segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

AGADÁ, DINÂMICA DA CIVILIZAÇÃO AFRICANO-BRASILEIRA



Capa da 3ª Edição do clássico livro 
Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira
de Marco Aurélio de Oliveira Luz



                                                                  Por Narcimária C.P.Luz

A Editora da Universidade Federal da Bahia lançou essa semana a 3ª edição do livro Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira, de autoria de Marco Aurélio de Luz.
Esse grande clássico das Ciências Sociais, originou-se da tese de Doutorado do Professor Marco Aurélio no âmbito da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro defendida em outubro de 1989.

Professor Marco Aurélio defendendo a sua tese na UFRJ

A banca de Doutorado da esquerda para a direita Professores/as Márcio Tavares do Amaral,Ivone Maggie,o orientador da tese Carneiro Leão,Patrícia Birman e Muniz Sodré.
Acompanhando a defesa no auditório estão as professoras Helena Teodoro e Narcimária Luz.

Professor Marco Aurélio defendendo a sua tese na UFRJ.
Na mesa compondo a sua defesa, uma das suas esculturas Exu Odara

Após a conclusão do Doutorado,o professor Doutor Marco Aurélio Luz foi para a França dedicar-se ao Pós-Doutorado na Université Paris Descartes – Sorbonne, Centre D’Etude Sur L’Actuel et le Quotidien-CEAQ  sob a coordenação do Professor Michel Maffesoli.
O CEAQ  realiza  pesquisas com foco internacional, principalmente aquelas dedicadas às  novas formas de sociabilidade e a imaginação em suas diversas formas
No CEAQ o professor Marco Aurélio colaborou através de diversas atividades de pesquisa,publicações e palestras.


Professor Marco Aurélio  numa visita a biblioteca da Sorbonne

Professor Marco Aurélio apresentando uma das suas pesquisas no auditório Èmile Durkheim na Sorbonne


 Auditório Èmile Durkheim na Sorbonne



 Michel Maffesoli,Marco Aurélio e Narcimária Luz  no auditório Èmile Durkheim na Sorbonne



 Uma das abordagens desenvolvidas pelo Professor Marco Aurélio na Sorbonne foi publicada na Revista Sociétés.O ensaio apresentado foi "Arkhé et Axexé:les communautés afro-brésiliennes,ethos,langage et identité"

De volta para o Brasil,em 1995 o livro Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira é publicado pela EDUFBA,tornando-se um dos livros mais lidos e citados na ambiência científico-acadêmica no que se refere a abordagem sobre o contínuo civilizatório africano nas Américas.
Agadá integra também,  o acervo de bibliotecas brasileiras e de instituições de estudos e pesquisas internacionais.


Marco Aurélio autografando o livro Agadá na noite de lançamento em 1995


Mãe Celina no lançamento do Agadá que aconteceu no Centro de Estudos Afro Orientais-CEAO 

Prestigiaram o lançamento o saudoso e querido Mestre Didi e seus netos herdeiros do seu legado na tradição africano brasileira SrºAntônio Carlos dos Santos Oloxedê  Nilê Asipá e Cátia Dos Santos Osi Babadaraô NiIlê Asipá




                                      Professor Narciso prestigiando o lançamento

                                           Em destaque França dos NEGÕES

     Narcimária e Marco Aurélio no lançamento do Agadá

Em destaque na mesa a escultura do Oxê Xangô 

Após essa breve retrospectiva sobre o clássico AGADÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira,passaremos a abordar a seguir aspectos que comunicam a força do pensamento desenvolvido por Marco Aurélio Luz.

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AGADÁ e o Programa de Descolonização e Educação-Prodese.


Nosso propósito aqui é aproximar os/as educadores/as de uma das obras mais importantes produzidas no Brasil sobre a civilização africana e seu contínuo nas Américas, refiro-me a “AGADÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira”, de autoria de Marco Aurélio Luz, obra muito citada, pois se tornou alicerce para diversos estudos e pesquisas de muitas gerações nas universidades brasileiras.
A obra AGADÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira, é um dos principais lastros teórico-epistemológico da equipe de professores-pesquisadores do PRODESE-Programa Descolonização e Educação, e pelas contribuições que vêm alicerçando nossas iniciativas resolvemos apresentar nesse espaço, aspectos que demonstram o quão necessário é atuar na área de Educação, com maturidade de conhecimentos vinculados às comunalidades africano-brasileiras, e é sobre isso que trata de modo especial o livro AGADÁ.


