Em entrevista o professor e pesquisador Ronaldo Martins ilustrador do livro “Obá Nijô o rei que dança pela liberdade” apresenta sua visão, desafios e alegrias ao falar da obra.
Gostaria de começar essa entrevista conversando um pouco sobre a proposta
pedagógica “Agbon Arte, Beleza e Sabedoria Ancestral Africana” que você
concebeu para a disciplina de Artes em escolas públicas de Salvador. Como
nasceu a proposta e como ela foi desenvolvida?
Ronaldo
Martins-Como
artista plástico afro-brasileiro e professor de Artes, eu desejava muito
transmitir a sabedoria que aprendi e desfrutei sobre os ancestrais africanos
aos meus alunos e alunas. Eu queria contribuir para aumentar a autoestima
deles, mostrar para eles que são possuidores de um rico e refinado patrimônio
cultural, ainda vivo na cidade de Salvador. Desejava transmitir aquilo que
aprendi com muitos mestres e mestras, como Deoscoredes Maximiliano dos Santos,
o Mestre Didi, sacerdote do culto aos ancestrais, uma pessoa muito especial,
possuidora de grande conhecimento da cultura dos nagôs na Bahia, que foi a
fonte de inspiração do projeto AGBON.
A proposta foi desenvolvida
quando ingressei no Programa de Descolonização e Educação – PRODESE, do
Mestrado em Educação e Contemporaneidade da UNEB, programa coordenado pela Dra.
Narcimária do Patrocinio Luz. No ano de 2004, quando ingressei no mestrado,
apresentei a proposta AGBON: arte, beleza e sabedoria ancestral africana que
foi aprovada.
O projeto AGBON era composto de uma Oficina de Artes Plásticas coordenada por mim e uma Oficina de Teatro, coordenada pela professora Nicolai Carmo de Brito. O projeto foi realizado de 2004 a 2008, no Colégio da Policia Militar, unidade Dendezeiros Envolveu em cada ano, cerca de 400 crianças e jovens, estudantes regulares do sexto ao oitavo ano do Ensino Fundamental.
O projeto Agbon cerne da dissertação de Ronaldo Martins,tornou-se um livro publicado pela EDUNEB em 2008.
No blog da ACRA você pode saber mais um pouco da publçicação fazendo o link http://blogdoacra.blogspot.com.br/2009/11/agbon-arte-beleza-e-sabedoria-ancestral.html.
Há também uma resenha na Revista TEIAS da UERJ através do link http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php/revistateias/article/view/374
Quais os principais desafios encontrados para desenvolver a proposta
pedagógica Agbon?
Ronaldo
Martins -O
desafio inicial para realizar a atividade na escola que trabalho, o Colégio da
Policia Militar, unidade Dendezeiros, em Salvador, foi encarar a falsa ideia
propagada nas escolas, que associava, naquela época, o patrimônio africano -
musica alimentação, dança, trabalho, medicina - preservado nos terreiros, como
algo inferior. Para superar esse obstáculo procuramos mostrar as crianças,
professores e diretores que longe de tratarmos de algo religioso, os orixás são
arquétipos, símbolos vivos relacionados às atividades humanas: caça, colheita,
tecnologia, medicina e as forças vitais que nos envolvem: o ar, a terra, água,
as árvores e o movimento.
Nas primeiras aulas fiz questão de mostrar aos colegas professores e alunos que certas leituras equivocadas sobre a contribuição civilizatória dos nagôs são fruto do desconhecimento e do racismo. Mostrei que alguns discursos sobre as culturas ocidentais, quando se refere aos deuses retratados na arte grega clássica e na renascença, associado a algo positivo e civilizado, mas, ao tratar de cultura afro-brasileira, infelizmente, a contribuição civilizatória africana é vista como coisa de escravo. Como exemplo, quando se fala em Hermes, relacionado ao movimento, a comunicação, na cultura grega, é visto como algo erudito, mas, se fala de Exu, a força vital, o movimento, a comunicação, infelizmente, é tratado como algo negativo. Puro racismo, um ranço preconceituoso, fruto da falta de estudo e do desconhecimento do outro.
