sexta-feira, 5 de setembro de 2025

AQUARELAS SEMÂNTICAS QUE COMUNICAM A SINGULARIDADE A OBRA/EPISÓDIO 4

Por Narcimária Luz


Selo comemorativo

Criação Marcelo Luz

 

A singularidade da obra Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira reside, sobretudo, na implosão que o autor provoca com os limites positivistas, valorizando, a partir daí, as narrativas míticas da tradição africana como fonte da pujança do contínuo de civilização.

Sobre isso, Marco Aurélio desenvolve reflexões importantes e  decisivas para quem se propõe a fazer uma imersão no Agadá.

Numa dessas reflexões ele afirma:

O mito para nós, portanto, não somente se constituirá, na presente tese, no principal discurso capaz de transmitir a especificidade da concepção de mundo constituinte do processo civilizatório negro-africano, bem como sua forma própria de comunicação, mas também, terão papel revolucionário de procurar retirar-nos da ditadura da pretensa eficiência de "racionalidade" do discurso científico para que se possa acordar e sair do pesadelo daquela "paisagem de cogumelos atômicos".(1)

 

Goya Lopes, "Fundo do mar"

Imagem disponível em https://www.premiopipa.com/2024/04/hanayra-negreiros-apresenta-exposicao-com-narrativas-entre-as-artes-visuais-e-a-moda/

  E mais:

Somente o mito poderá falar das diversas dimensões do existir característico da cultura negra, onde o Ser é, e o não Ser também é: o mundo dos vivos, o existir dos ancestrais, as forças cósmicas que governam o universo. Esse mundo e o além, em processo de interação permanente. Em suma, o mito é o discurso capaz de representar a vida e a morte, o tudo e o nada, o pleno e o vazio, o visível e o invisível, o dito e o inefável, o mistério da existência ...”(2)


Imagem disponível https://blog.jumpinbed.com.br/cachoeiras-do-rio-de-janeiro/


 E ainda:

É o mito que se constitui no discurso capaz de elaborar e realizar o reconhecimento da alteridade, dos outros e do Outro, ao contrário da ciência totalitária, que querendo explicar tudo, muito fala e pouco ou nada diz.”(3)

 


Awon xekere kekere pequenas cabacinhas adornadas.

O Xekere é importante instrumento sagrado na religião nagô.


 Essas reflexões nos convidam a entrar na cadência do pensamento  poético e rítmico do autor, e trazer um pouco do universo simbólico africano-brasileiro que conduz as aquarelas semânticas da obra.

No universo simbólico nagô, há uma grande espiral mítica ligada aos feitos de Exu Yangi, orixá representado por uma pedra (laterita) inaugural, de onde tudo se desdobra para o infinito e reflete toda a dinâmica que energiza a vida promovendo a expansão de   civilização envolta a comunicação entre Aiyê(mundo dos vivos) e Orun (o além).

 




Laterita

https://pt.dreamstime.com/rocha-laterita-sobre-fundo-branco-ou-tijolo-vermelha-%C3%A9-um-tipo-de-solo-causado-por-material-decaimento-chamado-processo-image180001928

  Essa espiral também está representada por uma concha que tem uma estrutura, que se desenvolve formando um desenho espiralado, que vai imprimindo movimentos à medida que a concha cresce expandindo a sua crosta.



Okotó

Foto Narcimária luz

Esses símbolos espiralados de expansão, movimento, crescimento, dilatação, ampliação e extensão caracterizam a dimensão mítico-cósmica que rege a filosofia nagô e nela, um dos seus itans, que faz referência à origem de Exu Okòtò. Esse itan conta a façanha de Exu Okótó com Orumilá que adquiri, a capacidade de tornar-se múltiplo, amplificado, prolongado, expandindo os elos da espiral no orun, o além.

 


Estampa Exu de Goya Lopes

Criação feita para o afoxé Bandarere de Belo

Horizonte ,que em 2020  homenageou Exu.