 Esculturas  em madeira de Marco Aurélio Luz 
Exposição organizada pela equipe PRODESE sob a curadoria do professor e artista plástico Ronaldo Martins
Hall do Departamento de Educação do Campus I UNEB/2005
Nossas referências no campo do Direito à Alteridade Civilizatória Africano-Brasileira que vimos fomentando e sistematizando nos nossos trabalhos no Programa Descolonização e Educação PRODESE, (Grupo de Pesquisa vinculado à Universidade do Estado da Bahia e ao Diretório de Grupos do CNPq), foram introduzidas na área de Educação nos anos 1980 pelo Professor Doutor Marco Aurélio Luz na sua atuação no âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ e Universidade Federal da Bahia-UFBA nas Linhas de Pesquisa e na Pós Graduação sob a sua responsabilidade.
A produção acadêmico-científica do Professor Doutor Marco Aurélio Luz no campo da Diversidade Cultural e Educação em que a dinâmica da civilização africano-brasileira ganha relevo, se constitui a partir da sua inserção comunitária que lhe permitiu vivenciar a primeira experiência de educação pluricultural, no Brasil, a Mini Comunidade Oba Biyi (1976-1986).

Marco Aurélio tendo à sua volta as crianças que participaram da Mini Comunidade Oba Biyi


Durante dez anos a Mini promoveu com muito êxito a educação de crianças e jovens vinculados a uma comunalidade tradicional da Bahia, Ilê Axé Opô Afonjá na territorialidade do Cabula em Salvador, Bahia.
O nome da Mini Oba Biyi, que significa em yorubá “o rei nasce aqui”, vem da homenagem ao nome sacerdotal nagô de Eugênia Anna dos Santos, a Iyalorixá fundadora do Ilê Opô Afonjá na territorialidade do Cabula em Salvador, Bahia. Quando Mãe Aninha, a Iyá Oba Biyi, implantou a comunidade-terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá em 1910 nas imediações do Cabula (onde está a nossa UNEB) foi porque considerou, sobretudo, que aquele território estava profundamente marcado pelo passado heróico de continuidade civilizatória, rico em axé e forças míticas emanadas pelos antepassados africanos do quilombo do Cabula.
Esse território se impregnou de profundo significado histórico para a população africano-brasileira, que reelaborou, no local, modos de sociabilidade ancorados à preservação da memória coletiva das comunidades que ali existiram.
A Mini Oba Biyi fomentou uma epistemologia educacional africano-brasileira que se transformou num legado importante para muitas gerações de educadores/as.


[...] Para atender as expectativas das crianças e jovens integrantes de uma comunidade de tradições culturais afro-brasileira, e que se sentiam rejeitadas pelas escolas do sistema oficial de ensino, constituiu-se um novo “continente pedagógico” que iria caracterizar o projeto educacional Mini Comunidade Oba Biyi. O caminho indicado na primeira metade do século passado por Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi, de ver as crianças da comunidade no dia de amanhã “de anel no dedo e aos pés de Xangô ”inspirou a trajetória de nascimento de uma nova linguagem educacional. Fundou-se um espaço pedagógico assentado na recriação das linguagens e nos valores da comunidade. Da tradição nasceu o novo; gerado na criação um novo currículo, uma nova forma de aprendizagem. Uma revolução à lá Copérnico, uma inversão, o sol e não a Terra está no centro do universo. A cultura que guarda o saber da tradição comunitária passa a ocupar o centro da experiência educacional [...] [1]


É preciso registrar isso! É no currículo da Mini Comunidade Oba Biyi que começam as reflexões na área de Educação, tendo a alteridade civilizatória africano-brasileira como base no âmbito acadêmico, numa tentativa de aproximar os educadores do singular universo de linguagens africano-brasileiras.

 Marco Aurélio Luz dá entrevista a Revista Escola  sobre a Mini Oba Biyi em 1986
Na efervescência das reflexões feitas até aqui, algumas perguntas, a princípio, se impõem:
Como é possível a “formação” de educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira sem aproximá-los da base epistemológica do continuum civilizatório africano nas Américas e Brasil? Como é possível a “formação” de educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira sabendo que muitos deles/as estão submetidos à ideologia do recalque que os afasta/as das linguagens próprias das nossas comunalidades?Como superar o discurso da historiografia etnocêntrico-evolucionista (que “forma” nossos educadores/as) que recalca a força do patrimônio civilizatório africano? Como é possível a “formação” de educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira se muitos deles/as se afastaram das suas origens, das suas comunalidades, não se reconhecem como afro-brasileiros/as? Como é possível a “formação” de educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira que assegurem às nossas crianças e jovens espaços educacionais que lhes permitam vivenciar de forma ininterrupta, num aqui e agora, nossas origens, nossa ancestralidade milenar africana, cuja dinâmica vem impulsionando várias gerações a lutar pelo direito à existência própria?

