sexta-feira, 27 de setembro de 2019

PROGRAMA DESCOLONIZAÇÃO E EDUCAÇÃO- PRODESE


Logo do Programa Descolonização e Educação
 Criação/concepção de Marco Aurélio Luz
                                       Por Narcimária Luz  

Em 1998, concebemos no Departamento de Educação do Campus I o Programa Descolonização e Educação-Prodese,cujo logo foi criado pelo escultor Marco Aurélio Luz.O logo vem estampado nas capas do ciclo das publicações SEMENTES Caderno de Pesquisa, canal editorial próprio do  Programa institucionalizado em 2000 na UNEB. 
Sobre o logo,é importante destacar sua simbologia.Observem os triângulos. Eles formam o machado duplo, símbolo de sociabilidade 2+1=3,o casal mais um, continuidade ininterrupta da existência, princípio do orixá Xangô, complementado pelos pequenos círculos que contém as três cores básicas da existência: branco, preto e vermelho, existência abstrata, mistério, sangue circulante. Duas flechas, simbologia da origem da humanidade, emblemas de Odé o caçador. Dois arcos complementar o ofá, arco e flecha, e também alusão ao berimbau, instrumento básico da capoeira, ícone da liberdade. Coluna de triângulos, losângulos, simbologia dos machados duplos sustentando a sucessão contínua do existir.
No Prodese, reunimos ao longo dos anos pesquisadores/as mobilizados/as para produzir ideias e iniciativas que removam os entulhos ideológicos característicos de determinadas geografias conceituais, a exemplo do recrudescer de análises reducionistas sobre alteridade e diversidade cultural, que recuperam perspectivas do final do século XIX e início do século XX. 



Seminário  Ètica da Coexistência,dinâmicas Territoriais e Comunalidades/2001
Mesa Mémória e Continuidade 
Da direita para esquerda Pedro Garcia,Marcos Terena.
Sincretismo, mestiçagem, “laboratório racial” no dizer de Gilberto Freire agora reeditado, saturam vários espaços acadêmicos, inclusive aqueles dedicados à formação de educadores. Apesar das nossas críticas a essas ideologias, ainda encontramos classificações etnocêntrico-evolucionistas sobre as projeções educacionais das comunalidades africano-brasileiras tratando-as como essencialistas, holísticas,exóticas,românticas,híbridas,mutantes,classificadas como pensamento “não científico”, deformando, apequenando e encobrindo os valores do nosso patrimônio cultural.

Mesa de abertura do Seminário  Ètica da Coexistência,dinâmicas Territoriais e Comunalidades/2001Da direita para a esquerda Gilca Assis,Manoelito Damasceno,Maria José Palmeira e Narcimária Luz

Esses repertórios conceituais em voga, geralmente reprodução de contextos radicalmente distintos da nossa realidade, se estabelecem como um “manto de ferro”, censurando de modo perverso a nossa alteridade civilizatória.
Nesse contexto teórico-ideológico, a rejeição possui inúmeros aspectos, é o terreno onde se constrói o apartheid ideológico[1], onde derivam os preconceitos e os estereótipos.

Painel Ética da Coexistência,dinâmicas Territoriais e Comunalidades/2001A esquerda Juana Elbein dos Santos e à direita Joel Rufino dos Santos

No sistema oficial de ensino, a onipotência do conhecimento e a pura abstração que envolve a ciência,se vale da crítica,condenação e o combate incessante aos discursos míticos e filosóficos. Acrescente-se ainda que por sua vez o discurso científico cada vez mais visa atender as demandas da tecnologia e essa, por sua vez as demandas do produtivismo industrial, de estimulação militarista, fator de acumulação incessante do capital financeiro, uma ordem de valores bem distinta das elaborações sobre o mistério do existir constituinte dos demais discursos, especificamente em outros contextos culturais.5
Conferencistas e pós-graduandos/as do Programa de pós Graduação em Educação e Contemporaneide que participaram do evento em 2001.