Nas primeiras aulas fiz questão de mostrar aos colegas professores e alunos que certas leituras equivocadas sobre a contribuição civilizatória dos nagôs são fruto do desconhecimento e do racismo. Mostrei que alguns discursos sobre as culturas ocidentais, quando se refere aos deuses retratados na arte grega clássica e na renascença, associado a algo positivo e civilizado, mas, ao tratar de cultura afro-brasileira, infelizmente, a contribuição civilizatória africana é vista como coisa de escravo. Como exemplo, quando se fala em Hermes, relacionado ao movimento, a comunicação, na cultura grega, é visto como algo erudito, mas, se fala de Exu, a força vital, o movimento, a comunicação, infelizmente, é tratado como algo negativo. Puro racismo, um ranço preconceituoso, fruto da falta de estudo e do desconhecimento do outro.
Foto
disponível no blog ARTE AFROBRASILEIRA RONALDO MARTINS iniciativa do próprio
artista. No blog Ronaldo destaca áreas, Arte AfroBrasileira e Educação.
“Em Arte Afro-Brasileira de Ronaldo Martins o enfoque é dado às fotos
dos quadros, esculturas, desenhos e as apreciações críticas publicadas nos
catálogos das minhas exposições. Em EDUCAÇÃO o enfoque é dado a textos de minha
autoria sobre Arte e Educação, Arte Afro-brasileira e Filosofia, disciplinas
que leciono em uma escola publica de Salvador.” Para saber mais visite
http://ronaldomartinss.blogspot.com.br/p/odara.html
Conte-nos sobre a sua aproximação com a história “Oba Nijô o rei que dança
pela liberdade”?
Ronaldo
Martins -Como
uma pessoa comprometida com as questões do povo negro, ao ser convidado por
Narcimária para ilustrar o livro “Oba Nijô o rei que dança pela liberdade”
percebi que estava sendo solicitado a contribuir com minhas habilidades para
que aquela semente crescesse. Interessei-me logo pela bela história e, junto
com outros amigos, convidados para participarem no projeto, me dediquei a elaborar
as imagens.
É o primeiro livro seu como ilustrador para o público infanto-juvenil?
Ronaldo Martins -Não. Fiz um outro chamado a Casa dos Meninos Pássaros que trata sobre as crianças que moravam nas ruas de Salvador e fiz ilustrações para o livro História da Criação na tradição Yorubá.
Como foi o processo de criação/composição das ilustrações do livro?
Ronaldo
Martins -Na
verdade, a história de Obá Nijô é um pouco a trajetória de alguns de nós,
pessoas que, ao perceberem a grandeza da cultura negra, encontram referenciais
de dignidade para se espelhar. Uma forma de ser que busca sintonia com os
outros seres humanos e com a natureza para viver melhor.
A história me encantou porque,
quando jovem frequentava muito Itapuã, que para mim sempre foi um lugar
especial em Salvador.
Lagoa do Abaeté em Itapuã
Foto disponível em http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Lagoa+do+Abaet%C3%A9,+Salvador,+Bahia<r=l&id_perso=6618
Os referenciais de memória, a
experiência que tenho de mais de vinte anos trabalhando com a temática dos
orixás em exposições no Brasil e no exterior, me auxiliaram a perceber o fio
condutor da história e procurar ilustra-la.
Como você se sentiu quando concluiu as ilustrações?
Ronaldo
Martins -Feliz,
tinha consciência que estava em um processo delicado que necessitava
desprendimento, consciência que se está fazendo pelo grupo, pela rica história
do povo negro em Salvador.
Do conjunto de ilustrações do livro “Oba Nijô, qual a que você mais
gosta”? Por quê?
Ronaldo
Martins -Gosto
muito da Feira. Mas a que o garoto dança para a água, me agradou mais. Eu
lembro bem que eu estava trabalhando, minha irmã e meu sobrinho foram lá em
casa. Ele tem quatro anos, fazendo as brincadeiras que toda crianças faz, foi
para a sala, dançou e sorriu como o garotinho que desenhei.
Como professor e pesquisador da cultura africano-brasileira, quais as
principais contribuições do livro “Oba Nijô o rei que dança pela liberdade”
para o público infanto-juvenil?
Ronaldo
Martins -Além de
contribuir para o conhecimento histórico da civilização africana na cultura
nacional, o livro promove a autoestima das crianças afro-brasileiras. Tem a questão do
valorizar o seu lugar e aprender sobre ele, estamos em um momento em que se
deprecia muito o Brasil, a cidade, é preciso estimular as pessoas a conhecer e
valorizar o seu lugar.
O livro pode ser também um ótimo
instrumento para tratar as questões contemporâneas de proteção e cuidado com a
natureza.
