quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

SALGUEIRO NO SEU TERRITÓRIO DE ORIGEM


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Por Oju Oba Marco Aurélio Luz

A Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro em seu desfile, deu uma aula acadêmica explorando seu território de negritude.
Seu enredo focalizou o poder e o mistério da mulher, especificamente da mulher negra, as primeiras que deram início a saga da humanidade desde a África.
A Cabaça ventre fecundado
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O mistério e o poder de transformação de seu corpo gerando filhas e filhos, e sua capacidade de alimentá-los, está representado logo do início do do enredo, pela simbologia da grande cabaça de onde surgem primeiramente óvulos fecundados com embriões e depois se espraiam mulheres segurando seus nenén

As mães com seus neném
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O enredo segue apresentando a presença da mulher negra africana em várias fases das histórias das civilizações.
Lindíssimos trajes e alegorias ilustram o esplendor do Egito negro faraônico, berço das civilizações. Apresenta a presença da mulher no poder faraônico e também como deusas na mitologia e na religião.

Deusas e rainhas no Egito Antigo
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O poder das mulheres no Egito negro faraônico
Foto de Alexandre Durão disponível na Internet
O enredo se desenvolve com a sucessão de alas apresentando vários reinos de forma exuberante onde se destacam a presença feminina, como as Candaces, rainhas e guerreiras do reino da Núbia e Kush, a importância da rainha de Saba que encantou o rei Salomão.

Guerreiras e rainhas na antiguidade negro africana 
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Outra ala apresenta a rainha Nzinga Ngola Bandi Kiluanji, para nós a rainha Ginga que manteve o reino do Ndongo independente, enfrentando o colonialismo português no século XVII. Nzinga a “Rainha Invisível” como chamavam os portugueses por suas táticas de guerra, é enaltecida ainda mais, porque o quilombo dos Palmares é um desdobramento dessas lutas. Akotirene, Dandara, Aqualtune, que se destacam no “reino” do Palmares representam as mulheres libertárias na luta contra a escravidão.

Guerreiras libertárias
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Outras  mulheres heroínas se destacam nessa luta de libertação e afirmação, como Luíza Mahim na revolta Malê de 1835 na Bahia e Maria Felipa nas lutas de independência da Bahia em Itaparica.
A presença significativa das mulheres na reposição das tradições religiosas africano- brasileiras ganha destaque em magnífica alegoria.

 Gelede culto às ancestrais femininas é apresentado. No Brasil destacou-se a alta sacerdotisa Iyalode Erelu Maria Julia Figueiredo. As Iya Mi Agba as mães ancestrais se apresentam na forma de corujas, grandes passaros, peixes, sereias, metade mulher metade peixe ou pássaro, morcegos...
Foto de  Alexandre Durão.Imagem disponível na Internet

Gelede, escultura ritual do culto as mães ancestrais originário da cidade de Ketu.
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 Desde a religião se desdobra a contribuição da mulher negra para sua pujante presença na cultura brasileira.
A imprescindível ala das baianas, homenagem permanente as fundadoras do mundo do samba.
Foto de  Alexandre Durão.Imagem disponível na Internet
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O desfile de esplendor e beleza exuberante engrandece o carnaval brasileiro e foi merecedor de uma premiação. 






















terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

VAMOS CHAMAR O VENTO?




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Por Narcimária C.P. Luz
A descolonização nos obriga a pensar radicalmente o lugar em que estamos, pensar a partir das nossas raízes, das histórias que envolvem os nossos antepassados. Só podemos nos fortalecer e compor projeções de futuro que deem dignidade as gerações sucessoras, se imprimirmos atitudes e iniciativas que estabelecem novas fronteiras de pensamento para além do déjà vu da ditadura midiática ou, parafraseando Muniz Sodré, para além do “monopólio da fala”.
Uma propaganda de perfume recente, tem a música “O Vento” (1949) de autoria de Dorival Caymmi como fundo. Dois personagens solitários ilustram a narrativa:  uma mulher caminhando pelas dunas com uma roupa esvoaçante solta ao vento, e um rapaz no mar fazendo manobras de windsurfe.
Para além do exótico, folclórico e turístico é necessário alertar as gerações que não tiveram a oportunidade de verem florescer a obra de Caymmi ao longo das décadas, que “O Vento” perde a sua significância, pois é retirado do contexto simbólico africano-brasileiro que ele carrega. “O vento” que integra as canções praieiras de Caymmi, assim como as demais canções, nos permite conhecer narrativas que contam as histórias do viver cotidiano das populações negras, que têm o mar como referência essencial para organizar seus vínculos comunitários.

Foto de Narcimária Luz
“Vamos chamar o vento/ Vento que dá na vela/ Vela que leva o barco/ Barco que leva a gente/ Gente que leva o peixe/ Peixe que dá dinheiro/Curimã ê, curimã lambaio ...”

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O vento entoado por Caymmi, soa como uma oração que apela para as forças cósmicas que regem o universo, imprimindo movimento na vela do barco construído num esforço coletivo de pescadores, que entram no mar para extrair o alimento que vai prover a comunidade. 

Caymmi com pescadores em Itapuã
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O mar e seu entrelaçamento com a correnteza dos rios, repercute na organização da pesca através dos princípios femininos do panteão nagô: Iemanjá e Oxum.