Imagem disponível em https://www.facebook.com/goya.lopes/photos/a.329896253819238/1723352914473558/?_rdr

 

A imagem dessa grande espiral “(...)desperta no seu interior a pulsação de movimentos dos quais se desdobram redes de alianças comunitárias, comunalidades. Nessa grande espiral, entrelaça-se a origem das cidades, compondo em seu traçado urbano elos de ancestralidade, cosmogonias, hierarquias, instituições, organização territorial, famílias, linhagens, grupos sociais, enfim uma vida social em que circula a dinâmica da existência, o ciclo vital que constitui morte, vida, nascimento, renascimentos, descendência.”(4)

 


Okotó

Foto Narcimária luz


Para que a espiral se expanda e irradie a dinâmica da complementação harmoniosa dos múltiplos e diferentes aspectos do existir, as células comunitárias instituem ritos de sociabilização que se caracterizam por cerimônias, celebrações, obrigações, ritualizações, condutas comportamentais prescritas por valores e linguagens características do patrimônio civilizatório que alicerça a espiral.


Imagem disponível em https://br.freepik.com/imagem-ia-premium/uma-concha-espiral-com-uma-ponta-pontiaguda-e-padroes-intrincados-fica-em-uma-superficie-de-madeira-rustica_312795932.htm

 

Através dos ritos de sociabilização, as pessoas passam a pertencer e serem dignas de respeito e admiração de todos os membros da sua célula comunitária, assumindo vínculos sociais que comunicam sua identidade própria e lhes dão acesso à hierarquização de poderes na dinâmica da espiral. São os ritos de sociabilização característicos das comunalidades tradicionais que constituem a dinâmica da formação social brasileira.

 


Aldeia Demini, Terra Indígena Yanomami, Amazonas

Preparando a pupunha para festa

Foto: Kristian Bengtson, 2003

Imagem disponível em https://img.socioambiental.org/d/373345-1/103_0302.jpg


Para a compreensão da dinâmica da espiral, Okòtò, é importante pensar que a fundação de uma cidade tem como ponto de origem o mercado e em torno dele vem o palácio, em torno do palácio se reúne as famílias, linhagens, hierarquias sacerdotais e política e assim vão se criando os elos que dão pulsação a espiral, que vai crescendo e expandindo vínculos de sociabilidade que organizam a vida das cidades.

Ilê Ifé é um exemplo dessa dinâmica de expansão de civilização que teve desdobramentos transatlânticos significativos, influenciando os modos de organização das territorialidades africano-brasileiras.

 

Linhagens no entorno do afin palácio do Alafin em Oyo.

A família Asipá constitui uma das sete linhagens fundadoras de Ketu e é originária de Oyo.

 

Assim, a espiral Okòtò, desenha a circularidade de um tempo e espaço singular que funda o traçado urbano das territorialidades, a dramatização da vida enfim, histórias humanas.

Todo um complexo de conhecimentos espiralados que permitem que cresçamos, juntos, através de um forte laço comunal, tornando-nos uma das células dessa espiral. Parafraseando Maffesoli (2007) [7], a prevalência daquilo que nos liga ao outro.

 


Espiral em expansão
Foto Narcimária Luz

Assim propus a metodologia compreensiva durante o ciclo de vivências na graduação e pós-graduação, primeiro por considerar que ela nos indica uma espiral imaginária, cuja estrutura é espontânea; segundo porque ela nos lança ao encontro de outras epistemes vinculadas às alteridades civilizatórias que dão pulsão e sabor às atividades de pesquisa que nos sempre propomos a realizar.

Na nossa convivência com Muniz Sodré, aprendemos que é preciso pensar radicalmente o lugar onde você está. Você só muda a partir da sua comunidade. Você só se universaliza a partir da sua territorialidade.

Caruru (2022), de Goya Lopes.

Serigrafia em tecido 100% algodão e impressão digital sobre tela.

Imagem disponível em https://www.sescsp.org.br/editorial/uma-saga-afro-atlantica-exposicao-no-sesc-pinheiros-e-inspirada-no-livro-um-defeito-de-cor/


Ler e estudar Agadá é ousar a fazer o exercício de aproximação da espiral que caracteriza o PENSAMENTO AFRICANO BRASILEIRO.

É uma obra que floresceu através do pensamento espiralado que cresce e se expande como uma gestação, que liga a origem e o devir, a origem das comunalidades e as experiências coletivas que as constituem.

Assim, o Agadá, dinâmica da civilização africano-brasileira através da metodologia compreensiva promove um exercício exaustivo de uma arqueologia das ideologias, revisando criticamente conceitos e descrições identificando os obstáculos ideológicos, colocando-as numa outra perspectiva que desestruture e/ou desestabilize o racismo velado das grandes narrativas da abordagem histórica que detêm o monopólio autocrático da suposta “verdade” que vem sustentando as metodologias da pesquisa universitária.