O mais decepcionante dessa constatação é a sujeição voluntária de muitos educadores aos discursos que denegam a possibilidade de afirmação do princípio de ancestralidade que dinamiza o estar no mundo de muitas comunalidades de base africana e aborígine nas Américas. Este tem sido o nosso maior desafio: penetrar nesses espaços institucionais oficiais e tentar (des) recalcá-los e (re) aproximá-los do nosso solo de origem.
Professores Marco Aurélio Luz e Samuel Vida colaborando com a disciplina Epistemologia Africano-brasileira e Educação(2003)
Numa entrevista o Professor Márcio Nery de Almeida pesquisador do PRODESE, indagou-me: “Como e porque surgiu o PRODESE-Programa Descolonização e Luz, Marco Aurélio. Entrevista concedida a coordenadora do PRODESE em outubro de 2007 Educação?”
Respondi:
Como forma de ação para expandir novos valores e linguagens emergentes da civilização africano-brasileira na educação. O Prodese não foi uma escolha. Foi uma precisão, um caminho necessário para exatamente transitar, caminhar por territórios outros, “casa alheia” sem ter de perder a identidade, sufocada por uma educação neocolonial. Identifico-me com o campo semântico prenhe dos princípios que caracterizam a ancestralidade africano-brasileira. Então quando apelo para o princípio de ancestralidade estou me referindo aos princípios inaugurais da existência que irão constituir a fundação de territorialidades, famílias, instituições, comunalidades, modos de sociabilidades, inclusive modos de produção, enriquecidas por valores éticos e estéticos que asseguram a continuidade de civilização africana. A ancestralidade carrega os princípios masculinos e femininos da existência e se perde na noite dos tempos. (Luz, N. 2007, p.35-46)


Atividades do Prodese no auditório do Departamento de Educação I Uneb

Pois bem, a equipe Prodese dedica-se a apurar essas abordagens e apontar um outro continente teórico-epistemológico que transcenda as fronteiras do recalque e legitime nossas origens



Atividade do Prodese no auditório o Departamento de Educação I Uneb
Ao centro Nilma Lino Gomes e Raphael Vieira Filho coloborador e parceiro nessa atividade em 2012

O PRODESE integrou até 2015 o Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, e ao longo desses anos fomos compondo parcerias importantes que nos abriram vários canais para divulgarmos nossas produções, a exemplo: Ministério da Cultura Fundação Biblioteca Nacional-(Rio de Janeiro-Brasil)onde tivemos oportunidade de participar do Programa de Bolsas para Autores em Obra em Fase de Conclusão com a obra “Itapuã;portal da nossa ancestralidade afro-brasileira” desdobramentos da nossa pesquisa no âmbito do Pós-Doutorado na Escola de Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Evento de comemoração dos 70 anos de Muniz Sodré  na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro/2012.
Da esquerda para a direita Raquel Paiva,Muniz Sodré,Márcio Tavares do Amaral e Narcimária Luz

Destacamos também a nossa relação com o Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro(Brasil) junto à equipe do Drº Muniz Sodré Conselheiro da Revista Sementes,desenvolvendo iniciativas comuns no campo da Comunicação e Cultura especificamente das comunalidades africano-brasileiras;outra importante parceria é a Alliance pour um Monde Responsable, Pluriel et Solidaire (França) juntamente com a Rede Mundial de Artistas em Aliança espaços em participamos como animadores culturais desde 2001, e na Bahia o projeto de Extensão Dayó nos representa junto à essas Redes e Alianças; Université Renée Descartes Paris V Sorbonne através do Centre d'Études sur l'Actuel et le Quotidien(França) sob a coordenação do professor Michel Maffesoli, Conselheiro da Revista Sementes, publicação do PRODESE. 

Pesquisadoras do Prodese Austrelina dos S. Ferreira e Rosemeire Rufina dos Santos num  encontro com Michel Maffesoli em Salvador em 2005 entregando exemplares do Sementes.

O professor Michel Maffesoli tem acolhido as solicitações de nossos/as pesquisadores/as para realização de curso de Doutorado e Estágio Pós-Doutoral; ACRA - Associação Cultural Crianças Raízes do Abaeté (Ponto de cultura do MINC em Salvador-Bahia-Brasil) e o 


Grupo Capoeira Abolição em Oxford-Inglaterra e também na África do Sul sob a responsabilidade do Mestre Luís Negão,são organizações que intercambiaram com as iniciativas do nosso projeto de extensão DAYÓ.



