Por
Beta Germano
Conhecido
pelos balés cheios de requebrados, o grupo mineiro se apresenta com elementos
da música e da cultura brasileira.
Saltos
com o corpo solto sem medo do impacto no chão. Ele não trava o movimento. Ao
contrário: volta ainda mais belo e sedutor. Os pés marcam as batidas dos
tambores. Pas de deux e fouettés dão lugar a remelexos de quadril, ombros e
pélvis. São gestos aparentemente simples e repetidos, formando desenhos no
palco e efeitos especiais. Nas vozes de Elza Soares e Juçara Marçal, do grupo
Metá Metá, uma pista: “Parece até que o som do seu cajado ensina o nosso pé...
Mas se não vem no amor ou vem do alto, só gente a gente é. Quem pisou no chão,
quem pisou no céu, quem pisou no caos”. Se o Grupo Corpo criou, em 42 anos, um
vocabulário coreográfico único, cheio de inflexões e reflexões notadamente
brasilianas, e a certeza comum, ao final de cada espetáculo, de que os
bailarinos ganham ar divino no palco, já estava mais do que na hora de compor
um balé dedicado às entidades da umbanda e do candomblé.
Senhor
da energia da transformação e da dinâmica, Exu é quem melhor entende as
questões mundanas, colocando-se como intermediário entre os homens e os
espíritos, e é protagonista de Gira, balé que estreia este mês. Não podia ser
diferente. Uma das figuras mais sensuais das religiões afrodescendentes, ele
encarna nos corpos vigorosos e nos requebrados dos bailarinos.
A
ideia é celebrá-lo e eliminar a fama demonizada que a entidade ganhou na
cultura brasileira. “Um dos nomes de Exu é Bará, que quer dizer ‘rei do Corpo’.
Para os iorubás [um dos maiores grupos étnico-linguísticos da África
Ocidental], Exu é a força dinâmica que move os corpos, é o senhor do caos e do
que ele tem de potente e inovador”, explica Kiko Dinucci, outro integrante do Metá
Metá, que compôs as músicas e contou com a participação de Elza Soares nas
gravações.
Há
novidades na construção deste espetáculo. Os bailarinos nunca saem de cena:
entre um número e outro, eles sentam em cadeiras negras e se cobrem com um véu
do mesmo tom. “Eles ficam em volta de um quadrado iluminado até serem chamados
para participar da festa.
Me inspirei nas atitudes das entidades, mas é
importante dizer que não queremos recriar um terreiro no palco”, afirma o
coreógrafo Rodrigo Pederneiras. Assim, a gira – ritual de incorporação e
conexão com a outra dimensão – só pode acontecer no centro iluminado.
A
outra inovação acontece nos corpos dos integrantes. A arquiteta e figurinista
Freusa Zechmeister colocou todos de saia e torso nu. Apesar de já ter usado
saia nos meninos em Sem Mim e ter vestido macacões semelhantes para eles e elas
em Triz, Freusa afirma que agora quer eliminar qualquer resquício de gênero.
“Gostaria de abolir qualquer identidade – não quero, por exemplo, cabelos
diferentes interferindo no movimento ou revelando quem é cada bailarino. Vou
eliminar a distinção entre homens e mulheres, pois no terreiro todos são
tratados da mesma forma.”
A
maquiagem vermelha nos pescoços garante a dramaticidade do cenário e da
iluminação assinados por Paulo Pederneiras. A cor, somada ao preto dos tules,
vale lembrar, compõe os tons que representam Exu. Se a ocupação do espaço por
Rodrigo e Paulo impressionam, é interessante notar a participação de Freusa. A
roupa e os corpos dos dançarinos são como objetos, elementos decisivos para a
arquitetura do espetáculo e, por isso, ela procura desenhar uma “indumentária
permissora”. “As saias vão dar continuidade e ampliar os movimentos que o
Rodrigo criou”, diz.
No
terreiro, o ritmo acelerado do atabaque e a dança levam à transcendência. Desta
vez, parece que os jogos de cintura e marcações de pé, que já tanto nos
conectou a esses bailarinos endeusados, vão finalmente nos conectar com outra
dimensão e nos ligar a um Brasil em transe.
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Artigo
publicado em Casa Vogue em 02/08/2017.Disponível em http://casavogue.globo.com/LazerCultura/noticia/2017/08/grupo-corpo-estreia-espetaculo-inspirado-em-exu.html.
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