 


Monumento em homenagem a August Comte criador do positivismo evolucionista na praça da Sorbonne Paris V.

https://paris1900.lartnouveau.com/paris05/places/place_de_la_sorbonne.htm

 

 Celebrar os  30 anos da obra Agadá, é reconhecer o valor do pensamento espiralado africano-brasileiro que se mantêm aceso e pulsante junto as gerações que através da leitura da obra, aprende a valorizar as narrativas comunais e suas insondáveis dimensões que envolvem, por exemplo: os mitos, ciclo do tempo, as dinâmicas de sociabilidade e, no interior delas, a multiplicidade de histórias individuais e coletivas, os valores e linguagens que organizam instituições, territorialidades, hierarquias, finalmente expandem conhecimento.

 


Agemo o camaleão símbolo do conhecimento e sabedoria

Capa do livro Pensamento Insurgente,2018/Edufba  criação do designer Marcelo Luz

 

Mas para além do universo mítico-simbólico da civilização africano-brasileira e toda a riqueza que o caracteriza, o livro se propõe também a sublinhar, que o elo mais forte do sistema colonial mercantilista escravista europeu foi o capital financeiro, e nele a atividade mais rentável era o tráfico escravista, que caracterizava a pedra angular do triângulo comercial Europa, África e América.

 

Tumbeiro (2022), de Goya Lopes.

Serigrafia em tecido 100% algodão e impressão digital sobre tela.

Imagem disponível em https://www.sescsp.org.br/editorial/uma-saga-afro-atlantica-exposicao-no-sesc-pinheiros-e-inspirada-no-livro-um-defeito-de-cor/

 

Por outro lado, o livro nos leva a perceber que o elo mais fraco desse sistema era o próprio tráfico escravista, que proporcionava a incessante vinda dos africanos para as Américas.

Esse fato propiciou a expansão constante da insurgência de africanos nas Américas, a exemplo de fatos históricos como Palmares, independência do Haiti , os grandes quilombos da Jamaica, Cuba e, principalmente, a luta de afirmação existencial cotidiana do povo negro, inviabilizando a acumulação mercantil escravista.

 


Opa Exin ati Eiye Meji
Escultura de Mestre Didi 
Foto M.A. Luz


As populações negras são apresentadas no livro como sujeitos coletivos da história, que interferem diretamente no fim do tráfico e da escravatura, além de repor, nas Américas, suas comunidades e instituições, baseadas em seus valores, linguagens e formas de sociabilidade das suas diversas tradições

É importante destacar a coexistência do contínuo civilizatório africano com as civilizações fundadoras das Américas, marcando as diversas formas de enfrentamento dessas populações.



Culto aos ancestrais, troncos adornados para o ritual Kuarup

Imagem disponível em https://conexaoplaneta.com.br/blog/o-kuarup-em-uma-aldeia-waura/

 

 

Agadá aprofunda a perspectiva que trata da tensão entre os valores etnocêntrico-evolucionistas que regem a sociedade oficial as comunalidades africano-brasileiras e os povos originários, demonstrando, que é no seio dessa tensão que se dá a dinâmica histórica das formações sociais nas Américas, para além do paradigma das lutas de classe.

 

Exú Lonan o Asiwaju o que vai a frente abrindo os caminhos.

Escultura de Marco Aurélio Luz

Foto: Otun Elebogi

 


Essas tensões se caracterizam pelo colonialismo e seus desdobramentos estratégicos, como: catequização, políticas genocidas, políticas de embranquecimento, repressão, recalque; por outro lado, há insurgências negras e dos povos originários pela afirmação existencial e coletiva dos seus patrimônios civilizatórios. Assim, essa luta envolve, portanto, formas geralmente desprezadas pelos cientistas sociais, ou seja, uma dinâmica na microfísica do poder, rotulada como "cultura", que abarca as tentativas de impor valores e políticas de abandono para atender os interesses dos Estados transnacionais.