[1] Conceito de Marco Aurélio Luz nas suas obras dedicadas a dinâmica da civilização africano-brasileira




sexta-feira, 20 de setembro de 2019

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO PLURICULTURAL- NEP

Por Narcimária Luz                                                           

Evento "Palmares Hoje" em novembro de 1994
Da esquerda para a direita:Ivete Sacramento,Sandra Bispo,Dilma Evangelista,Narcimária Luz,Regina Celi,Rita Vieira
Acervo Narcimária Luz
A concepção do NEP nasceu no âmbito das nossas atuações como professora no curso de Pedagogia da FAEEBA em 1994 em que tentávamos exaustivamente estabelecer abordagens e apontar um outro continente teórico-epistemológico que transcendesse as fronteiras do recalque e legitimasse nossas origens.
Na época, envolvidos pela tese de Doutorado, que desenvolvíamos na Universidade Federal da Bahia fomos instigados a elaborar uma proposição política de Educação, e optamos em enfatizar o campo da Pluralidade Cultural e Educação.
Procuramos elaborar um documento, preocupado em fornecer elementos significativos para a estruturação de um Núcleo de Educação Pluricultural na UNEB, que pela sua dimensão multicampi absorvia com muita pertinência a perspectiva política que pretendíamos inaugurar.



Assim, delineamos as características do NEP, as motivações e/ou razões para implantá-lo, suas proposições epistemológicas, estatuto e as atividades para compor sua dinâmica.
Compartilhamos posteriormente a proposição política de Educação Pluricultural para vários colegas da UNEB, que acolheram com entusiasmo e tornaram-se parceiros da iniciativa. O NEP foi um espaço institucional muito interessante. Conseguíamos reunir e intercambiar com os colegas professores e pesquisadores de toda a UNEB, e de outras instituições da Bahia, Brasil e exterior. Na época, o NEP foi considerado uma iniciativa pioneira no cotidiano das Universidades brasileiras. O objetivo geral do NEP pelo seu caráter transdisciplinar e multicampi foi de promover e desenvolver atividades de estudos, pesquisas, ensino e extensão, que estivessem ancoradas na dimensão pluricultural de Educação característica da formação social brasileira.
Foi um ciclo de vivências científico-acadêmicas muito ricas! Realizávamos reuniões quinzenais e nelas íamos desenhando e realizando atividades que ainda repercutem na nossa UNEB como veremos adiante.

Auditório do Ceteba no Campus I da Uneb
Vale à pena destacar o Seminário comemorativo dos 300 Anos do Quilombo de Palmares. O tema explorado pelo NEP foi: “Palmares Hoje” e se desdobrou numa publicação importante que organizamos para o Jornal A Tarde através do Caderno Cultural cujo redator-chefe foi Florisvaldo Mattos. Aliás, é bom registrar aqui que foi o primeiro caderno temático do jornal,repercutiu muito bem e fomos parabenizados por Florisvaldo Mattos pela abordagem do tema desenvolvido.


Maria de Lourdes Siqueira e Jônatas Conceição
A publicação dos artigos elaborados por professores/as pesquisadores/as do NEP para compor o Caderno Cultural serviu como material didático e referências de estudos para professores/as da Rede Pública e particular como tivemos a oportunidade de constatar posteriormente nas nossas atuações como palestrantes, conferencistas,etc.
Prosseguimos e, em 1996, tivemos a iniciativa até então inédita no Brasil, de organizar um livro reunindo personalidades exponenciais no campo da Pluralidade Cultural e Educação, nomes como: Marco Aurélio Luz, Muniz Sodré, Marcos Terena, Elisa Larkin Nascimento, Kabengele Munanga entre outros colaboraram conosco. 



A publicação do livro em parceria com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia foi considerada muito ousada, já que na época essa questão não era tratada devidamente pelos espaços institucionais oficiais.


sexta-feira, 13 de setembro de 2019

AINDA ASSIM EU ME LEVANTO


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 MAYA ANGELOU

Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.
Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.
Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.
Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minh’alma enfraquecida pela solidão?
Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.
Pode me atirar palavras afiadas,
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.
Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
Porquê eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?
Da favela, da humilhação imposta pela cor
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.
Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.

domingo, 1 de setembro de 2019

PINDORAMA, BRASIL, ILÉ-AXÉ


Imagem disponível na Internet
500 Anos Depois a Terra está em Perigo[1]

