Por Albenísio Fonseca
Cantado em verso e prosa, o mais
emblemático bairro de Salvador ganha o primeiro levantamento sobre as
manifestações culturais, arquitetônicas, sacras e artísticas do lugar com o
lançamento do livro-catálogo “A Cultura Visual de Itapuã”. O evento
acontece nesta sexta-feira, 22, das 18h30 às 21h, na Casa da Música,
no Parque Metropolitano do Abaeté e contará com a participação especial do
grupo As Ganhadeiras de Itapuã, entre outros artistas e convidados.
A abordagem, em texto e fotos da
professora e doutora em Ciência da Educação, Mônica Lemos Bitencourt – docente
da Universidade Estadual da Bahia/UNEB e do Instituto Federal de Educação
Tecnológica da Bahia/IFBA – demonstra o quanto “Itapuã é um museu a céu
aberto”. Na publicação, decorrente de tese de doutorado em “defesa da inserção
da cultura local no desenho curricular das escolas públicas do bairro”, a
pesquisadora proporciona à memória da cidade informações de caráter ‘quase
arqueológico’ que, de todo modo, não se restringem ao local em si, mas para com
toda a secular história da capital, a exemplo da capela de São Francisco,
construída no século XVI no Alto da Boa Vista, na antiga vila de pescadores.
Em artigo publicado recentemente, ao
defender o tombamento deste patrimônio, a autora obteve a adesão da vereadora
Aladilce Souza, líder da oposição na Câmara Municipal, que já requereu o
tombamento deste marco arquitetônico e religioso junto à Municipalidade e a
organismos como o Ipac-Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia e
o Iphan-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O livro-catálogo inaugura a Editora Boa
Ideia com primorosa edição de luxo, bilíngue (português/espanhol), capa dura,
132 páginas e abrange o período de 2009 a 2014. O amplo trabalho de pesquisa
contido na publicação privilegia as mais diversas manifestações culturais,
artísticas, sacras (com ênfase, também, para os terreiros de candomblé),
monumentos arquitetônicos, pinturas, grafites, esculturas, mosaicos,
artesanatos e objetos do cotidiano. O compêndio reúne, ainda, produções
criativas em espaço público de artistas como Carlos Bastos, Calazans Neto,
Juarez Paraíso, Márcia Magno, Bel Borba, Menelaw Sete, Baldomiro, Adauto
Barata, o italiano Giuliano Ottaviani, Manoel Araújo (Basqueteira), Ives
Quaglia, entre outros, em abordagem inédita.
Da estética do sagrado a um complexo de
linguagens
Manifestações culturais tradicionais de
Itapuã, pouco conhecidas dos demais soteropolitanos, como o Bando Anunciador,
Lavagem Nativa e a Lavagem com cortejo de baianas, que marcam a festa do lugar,
compõem, também, o memorial de extrema relevância para história de Salvador
como um todo e do bairro, em particular. Conforme a doutora em Educação
Narcimária Correia do Patrocínio Luz, que faz a apresentação do livro-catálogo,
“além do olhar atento sobre as singularidades de Itapuã transformadas em
imagens, Mônica Bitencourt também não se rendeu ao silêncio sobre a pulsão
criativa que emana, por exemplo, dos ritos africano-brasileiros que culminam
com as oferendas à Yemanjá no mar de Itapuã”.
De acordo com Narcimária Luz, “essa
pulsão criativa também se desdobra na estética do sagrado que estrutura as
comunidades-terreiros nas colônias de pesca, nas ruas, na feira, nos blocos
afros, festas de largo, Carnaval, grupos de samba, todo um complexo de
linguagens e dinâmicas institucionais características de Itapuã, são
cuidadosamente apresentadas pela autora”.
Mônica diz ter buscado contextualizar a
cultura visual enquanto campo de estudo transdisciplinar, híbrido, que se
alimenta, entre outros, dos estudos culturais, a um só tempo indagando como o
universo de imagens, artefatos e manifestações culturais, em Itapuã, afeta o
modo como vemos, como somos vistos e como somos capazes de ver, para além do
bairro, a nós mesmos e ao mundo”. Mesmo ressaltando “não ter a pretensão de
esgotar as abordagens possíveis sobre o amplo patrimônio ali existente”, ela
acentua o “propósito de provocar e valorizar um olhar estético na educação e na
ação pedagógica enquanto inserida na prática social, na medida em que o
livro-catálogo visa contribuir como material a ser utilizado nas escolas”.
Projeção de uma memória coletiva
A doutora em Ciência da Educação pela
Universidad de Cuyo, na Argentina, salienta o quanto “as representações
simbólicas da produção cultural e artística são significativas e fundamentais
na construção da identidade e do conhecimento dos indivíduos no universo dessa
localidade”. Para ela, “a cultura e a arte produzidas localmente em espaços
públicos, no geral, refletem, através do seu simbolismo, a ocupação de um
território e a projeção de uma memória coletiva da sua gente”.
Ela enfatiza, além do mais, que “a
presença de obras de arte nos espaços públicos (ruas e praças) democratiza o
acesso da população a esses bens, antes restrito a exposições em museus e para
públicos privilegiados”. Nesse sentido, Mônica destaca que “Itapuã distingue-se
de outros bairros de Salvador por comportar, em sua cultura visual, produções
de artistas acadêmicos e autodidatas que expressam vínculos históricos e
culturais do lugar, revelando sentimentos e percepções incrustados na cena
cotidiana da cidade”.
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Roteiro
O que: Lançamento do livro-catálogo “A Cultura Visual de Itapuã”, da
professora- doutora Mônica Lemos Bitencourt, pela Editora Boa Ideia.
Quando: Sexta-feira, dia 22 de janeiro, das 18h30 às 21h
Onde: Casa da Música, no Parque Metropolitano do Abaeté
Participação: As Ganhadeiras de Itapuã
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Albenísio Fonseca é jornalista, poeta e compositor