Por Marco Aurélio Luz
Em Oba Nijo, O rei que
dança pela liberdade, o livro de Narcimária do Patrocínio Luz nos leva a
dar um passeio pela história da presença do negro baiano na luta pela liberdade
através de um fato, a insurgência e revolta nas armações de pesca de Itapuã no
século XIX, liderada por Francisco admirado como grande dançarino segundo as notícias
oficiais.
Baseado num fato histórico de descrição nua e crua dos
arquivos policiais, o historiador em geral procura historiar o acontecido
“cientificamente” dentro dos cânones materialistas empiristas.
Foto: acervo do autor
Não é esse o caminho de Narcimária para nos contar essa
história que será uma outra história com lindas ilustrações de Ronaldo Martins.
É a história que leva em conta a realidade do universo simbólico afro
brasileiro.
Narcimária Correia do Patrocínio Luz
Foto: Maurício Luz
O universo simbólico é oriundo do pensamento e das formas de
comunicação da tradição africana transposta para a Bahia e para o Brasil.
A religião é a fonte da civilização e das culturas
africanas.
Ojá o mercado ilustração de Ronaldo Martins
Na tradição africana, música, dança, vestuário, paramentos,
emblemas, concorrem para a ação ritual. O bom e o belo são inseparáveis, como
expressa o conceito de ODARA na
cultura nagô. No culto aos orixá as danças, combinações de ritmo e gestos,
simbolizam os princípios do universo que constituem a cosmogonia.
A dança é imprescindível na dinâmica do sagrado. Pés
descalços em contato com a terra, o solo consagrado. Para os nagô, o ¨céu¨ é no chão.
Uma sacerdotisa ou sacerdote grande dançarino, são muito
admirados, pois além de possuírem o dom, o talento ou ¨pé de dança¨, expressam
profundos conhecimentos dos fundamentos e da visão de mundo que constituem as
identidades e identificam o grupo.
Narcimária não se
afasta desse cânone para nos apresentar a história fascinante de Francisco, Obá
Nijo, o Rei da Dança que juntamente com sua mulher e companheira Francisca Ade
Bu Mi lideraram uma luta pela liberdade em Itapuã.
Em seu livro ABEBE, ela já anunciara; “é necessário que o
corpo saia da inércia e vibre com o ritmo do cosmo.”.
Coreógrafo Ismael Ivo
Foto disponível em http://spcd.com.br/depoimento_ismael_ivo.php
O “fato histórico” é envolvido pela imaginação criativa dos
valores e linguagens da tradição afro-brasileira. É a poética que vai
constituir a narrativa de Narcimária. É a atmosfera da alusão à iniciação aos
poderes da religião, que permite a autora embelezar seu texto com encantadoras
fantasias.
Puxada de rede
Foto disponível em http://capoeiraluandae.blogspot.com.br/2009/07/puxada-de-rede.html
É todo um imaginário de encantamento poético que emerge dos
fatos e torna-os mais reais.
Assim a luta pela liberdade deverá se caracterizar também
pelos fundamentos da capoeira; que contém simultaneamente, aspectos de
religião, invocação à ancestralidade, preparação e pedidos de proteção, gestos
rituais, valor da tradição e antiguidade, hierarquia com base nas iniciações,
os nomes simbólicos, o conjunto de música percussiva, o berimbau, o repertório
pertinente das cantigas, a ordem hierárquica da roda, saudações, técnica de
sucessão de golpes baseada na ginga, segredos, mandingas...
Foto: Marcelo Luz
O efeito estético da literatura sublime da autora resultante
de suas emocionantes vivências juvenis em Itapuã se harmoniza sinergicamente com
a beleza das ilustrações de Ronaldo Martins.
Enfim é esse contexto cultural que envolve o texto de
Narcimária que o torna belo e bom, ODARA,
como acontece com as legítimas filhas e mães de Itapuã, mães e filhas da Bahia
e do Brasil.
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