Por Marco Aurélio Luz
No momento que se realiza a ECO Rio 92, e se mobiliza de forma inusitada tantos representantes de povos, nações e governos de diferentes partes do mundo, somos motivados a refletir sobre as origens de um processo, em que estamos todos inseridos, e que ora culmina na necessidade de uma reunião de tal porte para se pensar: “Como salvar o planeta!?”
Salvar, porque há ameaças para a vida humana, cessadas as fontes de suprimento das necessidades dessa espécie, por conta do desgaste do ecossistema do qual faz parte, principalmente os povos do hemisfério norte, hoje praticamente dependentes do que permanece no hemisfério sul.
Procuraremos responder, sumariamente, ao porque chegamos a esse ponto indagando sobre as origens, isto é, os pontos de ancoragem epistêmica em que se fundam as civilizações, de onde se desdobram os valores pelos quais se organizam, produzem e agem em todos os sentidos aqueles que as integram.
Tentaremos ilustrar com alguns mitos fundamentais, os paradigmas de formas de vida estabelecidos nas civilizações que constituíram nossa nacionalidade, ou seja, as ameríndias ou aborígenes, as europeias e as africanas.
Começaremos a nossa abordagem pela mais nova e terminaremos com as mais antigas.
A arkhé, ou ponto de ancoragem da civilização europeia, se concentra nos princípios originários das culturas greco-romana e judaica.
Tomaremos como referência a ideia de um movimento pendular desta civilização onde, de um lado, situam-se princípios prometeicos, e de outro lado, dionisíacos. Os primeiros se desdobram do mito trágico de Prometeu, que roubou o fogo de Zeus, e entregou aos homens, pagando por isto o castigo de ficar acorrentado nos penhascos, entregue a sanha dos abutres.
Como narra o mito, é dessa forma que o fogo vem parar na mão dos homens nas elaborações da cultura europeia. Um poder divino usurpado, que promove o conhecimento e o desenvolvimento tecnológico, e que envolve uma forma determinada de organização social, voltada para sua promoção.
Por outro lado, os princípios dionisíacos estão assentados sobretudo na comunhão ou reunião da polis, para compartilhar sentimentos e paixões características ao culto à fertilidade da mãe terra, pródiga e misteriosa natureza, que aplaca a angústia existencial num estar junto comunal, segundo alguns sociólogos, origem da sociabilidade.
O Renascimento marcará a predominância pendular dos princípios prometeicos, ajustando princípios judaicos e cristãos às inspirações imperiais romanas, promovendo novo ciclo de conquista de territórios e povos para além do continente europeu em busca do “caminho das índias”, alcançando a extensão litorânea dos continentes africano, americano e asiático.
O livro do Gênesis 1, 28, 29, base da cultura judaica, erige referências em relação à natureza ajustada ao impulso prometeico... crescei e multiplicai-vos, e enchei a Terra, e tende-a sujeita a vós, e dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra. Disse-lhes também Deus: Eis, aí vos dei eu todas as ervas, que dão as suas sementes sobre a terra; e todas as árvores, que têm suas sementes em si mesmas... para vos servirem de sustento a vós...
Consequentemente, vive-se um sistema de vida em que se pode dizer, segundo José Carlos Rodrigues[2], que “200 milhões de americanos consomem e poluem mais do que o fariam 5 bilhões de índios.”
New York city
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O princípio prometeico se combinou não só com a ideia de “povo eleito por Deus” do judaísmo, mas também com os valores ascéticos da noção de pecado incorporado pelo cristianismo, a sua vocação catequética e evangélica; a percepção do outro como “pagão” portador do pecado original a ser convertido. Portanto, a negação do direito à alteridade própria.
A predominância de princípios prometeicos sustentou a tensão de repressão às pulsões dionisíacas, aos princípios femininos envolventes do mistério da mãe terra; e, por outro lado, estimularam a vocação patriarcal, fálica, conquistadora e avassaladora que caracteriza a bacia semântica dos valores de organização social da modernidade.
A chamada “era dos descobrimentos” está assentada nesses princípios. O estímulo ao desenvolvimento científico-técnico-militar proporcionava as grandes navegações que deram início ao processo de acumulação de poder e riqueza à Europa. Onde houvessem territórios ocupados por “pagãos”, a igreja católica asseguravas aos cristãos a legitimidade de sua ocupação bélica, garantia de exploração de trabalho e das riquezas naturais.
São Paulo e os automóveis
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O que se segue nesses quase quinhentos anos de predomínio dos princípios prometeicos, e chega até os nossos dias, é o mercantilismo, o colonialismo, o tráfico escravagista e a escravidão, a exploração exaustiva e poluição da natureza, o imperialismo, guerras e genocídios...
Bomba atômica sobre o Japão, IIª guerra mundial 
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Tudo isso está representado condensadamente pela acumulação de capital ou dinheiro, forma abstrata de valor que caracteriza o poder hegemônico daquelas nações que impulsionam este processo derivado dos princípios prometeicos que englobam também a bacia semântica dos positivismos.
São Paulo Rio Tietê poluído
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Mas deixemos nossa herança europeia que sustenta as bases do paradigma prometeico-positivista do Estado brasileiro, “ordem e progresso”, e passemos a nossa herança aborígine.
