Por Marco Aurélio Luz, Elebogi ati Oju Oba
Capa do livro publicado pela Editora Vozes
A tradição
africana no mundo se caracteriza por determinadas linguagens e valores
constantes fundamentais.Destes, destacamos alguns que nos ajudam a compreender
a literatura de Mestre Didi, como, por exemplo, ter a religião como fonte da
elaboração da existência se desdobrando como forma de percepção e atuação nas
ações cotidianas.
A religião tradicional africana se constitui de dois pilares
institucionais. Um é o culto às forças que regem a natureza, o universo, sua
cosmogonia, outra é o culto aos ancestres, princípio que rege o aparecimento e
a continuação da humanidade. Ambos dinamizam a relação entre o aiyê, este mundo
e o orun o além.
Neste princípio se insere a compreensão e elaboração do ciclo vital, do fluxo dos destinos, e a complexa riqueza da diversidade humana resultante de projeção das distintas forças da natureza e do contínuo ancestral, em infindáveis combinações que constituem a individuação e se perdem desde os inícios dos inícios, na noite dos tempos.
Neste princípio se insere a compreensão e elaboração do ciclo vital, do fluxo dos destinos, e a complexa riqueza da diversidade humana resultante de projeção das distintas forças da natureza e do contínuo ancestral, em infindáveis combinações que constituem a individuação e se perdem desde os inícios dos inícios, na noite dos tempos.
É dessa
infinitude cosmogônica, incluída a sociabilidade humana, que se elabora a
filosofia nagô e emerge a literatura dos contos narrados por Mestre Didi.
Mestre Didi no seu atelier criando suas esculturas.
Na sua maioria os
contos fazem parte do acervo oracular do erindinlogun, outros são heranças
legadas pelos mais antigos e outros ainda, experiências vividas no contexto de
sociabilidade e comunalidade africano-brasileira da qual Mestre Didi, Alapini,
é hoje uma liderança exponencial. Cada conto é em si uma lição de vida, sempre
no sentido de promover valores, que são constituintes da ética da tradição.
Aceitação da
alteridade, compreensão da diversidade como riqueza da criação, o uso adequado
e limitado dos poderes e suas complementações, a percepção do fluxo vital, o
perigo da inveja e das onipotências, etc. Enfim, a lição para a humanidade é
perceber-se como parte integrante do cosmo e da natureza e saber usar o amadurecimento
e a humildade como armas contra o preconceito, a prepotência e a ganância que
ameaçam o equilíbrio do planeta no mundo contemporâneo.
Escultura de Mestre Didi
Opa Ossain ati Oxumarê Meji
Os contos de
Mestre Didi, por sua originalidade literária, dão apoio para a continuidade da
tradição afro-brasileira, abrindo novos caminhos que enriquecem de modo
substancial os valores humanos.
Neste sentido,
também, Mestre Didi destaca-se como fundador de um gênero literário, isto é, ele
realiza a transposição da comunicação direta dos itans, dos contos do acervo cultural comunitário para a recriação
na língua escrita, estabelecendo um estilo próprio próximo as origens.
Nesta bem cuidada
edição promovida pelo Niger Okan com o apoio da Petrobrás, os contos recebem
uma versão tri-língue, em português, yorubá e inglês.
Mestre Didi, Alapini
como membro da tradicional família Asipá se constitui num elo da continuidade
histórica do povo yorubá ou nagô na diáspora. Através da religião, fonte de
cultura que alimenta a identidade profunda de nosso povo, ele se destaca
demonstrando primeiramente que a língua da liturgia há que ser mantida e
fortalecida.
Dentre seus
esforços de afirmação, destacamos a publicação na década de quarenta de seu
primeiro livro YORUBÁ TAL QUAL SE FALA.
No contexto litúrgico,
o yorubá é instrumento das elaborações de mundo, da comunicação da teologia e
das cosmogonias que procuram aplacar a angústia existencial. É a língua que
acompanha a linguagem estética dos ritos que magnificam o sagrado.
O yorubá também é
forma de acesso à comunicação com nossos ancestres e ancestrais, ele é
instrumento da continuidade civilizatória e cultural africana nas Américas.
Nada mais
pertinente que fortalecer esse elo de comunicação que nos aproxima dos povos da
África da tradição, que também sofre por outro lado, as atuações do recalque
neocolonial.
Aliás, por conta
desse recalque, que marca a presença histórica imperial dos anglo-saxônicos que
estamos obrigados a também usarmos o inglês como forma de enlarguecer o poder
de comunicação dos contos para além da órbita do português em tempos de
“globalização”.
Esperamos que
todo esse espaço, dessa bela edição, dos CONTOS CRIOULOS DA BAHIA, com prefácio
de Muniz Sodré e introdução de Juana Elbein dos Santos, concorra para fortalecer
ainda mais a continuidade da tradição africano-brasileira que tem em mestre Didi , Alapini
um de seus mais lídimos e excelsos representantes.
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