terça-feira, 10 de dezembro de 2013

MESTRE DIDI EDUCADOR CONTEMPORÂNEO PARTE 2


Por Narcimária Correia do Patrocínio Luz

 É no âmago do desejo de Mãe Aninha de ver no futuro as crianças da comunidade de anel no dedo e aos pés de Xangô, que Mestre Didi  ,implanta  no Brasil, particularmente na Bahia, a primeira experiência de educação pluricultural, Mini Comunidade Oba Biyi, que se desenvolveu de 1976 à 1986 ancorada nos princípios e valores do patrimônio milenar africano reposto e recriado no Brasil. Aqui se inscreve a proposta de educação da Mini Comunidade Oba Biyi, que pode ratificar, e de certa forma atender o desejo de Mãe Aninha. Esse nome em sua homenagem caracterizou, uma pequena comunidade (mini) que reuniu crianças dos 3 meses de idade aos quatorze anos. Oba Biyi, era uma forma de homenagear o nome sacerdotal nagô de Eugênia Anna dos Santos.

                          Mestre Didi inspirador e criador da Mini Comunidade Oba Biyi
Foto M.A.Luz               
 A proposição de uma educação no contexto desse desafio é promover uma linguagem pedagógica que estabeleça uma relação dinâmica entre os valores sociocomunitários da tradição, e os códigos da sociedade oficial, exigindo e assegurando nesta relação o direito à identidade própria. Assim,se instala no âmbito da Mini Comunidade Oba Biyi, uma estratégia  para  no contexto da modernidade, formar pessoas capacitadas para  interagir com os códigos da sociedade industrial  e reforçar ao mesmo tempo os valores da comunalidade africano-brasileira.De anel no dedo e aos pés de Xangô,  é procurar superar os obstáculos, que se institucionalizaram na África e no Brasil, e em outros países ex-colonizados através da pedagogia eurocêntrica.
De anel no dedo aos pés de Xangô,  é a possibilidade de uma educação em que nossas crianças aprendam a lidar com o repertório de códigos da sociedade eurocêntrica, mas utilizando-os como estratégia de legitimação da alteridade civilizatória africana; no caso, conquistando espaços institucionais, e neles fincar, recriar e expandir também, o repertório de valores da tradição africano-brasileira.
Outra pessoa que conversamos sobre a concepção espaço-temporal da Mini, foi Marco Aurélio Luz que participou  também da coordenação da experiência de educação no período de 1978 à 1985.
“A forma de comunicação básica da Mini, não se assentava na escrita. A forma de comunicação dava margem aqueles códigos tradicionais de comunicação da comunidade, que se manifestavam através da dramatização, dança, música, etc. Mas, em relação a linguagem pedagógica, especialmente, esse espaço propiciava essas formas de comunicação. A Mini foi concebida com um grande salão, um pátio e uma varanda. Não se caracterizava com salas de aula, carteiras, com aquele mobiliário sobredeterminado pela escrita, com aquela prancheta, com obsessão para caderno, lápis, livro, e a criança diante do quadro-de-giz, e o professor na frente. Esse espaço dava outra dinâmica. Tinha salão de atividades por centro de interesses, onde se desenvolvia atividades com as turmas do prontidão, os professores começavam as atividades e a criança poderia circular de um centro de interesse para outro e vice-versa. No pátio e na varanda aconteciam as aulas de alfabetização. Nessa varanda tinha uma grande mesa com os bancos, mantendo a característica do mobiliário da comunidade, e um quadro-de-giz presente nas aulas de alfabetização. No pátio se desenvolvia a música, dança e dramatizações.”