Foto Narcimária Luz


O que queremos chamar atenção, é que “O Vento” que Caymmi chama e nos ensina a escutar, carrega o  riquíssimo repertório que os pescadores utilizam para classificar os peixes, observando seu comportamento e/ou natureza, seus habitats, os ciclos de migração e reprodução, a teia alimentar, informações sobre temperatura e luminosidade na água que podem interferir na pesca, as fases da lua, a tábua das marés, além da culinária, da presença e poder  feminino no contexto da pesca, etc. – que são descritas com a propriedade de quem herdou o legado dos mais velhos africanos na lida com o mar.

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Estamos nos referindo as formas e códigos da comunicação milenares, cujas relações simbólicas riquíssimas são carregadas de elaborações emocionais, transcendentais, primordiais à experiência humana com seu meio ético, social e cósmica.

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A seguir vídeo que apresenta Caymmi interpretando "O vento"








domingo, 4 de fevereiro de 2018

CANÇÕES QUE ROMPEM FRONTEIRAS



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Por Narcimária C. P. Luz
Algumas questões que vêm afligindo as sociedades contemporâneas submetidas as relações de prolongação neocolonial que geram violências de toda ordem: guerras, fome, perdas territoriais, destruição da natureza, pobreza crônica, mortalidade infantil, institucionalização de políticas genocidas, e a desigualdade social que mapeia o planeta.

Contemporaneamente, distintas comunalidades tradicionais de vários países têm tomado para si, a iniciativa de aplacar as angústias que têm comprometido o direito à existência das suas crianças e jovens, gerações que representam o futuro dos povos. Mas não é fácil erguer espaços institucionais que assumam tais condutas políticas, porque essas iniciativas têm que lidar, frequentemente, com a falta de recursos e incentivos de toda sorte.

Aqui, cabe mencionar os artigos 19 e 20 da Carta Africana de 1976, elaborada em Argel, no âmbito de um Congresso voltado para aprofundar questões sobre o direito dos povos: “Todos os povos são iguais; eles devem gozar do mesmo respeito e ter os mesmos direitos. Nada justifica a dominação de um povo sobre outro; Todos os povos têm direito ‘a existência”

No documento que trata do “Novo Contrato entre Cultura e Sociedade”, apresentado no IIº Congresso Internacional Cultura e Desenvolvimento, realizado em Havana, em junho de 2001, a UNESCO  afirma que  “o desenvolvimento supõe a capacidade de cada povo para informar-se, aprender e comunicar suas experiências um número cada vez maior de mulheres e homens deseja um mundo melhor, perseguindo não apenas a satisfação das necessidades fundamentais, mas a possibilidade de convivência solidária com todos os povos. Seu objetivo não é a produção, a ganância, o consumo, mas a plena realização individual, coletiva e a preservação da natureza”

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Assim, não ter como passar incólume face a experiência de assistir os vídeos de músicas do Playing for Change (Tocando para a mudança). Gratificante!
O Playing for Change Foundation é um movimento criado em 2002, através de um projeto multimídia que se alimenta da música, como um canal poderoso de diálogos em prol da paz e o respeito entre as nações.

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As músicas selecionadas e a capacidade de reunir excelentes músicos de distintas civilizações, imprimem nas canções, interpretações primorosas que emocionam e comunicam mensagens de paz, amor, solidariedade, respeito e dignidade. Para isso, são consideradas as histórias e as dinâmicas territoriais que   caracterizam o viver cotidiano das populações da África, Américas, Caribe, Oceania, Ásia e Europa.
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A estrutura, forma e conteúdo do projeto multimídia Playing for Change, apela para uma estética original convidando-nos a lidar com músicas que envolvem as simbologias características do imaginário de distintos povos.  Impressiona também, o encontro entre gerações de músicos de vários países, cantando valores que comunicam de forma admirável a transcendência do viver. É possível sentir o afeto e criatividade que envolvem todos os vídeos, através das vozes daqueles/as que assumem as interpretação das canções que constituem a identidade profunda de muitas sociedades. A música “La Tierra Del Olvido” (2015) por exemplo, é uma bela ilustração da cultura do povo colombiano contando com a participação de palenques, extensão do contínuo africano nas Américas.
"La Tierra Del Olvido"
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Outras interpretações excepcionais recriadas a partir dos valores de comunidades tradicionais, e constituem convites valiosos que nos levam a viajar no tempo: “Guantanamera” (1963) e “Pata Pata” (1967). Essas são canções que lembram uma época marcada pela atmosfera de transformações políticas e socioculturais fundamentais nos anos 1960. 

Canção Guantanamera
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Miriam Makeba em  "Pata Pata"
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Arrogância, prepotência, ganância, ignorância, narcisismos e preconceitos, encontram em várias canções, o apelo para a superação do ódio que oprime e mata gerações.  Assim é War (1976) de Boby Marley, com músicos e intérpretes do Congo, Israel, Irlanda, África do Sul, Estados Unidos, Índia que cantam de forma uníssona, comunicando a urgência de uma ética que favoreça o direito a existência dos povos que sofrem o genocídio institucionalizado.
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Como disse John Lennon em Imagine(1971): “Você pode dizer que sou um sonhador, mas não sou o único. Tenho a esperança de que um dia você se juntará a nós e o mundo será como um só... Imagine todas as pessoas compartilhando todo o mundo.”
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Apesar da mediocridade que tende a reger as sociedades contemporâneas, o sonho continua nas canções que incentivam uma ética do futuro baseada na paz e no direito coletivo dos povos.
A seguir vídeos que ilustram as "canções que rompem fronteiras"