foi chamado ao  Programa Encontro  com Fátima Bernardes, para afirmar essa pérola: “nega é um carinho. Não é  preconceito”. Somente o cantor Carlinhos Brown faria esse papel para garantir seus lucros, já que o mesmo faz parte do  The   Voice  Brasil e, assim, tinha que dar  sua colaboração burra para essa classe dominante continuar fazendo esse tipo de minissérie racista, conservadora e machista. Aproveito esse debate, também, para repudiar a atitude da Faculdade Zumbi dos Palmares  que já convidou o  senhor  Miguel  Falabella para fazer parte do Troféu Raça Negra, tendo em vista que uma atitude como essa soa verdadeiramente como um insulto ao movimento de mulheres negras, além de ser  um  grande  desserviço a  todos nós que lutamos com dignidade contra o racismo. Tem muita coisa nebulosa por trás desse convite, uma vez que ele apareceu mesmo no meio das críticas que internautas e ativistas do movimento negro estão fazendo contra a  exibição dessa minissérie.
 Assim, diante do exposto, temos que pensar e agir para mudar as relações raciais de opressão, democratizando os meios de comunicação para que  as TVs contem histórias positivas da raça negra, incluindo aí  nossas pautas de lutas  antirracistas do movimento negro para que os operadores da comunicação televisiva, bem como os novelistas e diretores de minisséries de qualquer emissora de  TV  possam nos respeitar. 






A professora e historiadora Beatriz Nascimento Importante líder dos Movimentos Negros



Nós negros  e negras conscientes dos nossos direitos humanos e constitucionais temos o direito de ver outras narrativas, pois queremos assistir  na televisão brasileira as nossas atrizes negras fazendo o papel de médicas, de advogadas, de engenheiras, de professoras universitárias e de empresárias bem sucedidas também. Ou não existe mulher negra assim no Brasil, seu Miguel  Falabella?

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Jair Nguni é historiador e ativista do Movimento Negro de Campina Grande-PB.


CONTOS CRIOULOS DA BAHIA:UMA HOMENAGEM AO MESTRE DIDI

Por Marco Aurélio Luz, Elebogi   ati Oju Oba

Capa do livro publicado pela Editora Vozes
A tradição africana no mundo se caracteriza por determinadas linguagens e valores constantes fundamentais.Destes, destacamos alguns que nos ajudam a compreender a literatura de Mestre Didi, como, por exemplo, ter a religião como fonte da elaboração da existência se desdobrando como forma de percepção e atuação nas ações cotidianas.
A religião tradicional africana se constitui de dois pilares institucionais. Um é o culto às forças que regem a natureza, o universo, sua cosmogonia, outra é o culto aos ancestres, princípio que rege o aparecimento e a continuação da humanidade. Ambos dinamizam a relação entre o aiyê, este mundo e o orun o além.
     Neste princípio se insere a compreensão e elaboração do ciclo vital, do fluxo dos destinos, e a complexa riqueza da diversidade humana resultante de projeção das distintas forças da natureza e do contínuo ancestral, em infindáveis combinações que constituem a individuação e se perdem desde os inícios dos inícios, na noite dos tempos.
     É dessa infinitude cosmogônica, incluída a sociabilidade humana, que se elabora a filosofia nagô e emerge a literatura dos contos narrados por Mestre Didi.
Mestre Didi no seu atelier criando suas esculturas.
     Na sua maioria os contos fazem parte do acervo oracular do erindinlogun, outros são heranças legadas pelos mais antigos e outros ainda, experiências vividas no contexto de sociabilidade e comunalidade africano-brasileira da qual Mestre Didi, Alapini, é hoje uma liderança exponencial. Cada conto é em si uma lição de vida, sempre no sentido de promover valores, que são constituintes da ética da tradição.
     Aceitação da alteridade, compreensão da diversidade como riqueza da criação, o uso adequado e limitado dos poderes e suas complementações, a percepção do fluxo vital, o perigo da inveja e das onipotências, etc. Enfim, a lição para a humanidade é perceber-se como parte integrante do cosmo e da natureza e saber usar o amadurecimento e a humildade como armas contra o preconceito, a prepotência e a ganância que ameaçam o equilíbrio do planeta no mundo contemporâneo.

Escultura de Mestre Didi
Opa Ossain ati Oxumarê Meji

     Os contos de Mestre Didi, por sua originalidade literária, dão apoio para a continuidade da tradição afro-brasileira, abrindo novos caminhos que enriquecem de modo substancial os valores humanos.
     Neste sentido, também, Mestre Didi destaca-se como fundador de um gênero literário, isto é, ele realiza a transposição da comunicação direta dos itans, dos contos do acervo cultural comunitário para a recriação na língua escrita, estabelecendo um estilo próprio próximo as origens.
     Nesta bem cuidada edição promovida pelo Niger Okan com o apoio da Petrobrás, os contos recebem uma versão tri-língue, em português, yorubá e inglês.
     Mestre Didi, Alapini como membro da tradicional família Asipá se constitui num elo da continuidade histórica do povo yorubá ou nagô na diáspora. Através da religião, fonte de cultura que alimenta a identidade profunda de nosso povo, ele se destaca demonstrando primeiramente que a língua da liturgia há que ser mantida e fortalecida.
     Dentre seus esforços de afirmação, destacamos a publicação na década de quarenta de seu primeiro livro YORUBÁ TAL QUAL SE FALA.
     No contexto litúrgico, o yorubá é instrumento das elaborações de mundo, da comunicação da teologia e das cosmogonias que procuram aplacar a angústia existencial. É a língua que acompanha a linguagem estética dos ritos que magnificam o sagrado.
     O yorubá também é forma de acesso à comunicação com nossos ancestres e ancestrais, ele é instrumento da continuidade civilizatória e cultural africana nas Américas.
     Nada mais pertinente que fortalecer esse elo de comunicação que nos aproxima dos povos da África da tradição, que também sofre por outro lado, as atuações do recalque neocolonial.
     Aliás, por conta desse recalque, que marca a presença histórica imperial dos anglo-saxônicos que estamos obrigados a também usarmos o inglês como forma de enlarguecer o poder de comunicação dos contos para além da órbita do português em tempos de “globalização”.
     Esperamos que todo esse espaço, dessa bela edição, dos CONTOS CRIOULOS DA BAHIA, com prefácio de Muniz Sodré e introdução de Juana Elbein dos Santos, concorra para fortalecer ainda mais a continuidade da tradição africano-brasileira que tem em mestre Didi, Alapini um de seus mais lídimos e excelsos representantes.