No projeto anterior pude
trabalhar com muitas crianças francesas, meninos e meninas que não sabiam nada
de Brasil. Tendo como base a sabedoria afro-brasileira preservada em Salvador,
pude conduzir uma oficina sobre o cuidado com a natureza. Foi ótimo. A
identificação das crianças com a história dos herois africanos, foi imediata. Imagino
que isso poderá acontecer também com o livro “Oba Nijô o rei que dança pela
liberdade”. Agora é agradecer aos ancestrais, a todos os amigos e amigas que
contribuíram com esse lindo projeto e dedicar ao Mestre Didi pela bela
inspiração.
Sobre
o Ilustrador Ronaldo Martins
Licenciado em Desenho e Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia- UFBA, Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pesquisador do PRODESE – Programa de Descolonização e Educação da CNPq/UNEB, professor de Artes, e coordenador do projeto AGBON: arte, beleza e sabedoria ancestral africana, em Salvador. Há cerca de vinte anos Ronaldo Martins vem desenvolvendo estudos e exposições sobre arte e cultura afro-brasileira ioruba/nagô. Em 1989, foi bolsista do CNPq/UFBA e realizou a sua primeira exposição individual de pinturas e esculturas através do projeto “O culto a Oxum em Salvador – Bahia e Oxogbô – Nigéria” que recebeu o Prêmio Jovem Pesquisador da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da UFBA. No período de 1995-1996, foi bolsista da Casa Internacional dos Artistas de Schieder-Schwalemberg na Alemanha, período em que residiu com artistas da China, Rússia, Inglaterra e Alemanha. Em novembro de 2005, Ronaldo Martins, juntamente com seis outros artistas brasileiros, representou o Brasil em exposições itinerantes em diversas cidades francesas no contexto do “Ano do Brasil na França”. Em fevereiro e março de 2009, convidado pelo centro cultural Ludwig-Harms-Haus em Hermannsburg na Alemanha, apresentou a exposição individual Zauber der Fremde. Afrobrasilinische Glaube in der Kunst Bilder von Ronaldo Martins - Magia do outro. O pensamento afrobrasileiro na arte de Ronaldo Martins. Os quadros de Ronaldo Martins fazem parte de acervos privados e públicos no Brasil, Estados Unidos, Suíça, França e Alemanha. Seus trabalhos gráficos ilustram capas e pôsteres de importantes publicações como a capa da Revista EXU nº29/1992 (Salvador-BA) e a Revista ILA nº 155/1993 (Bonn, Alemanha).
Licenciado em Desenho e Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia- UFBA, Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pesquisador do PRODESE – Programa de Descolonização e Educação da CNPq/UNEB, professor de Artes, e coordenador do projeto AGBON: arte, beleza e sabedoria ancestral africana, em Salvador. Há cerca de vinte anos Ronaldo Martins vem desenvolvendo estudos e exposições sobre arte e cultura afro-brasileira ioruba/nagô. Em 1989, foi bolsista do CNPq/UFBA e realizou a sua primeira exposição individual de pinturas e esculturas através do projeto “O culto a Oxum em Salvador – Bahia e Oxogbô – Nigéria” que recebeu o Prêmio Jovem Pesquisador da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da UFBA. No período de 1995-1996, foi bolsista da Casa Internacional dos Artistas de Schieder-Schwalemberg na Alemanha, período em que residiu com artistas da China, Rússia, Inglaterra e Alemanha. Em novembro de 2005, Ronaldo Martins, juntamente com seis outros artistas brasileiros, representou o Brasil em exposições itinerantes em diversas cidades francesas no contexto do “Ano do Brasil na França”. Em fevereiro e março de 2009, convidado pelo centro cultural Ludwig-Harms-Haus em Hermannsburg na Alemanha, apresentou a exposição individual Zauber der Fremde. Afrobrasilinische Glaube in der Kunst Bilder von Ronaldo Martins - Magia do outro. O pensamento afrobrasileiro na arte de Ronaldo Martins. Os quadros de Ronaldo Martins fazem parte de acervos privados e públicos no Brasil, Estados Unidos, Suíça, França e Alemanha. Seus trabalhos gráficos ilustram capas e pôsteres de importantes publicações como a capa da Revista EXU nº29/1992 (Salvador-BA) e a Revista ILA nº 155/1993 (Bonn, Alemanha).
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