Bahia caboclo da independência,o dono da terra.
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Um mito de vários povos, especificamente os Nambikwara, narra como o fogo foi parar nas mãos da humanidade.
Povo Nambikwara
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O tio levou o sobrinho pela primeira vez à floresta para caçar. Logo, ele avistou no alto de uma rocha um ninho de araras. Colocou um tronco encostado na pedra e falou para o sobrinho subir e lançar lhe os ovos.
Chegando no ninho, o sobrinho teve dó dos filhotes e se negou a fazer o que o tio pedia. Este, depois de insistir um pouco se aborreceu, e tirando o tronco deixou o sobrinho pra lá. Foi então que apareceu a arara, vendo o menino perto do ninho não gostou, protestou, fazendo cocô em cima dele e causando tanto alvoroço que chamou a atenção da onça que por ali passava. Esta, vendo o menino naquela situação resolveu ajudá-lo, colocando o tronco, para que descesse e levou-o para sua casa. Lá chegando, preveniu-o do mal humor da sogra e deu-lhe o arco e a flecha para se defender e foi-se mata a dentro.
O menino viu a sogra da onça comendo um moqueado de carne. Depois que ela comeu, ele que estava com fome, resolveu se servir da carne que já estava muito assada e na sua boca fazia nhec, nhec, o que irritou a onça. Ela começou a rosnar mostrando os dentes.
Foi então que ele lançou uma flecha e fugiu levando um tição com fogo. Caminhou, caminhou, até que se deparou com a aldeia. Surpreendidos com o fogo, os guerreiros lhe indagaram, e cientes de tudo foram até a toca da onça, onde pegaram todo o fogo, passando de uns pros outros, de mão em mão, trazendo para a aldeia.
Uma pequena brasa que restou o sapo cuspiu e apagou, de modo que
foi assim que, só a humanidade detém o uso do fogo.[3] 
Crianças aborígines 
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Meditando sobre a história, a antropologia nos indica ser uma representação e elaboração dos limites entre sociedade e natureza, envolvendo o processo de iniciação-socialização, que faz do menino um adulto, diferenciando-se da natureza, integrando-se às regras de cooperação e convivência social.
Xingu
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Povo Matipu
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Moitará
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Mas o que desejo ressaltar é que o fogo, neste contexto, pode representar a pulsão da sociabilidade, o estar junto em volta da fogueira compartilhando sabedoria e emoções, a harmonização de convivência social humana, e a diferença da espécie, o cru e o cozido...
 Guerreiros Kalapalo
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Esta satisfação comunal está distante dos valores individuais da mítica do self made man, dos heróis à Marco Polo que caracterizam o ideal de ego prometeico do processo civilizatório europeu, da mítica tecnológica, em que um pode destruir milhares, como o piloto que lançou a bomba atômica em Hiroxima...
Hiroxima durante a IIª guerra mundial
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Mas avancemos em torno de outra herança, a dos povos africanos que para aqui vieram trazidos pelo tráfico escravagista, principal fator econômico do mercantilismo das Companhias das índias.
Um ditado nagô afirma: “Kosi ewe, Kosi orixá”, sem folhas não há
orixá, não há existência. O conto “Odé e os Orixá do Mato”[4] narrado em livro por Mestre Didi, Alapini, adaptado por ele para um auto coreográfico, se tornou a peça principal da experiência de educação pluricultural da Sociedade de Estudo da Cultura Negra no Brasil – SECNEB, denominada Mini Comunidade Oba-Biyi.
Festival da Mini Comunidade Oba Biyi. Odé e os Orixá do Mato, de Mestre Didi. 
Bahia, 1980.
Foto M. A. Luz
O conto narra que uma vez um famoso caçador, possuidor de poderes extraordinários, certo dia não conseguiu um só bicho. Pior é que nos dias que se seguiram também, até que seus suprimentos acabaram e ele teve que retornar da mata.
Então ele foi direto consultar o babalawô – pai do mistério – para saber o que se passava na floresta. Cabia então ele oferecer aos pés de Iroko, Gameleira Soube que a razão de tudo era que havia muito tempo que ele nada sagrada, uma oferenda de fumo, aguardente e mel, e pedir ao orixá sua proteção para devolver-lhe seus poderes.
Depois de ter pago ao babalawô e feito as oferendas prescritas ao pé de Iroko, logo apareceram vários bichos a sua volta. O caçador se pôs a caçá-los, e eufórico foi matando a todos que apareciam, arrastando-os para uma choupana improvisada.
Exausto e com fome, escolheu uma ave abatida para assar. Foi quando, de repente, apareceu um pinto molhado.
O caçador ficou perplexo e assustado quando o viu, e mais ainda quando ouviu uma voz saindo do fundo da mata:
Estevão, Estevão...
O pinto respondia:
– Oi, home.
– Venha e traga os outros.
– E ele também?
– Ele deixa pra depois.
Em seguida, ele foi chamando um por um a todos os bichos, que seguindo o pinto se adentraram pela mata.
O caçador, apavorado, pegou o que lhe restava, a ave assada e seus pertences, dizendo que jamais voltaria à mata, e foi para a cidade.
Mitos milenares da tradição africana no Brasil nos alertam o que pode acontecer com o abuso dos poderes. O mistério que envolve a existência, a restituição, a renovação, a continuidade e expansão.
 Pedra de Xangô
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O mistério que envolve a existência, a restituição, a renovação, a continuidade e expansão.

