domingo, 5 de outubro de 2014

CONTOS CRIOULOS DA BAHIA:UMA HOMENAGEM AO MESTRE DIDI

Por Marco Aurélio Luz, Elebogi   ati Oju Oba

Capa do livro publicado pela Editora Vozes
A tradição africana no mundo se caracteriza por determinadas linguagens e valores constantes fundamentais.Destes, destacamos alguns que nos ajudam a compreender a literatura de Mestre Didi, como, por exemplo, ter a religião como fonte da elaboração da existência se desdobrando como forma de percepção e atuação nas ações cotidianas.
A religião tradicional africana se constitui de dois pilares institucionais. Um é o culto às forças que regem a natureza, o universo, sua cosmogonia, outra é o culto aos ancestres, princípio que rege o aparecimento e a continuação da humanidade. Ambos dinamizam a relação entre o aiyê, este mundo e o orun o além.
     Neste princípio se insere a compreensão e elaboração do ciclo vital, do fluxo dos destinos, e a complexa riqueza da diversidade humana resultante de projeção das distintas forças da natureza e do contínuo ancestral, em infindáveis combinações que constituem a individuação e se perdem desde os inícios dos inícios, na noite dos tempos.
     É dessa infinitude cosmogônica, incluída a sociabilidade humana, que se elabora a filosofia nagô e emerge a literatura dos contos narrados por Mestre Didi.
Mestre Didi no seu atelier criando suas esculturas.
     Na sua maioria os contos fazem parte do acervo oracular do erindinlogun, outros são heranças legadas pelos mais antigos e outros ainda, experiências vividas no contexto de sociabilidade e comunalidade africano-brasileira da qual Mestre Didi, Alapini, é hoje uma liderança exponencial. Cada conto é em si uma lição de vida, sempre no sentido de promover valores, que são constituintes da ética da tradição.
     Aceitação da alteridade, compreensão da diversidade como riqueza da criação, o uso adequado e limitado dos poderes e suas complementações, a percepção do fluxo vital, o perigo da inveja e das onipotências, etc. Enfim, a lição para a humanidade é perceber-se como parte integrante do cosmo e da natureza e saber usar o amadurecimento e a humildade como armas contra o preconceito, a prepotência e a ganância que ameaçam o equilíbrio do planeta no mundo contemporâneo.

Escultura de Mestre Didi
Opa Ossain ati Oxumarê Meji

     Os contos de Mestre Didi, por sua originalidade literária, dão apoio para a continuidade da tradição afro-brasileira, abrindo novos caminhos que enriquecem de modo substancial os valores humanos.
     Neste sentido, também, Mestre Didi destaca-se como fundador de um gênero literário, isto é, ele realiza a transposição da comunicação direta dos itans, dos contos do acervo cultural comunitário para a recriação na língua escrita, estabelecendo um estilo próprio próximo as origens.
     Nesta bem cuidada edição promovida pelo Niger Okan com o apoio da Petrobrás, os contos recebem uma versão tri-língue, em português, yorubá e inglês.
     Mestre Didi, Alapini como membro da tradicional família Asipá se constitui num elo da continuidade histórica do povo yorubá ou nagô na diáspora. Através da religião, fonte de cultura que alimenta a identidade profunda de nosso povo, ele se destaca demonstrando primeiramente que a língua da liturgia há que ser mantida e fortalecida.
     Dentre seus esforços de afirmação, destacamos a publicação na década de quarenta de seu primeiro livro YORUBÁ TAL QUAL SE FALA.
     No contexto litúrgico, o yorubá é instrumento das elaborações de mundo, da comunicação da teologia e das cosmogonias que procuram aplacar a angústia existencial. É a língua que acompanha a linguagem estética dos ritos que magnificam o sagrado.
     O yorubá também é forma de acesso à comunicação com nossos ancestres e ancestrais, ele é instrumento da continuidade civilizatória e cultural africana nas Américas.
     Nada mais pertinente que fortalecer esse elo de comunicação que nos aproxima dos povos da África da tradição, que também sofre por outro lado, as atuações do recalque neocolonial.
     Aliás, por conta desse recalque, que marca a presença histórica imperial dos anglo-saxônicos que estamos obrigados a também usarmos o inglês como forma de enlarguecer o poder de comunicação dos contos para além da órbita do português em tempos de “globalização”.
     Esperamos que todo esse espaço, dessa bela edição, dos CONTOS CRIOULOS DA BAHIA, com prefácio de Muniz Sodré e introdução de Juana Elbein dos Santos, concorra para fortalecer ainda mais a continuidade da tradição africano-brasileira que tem em mestre Didi, Alapini um de seus mais lídimos e excelsos representantes.


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