sábado, 21 de outubro de 2017

SENADOR ABDIAS E O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA






Pintura de Abdias Nascimento


Por Elisa Larkin Nascimento

 Ph.D.Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros





A nova proposta de tornar o dia 20 de novembro um feriado nacional, Dia da Consciência Negra, do Deputado Waldyr Assunção ,retoma o projeto apresentado em 1983 pelo então Deputado Federal Abdias do Nascimento. O PL 1550/1983, de sua autoria, traz como parte da justificação uma lista de entidades negras de vários estados que apoiavam a proposta.
O PL 1550/1983 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 17 de maio de 1985 e seguiu para apreciação do Senado Federal. Aprovado pela Comissão de Educação e Cultura do Senado e encaminhado para votação em 19 de novembro de 1985 pelo senador Aloysio Chaves, que se posicionou contra sua aprovação, o projeto foi rejeitado no plenário do Senado Federal.
Véspera do dia 20 de novembro, a data dessa derrota deu ao fato um valor simbólico que o deputado Abdias comentaria em discurso proferido uma semana depois no plenário da Câmara dos Deputados. No dia da votação no Senado, ele não tomara conhecimento do fato porque estava a caminho da Serra da Barriga na peregrinação anual do Memorial Zumbi, ocupado com os fatos históricos que se desenrolavam em torno das terras de Zumbi e da comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra. Vale a pena acompanhar sua narrativa, proferida da tribuna da Câmara em 27 de novembro de 1985:
Sr. Presidente, Srs. Deputados, aconteceu no dia 20 último um evento da maior signi cação cívico-cultural e que merece ser registrado nos Anais desta Câmara: o Ministro da Cultura, Professor Aluísio Pimenta, subiu a Serra da Barriga, acompanhado do Governador Divaldo Suruagy, de Alagoas, e do Prefeito Risiber Oliveira de Melo, de União dos Palmares, e, juntos a alguns milhares de negros e representantes de organizações afro-brasileiras, celebraram a memória de Zumbi.



Abdias pronuncia importante discurso homenageando a histórica epopeia Palmarina
Foto: Elisa Larkin Nascimento

 Uma celebração vibrante e colorida, durante a qual o Ministro Aluísio Pimenta homologou o ato do Conselho do Patrimônio His- tórico Nacional que tombou a serra onde, de 1595 a 1696, existiu a República dos Palmares. Reconhecendo e honrando o valor do feito palmarino, o ato se traduz como uma releitura de nossa História [...]. E, nos vencidos de Palmares, o exemplo do heroísmo negro, expresso no amor à liberdade, vinca um traço fundamental do caráter brasileiro.



O senador Abdias do Nascimento juntamente com Mãe Hilda Jitolu e outros sobem a Serra da Barriga em Palmares.
Foto: Elisa Larkin Nascimento


Enquanto tais ocorrências se desenrolavam lá no nordeste alagoano, aqui no Congresso, ou melhor, ali no Senado Federal, na véspera daquela extraordinária peregrinação a Palmares, um Senador da República – o Senador Aloysio Chaves (PDS-PA) – reeditava um fato melancólico, equivalente àquele de Domingos Jorge Velho, quando assassinou com armas mercenárias a Zumbi e destruiu a república libertária dos negros. [...]
Enquanto o Ministro Aluísio Pimenta alçava sob a pureza do céu de Palmares seu gesto tão denso de sabedoria, justiça e patriotismo, inscrevendo uma página de beleza sem precedentes em nossa histo- riogra a; enquanto o Ministro galgava as mesmas encostas de onde os palmarinos se defenderam dos exércitos holandeses, portugueses e bandeirantes durante mais de 100 anos, o Senador Aloysio Chaves fazia um pronunciamento de retórica enganosa, patrocinando a rejei- ção do projeto de lei, aprovado pela Câmara e com parecer favorável da Comissão de Educação e Cultura do Senado, que transforma a data da morte de Zumbi, Dia Nacional da Consciência Negra, em feriado nacional. [...]
O Senador sabia, porque leu o meu projeto de lei, tratar-se de uma aspiração da comunidade afro-brasileira como um todo. No entanto, [...] (o projeto) foi rejeitado por um Senado composto só de brancos, onde apenas uma ou outra voz insubmissa, como aquela do Senador Itamar Franco, ousou discordar. [...] Desde sua posição autoritária, o Senador Aloysio Chaves demonstra [em seu discurso de encaminhamento da votação] um profundo desprezo pelos fatos históricos e chega ao extremo de armar que a libertação dos escravos fez-se sem traumatismos, sem choques, sem violência, sem derramamento de sangue”. Estamos indecisos em considerar ignorância ou má fé do Senador Aloysio Chaves, ou ambas: que significam para ele 100 anos de luta armada dos palmarinos contra escravizadores holandeses, portugueses e bandeirantes? E os quilombos pipocando em quase todas as regiões do nosso território também nada significam para o Senador? Nenhum valor têm para o opaco congressista paraense as insurreições malês, a Revolta dos Alfaiates, a Balaiada e tantos outros episódios nos quais o negro buscou liberdade e respeito, inclusive entre os escravos participantes da Guerra do Paraguai, das lutas farroupilhas e de consolidação da Independência? [...]




Senador Abdias manifesta seu repúdio as iniciativas racistas de um Senado dominado pelos brancos no bloco do poder.
Foto disponível na internet

Não podemos admitir que ainda hoje se possa impunemente armar que “este projeto atenta sobretudo contra esse caráter de homogeneidade da Nação brasileira, contra a indivisibilidade da nossa etnia, do povo brasileiro, é uma extravagância para caracterizar uma minoria negra... [...] Pois esta Nação somente será homogênea quando deixar de existir entre nós o elitismo dominador dos brancos; esta Nação terá uma etnia indivisível quando todos os seus componentes negro, índio e branco tiverem uma efetiva igualdade de oportunidades sociais e gozarem de igual respeito à sua origem. Enfim, delirante extravagância é o Senador pretender caracterizar a comunidade afro- -brasileira como uma minoria negra, quando somos o contingente majoritário do povo brasileiro. E é para dar um basta a extravagâncias do tipo deste comportamento do Senador Aloysio Chaves que os negros brasileiros se organizam e lutam para dignificar sua história e seus heróis. Nossa herança africana não pode ficar à mercê das distorções, incompreensões e injustiças dos racistas mascarados do nosso Brasil.

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Elisa Larkin Nascimento, Ph.D.

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Um comentário:

  1. Este texto de Elisa Larkin publicado pelo Blog da ACRA se constitui um importante documento para fortalecimento da memória negra do Brasil. A juventude negra precisa conhecer os esforços feitos por homens e mulheres negras, a exemplo de Abdias do Nascimento, para dignificar e fortalecer a luta iniciada por Zumbi nos quilombos de Palmares. Uma lei aprovada hoje, 2017, é fruto de luta de mais de 30 anos e, assim, são as outras ações de afirmação da identidade negra no Brasil. Mais uma vez parabenizo a ACRA por esta iniciativa.

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