Oferenda ao orixá Oxum.
 Pintura de Januz, Januária Avelina Correia do Patrocínio. 
Foto M.A. Luz
Na origem de sua denominação, nosso país é concebido como Santa Cruz e logo Brasil, demonstrando que os valores do mercantilismo se sobrepuseram aos religiosos que legitimaram a conquista europeia pelo Papa.
No contexto mercantilista, o pau-brasil, matéria-prima para manufatura europeia, hoje está praticamente extinto.
Árvore  Pau Brasil
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Será essa, inexoravelmente, nossa vocação. Território de exploração de matéria-prima para enriquecimento dos europeus na Europa ou nas Américas, em detrimento de sua própria população; país que não cessa de exportar o que tem progressivamente. 



Imagem disponível na Internet
E, os europeus agora começam a se perguntar, e se extinguir-se essa fonte de alimento e energia, como ocorreu com o pau-brasil, e pior, com a biodiversidade em seus próprios territórios?!
Desmatamento na Amazônia
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Estará na hora de refletirmos sobre a adequação do nome Brasil, resultante do paradigma mercantilista positivista dos tempos modernos, agora em crise, no alvorecer pós-moderno das preocupações ecológicas, tendências dionisíacas!?
Poderíamos então sugerir Pindorama, a terra das Palmeiras, como denominaram aqueles que aqui estavam quando da chegada dos europeus.
Ou ainda Ilê Axé, terra de axé, de dinamização dos princípios cósmicos que regem o universo, característico dos valores de nossa herança africana. 
Opo Baba Nla Wa
Bahia, monumento em homenagem à ancestralidade africana de Mestre Didi Asipa Alapini
Foto M.A. Luz
Ou ainda numa homenagem aos princípios o universo e aos povos fundadores do território, simplesmente Amazônia, você sugere, você decide...

Cacique Raoni
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[1] Ensaio publicado no Caderno Cultural do Jornal A Tarde, 1992.Publicado também no livro Cultura Negra em Tempos Pós-Modernos.Salvador:EDUFBA, 3ª edição 2008.Vale ressaltar que este ensaio inspirou a concepção do Programa Descolonização e Educação e seus desdobramentos institucionais na Graduação,Pós-graduação,atividades de pesquisa e extensão da Universidade do Estado da Bahia-Uneb.
[2] Rodrigues, José Carlos. O Tabu da Morte, Achiamé, Rio de Janeiro, 1983, p. 247.
[3] Cf. Melatti, Júlio César, in Mito e Linguagem Social, Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1970.
[4] Cf. Santos, M. Deoscoredes, Mestre Didi, in Identidade Negra e Educação, Ianamá, Salvador, 1989