Autocoreográfico Chuva dos Poderes de Mestre Didi
 Foto M.A. Luz

Projetou-se um espaço que abrigasse uma comunidade infantil, uma casa com o estilo da Bahia, com telhas, varandas, pátio, um amplo salão. A concepção de um espaço livre para as crianças explorarem e desenvolverem todos os sentidos do corpo, não havia bancos e carteiras, era um espaço permeado pela estrutura do terreiro, onde as atividades e/ou aprendizagem ocorressem ao ar livre ou no salão.  Tinha também uma cozinha grande, banheiros e vegetação na área externa.
Marco Aurélio Luz comenta ainda que
“(...) houve um “curto-circuito”, porque aí também se definiu problemas de poder, e esse discurso vinha querendo sedimentar o poder dos professores e coordenadores, que eram considerados “de fora” pelas crianças, querendo ter o poder sobre eles. E de acordo com as crianças, esses professores nada sabiam da linguagem da comunidade, , dos valores que eles achavam que sabiam mais do que aquelas pessoas. E como também na comunidade o poder está ligado a uma hierarquia religiosa e comunitária, as pessoas que chegam não sabem, não tem lugar, não tem posto, não tem poder, e aí estava a fricção de poderes.”
O saber que vinha da universidade, da academia, das Secretarias de Educação, se chocavam profundamente com o saber da comunidade, representada pelas crianças que não aceitavam a imposição de saberes “de fora”, isto porque, elas já tinham sido rejeitados pela escola oficial justamente por isso. Como elas achavam que a Mini Oba Biyi era delas, que era um espaço feito para elas, daí a fricção e ou “curto-circuito” como bem mencionou Marco Aurélio.
Se instalou então o desafio da Mini constituir uma equipe, um GTE que elaborasse o luto de não saber, abandonar os paradigmas pedagógicos vigentes, e tentar abrir caminhos para a alteridade, ouvir o outro, tentar perceber e dar espaço para que o outro se colocasse, criasse, ocupasse uma linguagem, proporcionando a aceitação das partes ou melhor na dinâmica “da porteira pra dentro da porteira pra fora”.
A comunidade infantil Oba Biyi, não era uma comunidade religiosa, e sim de desenvolvimento integrado da criança. A parte religiosa era cuidada pela família e a comunidade-terreiro.
A Mini Comunidade Oba Biyi teve o seu currículo envolvido pela linguagem pluricultural expressa nos contos milenares da tradição africana. Esses contos recriados por  Mestre Didi, promovia e afirmava as  formas e modos  de comunicação da comunidade caracterizadas pela cultura de participação.
A concepção e linguagem socioeducativa  estimulada por  Mestre Didi, estava relacionada a dinâmica civilizatória da tradição nagô, de onde ele procurava inspiração para gerar o cotidiano curricular da Mini, influenciando, determinando códigos, refletindo de tal modo que não excluísse a identidade das crianças.
Os contos legado da tradição, são os itans e fazem parte de sistemas oraculares.Alguns contos o Mestre Didi criou, e são encontrados em alguns de seus livros a exemplo de Contos Nagô, Contos Negros da Bahia e Contos de Mestre Didi.

Dramatização do conto de Mestre Didi Odé e os Orixá do Mato
     Foto M.A.Luz
Para elaborar a dinâmica curricular da Mini através dos contos, o GTE se reunia no início de cada semestre com os professores e funcionários, estabelecia a temática e procuravam com Mestre Didi um conto que atendesse, representasse e/ou ilustrasse o tema escolhido. Neste processo as crianças também participavam.
Assim foram realizadas várias dramatizações a exemplo de: Odé o Caçador e os Orixás do Mato; A Chuva dos Poderes; A Filha do Arco-íris; O Presente de Xangô a Boa Menina; A Vendedora de Acaçá; A Fuga de Tio Ajayí dentre outros.             Eram nos Festivais da Mini Comunidade Oba Biyi, que por sinal tinham muita repercussão, que se culminava o semestre. Nesta ocasião eram exibidos os trabalhos das crianças relacionados a temática do semestre, expondo-se o que elas selecionavam, apresentando as peças de teatro ou autocoreográficos, músicas, danças, figurinos, cenários.
Exposição de artes durante o Festival da Mini Comunidade Oba Biyi
Foto M.A.Luz        
Os Festivais da Mini Comunidade Oba Biyi reuniam  a comunidade-terreiro, pessoas do bairro, deixando a área cheia de gente que vinha assistir os trabalhos. Vinham convidados de instituições de fora também, proporcionando um intercâmbio. As confraternizações eram acompanhadas sempre por um lanche, momento , que proporcionava a coesão grupal, o compartilhar de emoções e sentimentos, o religare.

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