Autocoreográfico de autoria de Mestre Didi  "Odé e os Orixá do Mato" dramatizado pelas crianças da Mini Oba Biyi

Essas inquietações próprias de todos/as aqueles/as educadores/as que acreditam ser possível erguer espaços institucionais capazes de acolher os valores da civilização africano-brasileira que estruturam as comunalidades, podem ser aplacadas através do estudo apurado de Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira.


A FORÇA DO NEGRO ESTÁ NA SUA PRÓPRIA CIVILIZAÇÃO [2]

Capa da 1ª Edição
Agadá é o nome da espada de Ogum, com a qual ele abre caminhos para a expansão da civilização africana pelos quatro cantos do mundo. Ogum tem o título de Asiwajú o que vai à frente desbravando, inaugurando caminhos e lidando com o mistério do desconhecido. Está associado ao princípio do ferro, metalurgia, a transcendência do conhecimento da pedra para os metais.
É ao sabor desse universo mítico-simbólico, que caracteriza o discurso e linguagens transcendentes próprias da elaboração de mundo africano, que o autor desenvolverá de modo singular e original sua abordagem, apelando para o mito como discurso primordial.


        Expressão de OXUMARÊ, arco íris fluxo dos destinos multiplicidade da vida
Foto M.A. Luz
Através da simbologia da espada Agadá, Marco Aurélio nos apresenta um fluxo de informações valorosas sobre as instituições das tradições africanas no Brasil, seu universo de valores e linguagens, como também as tensões e conflitos que se estabelecem na relação com as políticas etnocêntricas da Razão de Estado no decorrer da nossa história.
A singularidade da obra reside, sobretudo, na ruptura que o autor provoca com os limites positivistas, valorizando a partir daí as narrativas míticas da tradição africana como fonte da pujança do contínuo da civilização africana antes do período colonial e neocolonial. Sublinha ainda, que o elo mais forte do sistema colonial mercantilista escravista europeu foi o capital financeiro, e nele a atividade mais rentável, era o tráfico escravista que caracterizava a pedra angular do triângulo comercial Europa, África e América.Por outro lado, o livro nos leva a perceber que o elo mais fraco desse sistema era o próprio tráfico escravista, que proporcionava a incessante vinda dos africanos para as Américas, o que propiciou a expansão constante da insurgência de africanos nas Américas, a exemplo de fatos históricos como Palmares, independência do Haiti, os grandes quilombos da Jamaica, Cuba e principalmente a luta de afirmação existencial cotidiana do povo negro, inviabilizando a acumulação mercantil escravista.
As populações negras são apresentadas no livro como sujeitos coletivos da história, que interfere diretamente no fim do tráfico e da escravatura, além de repor nas Américas suas comunidades e instituições baseadas em seus valores, linguagens e formas de sociabilidades das suas diversas tradições.


                                   IBEJI, escultura de Marco Aurélio Luz
Para o autor,
[...] os princípios inaugurais da civilização africana, os princípios de valores e linguagens que sustentam toda a visão de mundo de uma civilização, de tradição milenar, foram transportados para a América, especialmente para o Brasil e especificamente para a Bahia. No que se refere a determinados pólos, houve a continuidade desses princípios, mantendo essa dimensão muito antiga, milenar, porque eles se caracterizam por uma continuidade de uma civilização que se constituiu desde tempos muito antigos na África. Transpostos para o Brasil, eles se adaptaram, se caracterizaram de uma forma própria, mas mantiveram intactos os princípios fundamentais. (...) Essa tradição africano-brasileira ela remonta a um passado da humanidade muito rico e significativo, e nós temos que perceber essa riqueza na nossa sociedade. [3]