 


Ekun meji dois leopardos símbolo de poder e nobreza africana

Escultura de M.A.Luz

Foto Hans Olubi

 

 

É de suma importância ressaltar aqui, o repertório semântico que Marco Aurélio semeou nas Ciências Humanas e Sociais, permitindo as gerações sucessoras o uso de noções, categorias e conceitos que hoje fluem de forma leve e escorreita, fortalecendo argumentações teórico-epistemológicas essenciais, a exemplo de: processo civilizatório africano-brasileiro, continuum civilizatório, ancestralidade, ideologia do recalque, dimensão lúdico-estética, Odara, pluralidade cultural, akpalô, alteridade civilizatória, apartheid ideológico, ancianidade, comunalidade, pedagogia nagô, dialética nagô, estética do sagrado, dinâmica vivido-concebido, dimensão estética africano-brasileira da educação episteme africano-brasileira, ética comunitária, genocídio neocolonial, hierarquias comunais, identidade profunda, obstáculos ou entulhos teórico-ideológicos,      filosofia nagô,   política de embranquecimento, pedagogia do embranquecimento, patrimônio civilizatório, sociabilidade africano-brasileira e outras tantas noções geradas através do pensamento africano-brasileiro.


Mulheres e crianças Yanomami colhem folhas para transformar em timbó, substância que utilizam para a pesca.

Imagem disponível em https://survivalbrasil.org/povos/yanomami


Também é bom frisar que nem sempre essas noções, categorias e conceitos são aplicados com a devida ética exigida, omitindo o seu teor profundo, negligenciando a referência, a fonte, a qual é o Agadá de Marco Aurélio Luz.

Sobre essa negligência, mais uma vez recordo do saudoso Professor e amigo Dalmir Francisco, alertando-nos sobre o uso indevido do rico manancial de noções, categorias e conceitos contidos no Agadá elaboradas por Marco Aurélio Luz.

 Em 2005, o Programa Descolonização e Educação organizou, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade do Departamento de Educação Campus I na Universidade do Estado da Bahia, uma palestra dedicada aos 10 anos do Agadá, na ocasião o Professor Dalmir Francisco contribuiu de modo valioso sobre a importância do Agadá. Na oportunidade, Dalmir alertou:

“Fico muito chateado ao ver pessoas usando os conceitos de Marco Aurélio extraídos do Agadá, sem ter o zelo acadêmico de informar a fonte de onde os retirou.”


Dalmir Francisco(primeiro à esquerda da foto) saúda os tambores Bata do terreiro de Pai Adão no Encontro do INTECAB

Foto M A Luz

Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira magnifica a episteme africana, abrindo perspectivas de afirmação do princípio de ancestralidade que dinamiza o estar no mundo de muitas comunalidades portadoras de sabedorias milenares.

Sendo assim, ouso afirmar que o Agadá é um SAMBA!

 


Desfile da Acadêmicos do Grande Rio em 2022 com o enredo  homenageando Exú.

O ator e dançarino Demerson D’Álvaro dramatizando Exu

Imagem disponível em https://portalpopline.com.br/exu-grande-rio-primeiro-titulo-carnaval-carioca/

 

Samba enredo e samba de roda!

É samba, porque nos vincula à identidade profunda da civilização africano brasileira, gerando um bom enredo que convida a formação de uma grande roda que se expande como uma espiral.

Os sambas se tornaram legendas na história do Brasil por várias razões: a primeira por contar os modos de insurgência das populações negras e sua competência para fundar territorialidades que recusam o recalque à sua alteridade civilizatória; a segunda pela poesia que nos emociona e nos leva a dramatizar por meio da dança e da ginga as situações que carregam a pulsão de sociabilidade africano-brasileira.

 

Samba de Roda

Ganhadeiras de Itapuã

Imagem disponível em https://todabahia.com.br/funceb-abre-inscricoes-para-projeto-mapa-musical-da-bahia/ganhadeiras-itapua-samba-roda/

 

Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira é o samba de roda, que traz o movimento da espiral Okotô, pois tem a síncopa, cadência, ritmo e poesia que expande a história e complexidade da civilização africana.

 É samba, porque   nos permite compreender o universo simbólico mítico africano brasileiro e dele, aprender sobre como as comunalidades africano-brasileiras repuseram suas tradições, instituições e sociabilidades, mantendo com dignidade o legado das/os antepassados/as, características essenciais no exercício do direito à nossa alteridade civilizatória.