È importante destacar a coexistência do contínuo civilizatório africano com a civilização aborígine, caracterizando a pluralidade das nações nas Américas e marcam formas de enfrentamento ao Estado nação moderno europocêntrico. Agadá aprofunda a perspectiva que trata a tensão entre os valores etnocêntrico-evolucionista que regem a sociedade oficial e as comunalidades africano-brasileira e aborígine demonstrando, que é no seio dessa tensão, que se dá a dinâmica histórica das formações sociais nas Américas para além do paradigma das lutas de classes.
Essas tensões se caracterizam pelo colonialismo e seus desdobramentos estratégicos como: catequização, políticas genocidas, políticas de embranquecimento, repressão, recalque; por outro lado, a insurgências negras e aborígines pela afirmação existencial e coletiva dos seus patrimônios civilizatórios.
Assim, essa luta envolve, portanto, formas, geralmente, desprezadas pelos cientistas sociais, ou seja, uma dinâmica na microfísica do poder rotulada como “cultura”, que abarca as tentativas de impor valores e políticas de abandono para atender ao projeto neocolonial e imperialista.
Agadá inaugura e desbrava caminhos teórico-epistemológicos que indicam que nos interstícios do Estado moderno, uno, positivista, a comunalidade africano-brasileira repôs suas tradições, instituições, sociabilidades mantendo com dignidade o legado dos seus antepassados, características essenciais no exercício do direito à sua alteridade civilizatória.
Muniz Sodré Cientista Social e Presidente da Fundação Biblioteca Nacional afirma ser Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira[4]:


Muniz Sodré

[...] um trabalho realmente original, por ser o primeiro a inscrever a presença do negro brasileiro numa dinâmica civilizatória, qualificando-a como uma dialética própria na questão do entrecruzamento das diversas nações [...]. A pesquisa de Marco Aurélio contribui para o reforço da compreensão crescente de que as divindades do panteão africano (orixá, voduns, inquices) não são entidades apenas religiosas, mas principalmente, suportes simbólicos, isto é, condutores de regras sociais, para a continuidade de um grupo determinado. Zelar por um orixá, ou seja, cultuá-lo nos termos da tradição implica aderir a um sistema de pensamento, uma filosofia, capaz de responder a questões essenciais sobre o sentido da existência do grupo.
Michel Maffesoli, professor da Sorbonne e Diretor do Centre D´Etudes sur L´Actuel et le Quotidien da Université Paris V, considera Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira[5]:
Professor Michel Mafessoli assistindo a palestra do Professor Marco Aurélio na Sorbonne

[...] como modelo de trabalho sócio-antropológico. Ele alia ao mesmo tempo um bom conhecimento histórico, uma análise pertinente da cultura, tudo a partir de uma problemática teórica das mais pertinentes. Desse ponto de vista, a sinergia entre os diversos elementos indicados fazem deste livro um trabalho dos mais prospectivos para compreender as sociedades contemporâneas.
Por fim, insisto aqui em afirmar uma análise que venho desenvolvendo em cursos, palestras, entrevistas, etc: a contribuição desse clássico Agadá, para nós educadores/as, está em nos permitir a compreensão da África e sua expansão nas Américas, a partir do repertório das comunalidades que a (re) criaram aqui, tornando-a visceral em nossas vidas. 
A África que aparece no currículo escolar tende a soar como um lugar distante, tudo é estranho, fora das nossas entranhas. Essa África que ganha o status jurídico no âmbito das políticas de Educação, perde a dinâmica de civilização transatlântica que há muito atravessa o nosso viver cotidiano no Brasil.
Ora, se estamos dentro da dinâmica entre tradição e contemporaneidade, é preciso que se diga: a África também está aqui! Está aqui o tempo todo envolvendo nossas crianças e jovens, animando-os a estruturar suas identidades e erguer a cabeça para lidar com os espaços institucionais impregnados do recalque ao que somos, enquanto povos descendentes de africanos.
 Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira magnifica a episteme africana, abrindo perspectivas de afirmação do princípio de ancestralidade que dinamiza o estar no mundo de muitas comunalidades na Bahia, portadoras de sabedorias milenares.


[1] Entrevista ao blog da ACRA - Associação Crianças Raízes do Abaeté. Out 2009. http://blogdoacra.blogspot.com/
[2] Marco Aurélio Luz em entrevista a Lago Júnior, A Tarde, Salvador, 17 de junho de 1995. Caderno Cultural
[3]Entrevista a Lago Júnior, A Tarde, Salvador, 17 de junho de 1995. Caderno Cultural
[4] Carta enviada ao autor a propósito do lançamento da segunda edição da obra.
[5] Carta enviada ao autor a propósito do lançamento da segunda edição da obra.

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