 


Morro da Mangueira

Voz das comunidades

Imagem disponível em https://vozdascomunidades.com.br/favelas/morro-da-mangueira-recebe-primeira-edicao-do-cinema-sobe-o-morro/

 

Alvorada lá no morro/ Que beleza/ Ninguém chora/ Não há tristeza/ Ninguém sente dissabor/ O sol colorindo é tão lindo/ É tão lindo/ E a natureza sorrindo/ Tingindo, tingindo” (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Belo).

Agadá nos chama atenção para a necessidade de transcender o discurso geográfico, mensurável e estático que, esquadrinhando os espaços, diz o que é, e o que deve ser o “morro”.

O morro aqui é uma metáfora! Em cena estão todas as territorialidades no Brasil imantadas pelo patrimônio de valores e linguagens africano-brasileiras.

 

Cartola na comissão de Frente da Escola de Samba da Mangueira

Imagem disponível em https://comissaodefrente.blogspot.com/2012/04/nossa-historia-cartola-mangueira-1978.html

 

“Podem me prender/ Podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião/ Daqui do morro/ Eu não saio, não” (Zé Kéti).

De um lado, a geografia e o traçado urbano eminentemente africano-brasileiro com suas instituições e hierarquias; de outro, o asfalto (parafraseando Marco Aurélio Luz) com a sua a geografia civilizatória racista e seu traçado urbano asséptico produtivista, voltado para a acumulação de capital.

 


Morro e asfalto, contraste da afirmação secular dos valores africanos-brasileiros que, em espiral, nos liga à Rainha Nzinga dos reinos de Ndongo e Matamba, e seus desdobramentos em Canudos no início do século XX.

Imagem disponível em https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/historia-brasil-favelas-cariocas.phtml

 

Todos os sambas que destaquei falam das tensões e conflitos entre a singularidade africano-brasileira e as políticas genocidas e de abandono que desencadeiam uma dinâmica da violência que vem ceifando a vida de milhares de homens, mulheres, crianças e jovens.

“Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/ Quero mostrar ao mundo que tenho valor/ Eu sou o rei do terreiro/ Eu sou o samba/ Sou eu quem levo a alegria/ Para milhões de corações brasileiros/ Salve o samba, queremos samba/ Quem está pedindo é a voz do povo de um país/ Salve o samba, queremos samba/ Essa melodia de um Brasil feliz” (Zé Kéti).

 



Zé Kéti compositor do samba A Voz do Morro

Imagem disponível em https://www.cartacapital.com.br/cultura/ze-keti-a-voz-do-morro-que-ocupou-o-asfalto-nasceu-ha-100-anos/

 Toda a abordagem que o Agadá Dinâmica da Civilização Africano Brasileira nos apresenta carrega o ritmo, cadência, poesia e também as histórias extraordinárias que o samba nos conta.

Aqui vale lembrar a preciosa expressão de Nei Lopes no prefácio da 5ª edição do Agadá ao se referir a Marco Aurélio como um “herói fundador”.

 É necessário fazer esse registro!

 


Awon Agbé e Caxixi

Arte de Narcimária luz

 Por fim, insisto aqui em afirmar: a contribuição desse clássico, Agadá, dinâmica da civilização africano-brasileira exalta o pensamento africano, abrindo perspectivas de afirmação do princípio de ancestralidade que dinamiza o estar no mundo de muitas comunalidades na Bahia, portadoras de sabedorias milenares, nos permitindo a compreensão da África e sua expansão transatlântica nas Américas e Caribe a partir do repertório recriado aqui, tornando-o visceral em nossas vidas.


REFERÊNCIAS

[1]  OJO, Afolabi. Yoruba Palaces, a Study of Afins of Yorubaland. Londres:University of London Press 1966, p. 71

[2]LUZ, Marco Aurélio. Agadá, dinâmica da civilização africano-brasileira.Salvador:Edufba,1995.

[3] Idem op cit.

[4] LUZ, Narcimária. Por uma metodologia compreensiva. In:LUZ, Marco Aurélio; Luz Narcimária (Org)Pensamento Insurgente, direito à alteridade, comunicação e educação. Salvador, Edufba,2018.

LUZ, Narcimária. Ritos De Sociabilização Enciclopédia Intercom de Comunicação. – São Paulo: Sociedade Brasileira De Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010.

MAFFESOLI. Michel. O Ritmo da Vida: variações sobre o imaginário pós-moderno. Rio de Janeiro: Record,2007.