domingo, 30 de setembro de 2018

RESPEITO


Por Narcimária Luz

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Nzinga Ngola Bandi Kiluanji  a rainha do Ndongo independente. Conhecida como rainha Ginga, é homenageada no Brasil nas Congadas e é o nome do movimento inicial e básico da capoeira a Ginga.  


Uma composição de Otis Redding de 1965 "Respect"(Respeito), recriada em 1967 por Aretha Franklin através de uma interpretação com uma força expressiva inigualável, imprimiu a esse clássico da música soul afro-americana, uma versão radical inspirada na efervescência dos movimentos dos direitos civis e feminista da época.

Aretha Franklin
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 "Respeito” atravessa os tempos, atualiza inquietações e questões urgentes referentes a existência feminina em sociedades que se alimentam das relações machistas, sexistas e preconceituosas que   incentivam atitudes desrespeitosas e de ódio contra as mulheres.
 Sabemos que essas agressões que tendem a gerar feminicídios, infelizmente acompanham a história da humanidade. Mas é inconcebível nos acomodarmos ou mesmo aceitar de forma passiva as aberrações e atrocidades que insistem em se manterem como imutáveis. Somos da geração de mulheres que cresceram ouvindo canções como "Respect" e outras canções   que inspiraram insurgências femininas dramáticas, capazes de afirmar agendas políticas contemporâneas fundamentais no mundo e no Brasil.
No âmbito dessas agendas políticas contemporâneas, há os mapas que abordam aspectos da violência contra as mulheres e estatísticas que tentam compreender as engrenagens perversas que vêm devastando a vida de tantas gerações. Uma constatação: o conjunto dessas referências ficam frágeis se insistirem em ignorar os direitos coletivos das mulheres. 

" Xavante" foto Roberto Castro 
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Sim, direitos coletivos! A noção de direitos da mulher numa perspectiva individual, não consegue dar conta das tensões e conflitos que caracterizam os valores civilizatórios, territorialidades e comunalidades que organizam o viver cotidiano feminino considerando a diversidade dos povos.

Homenagem as orixá das águas
 Foto Hans Olubi

O direito individual é extensão de um tempo histórico e geopolítico urbano-industrial do pós-guerra, totalmente alheio às reinvindicações legítimas daquelas que são agredidas todos os dias pelo racismo institucionalizado, por exemplo.
Na realidade brasileira o ideal de identidade nacional feminina para a elite que está no poder, tende a se resumir a mulheres brancas, que vivem no centro sul, de descendência europeia e de classe média ou alta. Mas o Brasil para desespero dessa elite dirigente, é formado em sua maioria por uma população feminina descendente de povos africanos e de povos indígenas também.


Escultura símbolo da sociedade secreta Ogboni. Casal unido por sucessão de elos representando continuidade e descendência.
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Essa descendência feminina africana e indígena possuem valores civilizatórios que estabelecem elaborações de mundo muito particulares, e que por isso mesmo, são negligenciadas nos discursos saturados que orientam as políticas das instituições do Estado. Nossas antepassadas africanas na Bahia do século XIX no contexto da escravidão, identificavam as falácias desses discursos e costumavam se referir a eles como: “conversa de branco” ou “para inglês ver”. Já percebiam o quão distantes e totalmente opostos eles eram, em se tratando das distintas realidades das mulheres das comunalidades africano-brasileiras.
É comum os relatos de mulheres negras submetidas a laqueaduras sem serem consultadas, violentando um direito ancestral: gerar filhos é PODER! Poder que assegura a descendência e continuidade da existência civilizatória através dos filhos. Num país que institucionaliza políticas genocidas e de abandono, as mães negras têm esse direito negado. Outro problema ignorado pelo Estado: lideranças religiosas que zelam pelo patrimônio da tradição africana terem seus espaços sagrados violentados  e  sofrerem agressões e ameaças; mães em luto e arrasadas pela violência institucionalizada pelos aparelhos do Estado que ceifam a vida de seus filhos; ausência de políticas públicas de  saneamento básico visando a prevenção de doenças que acometem a maioria das mulheres negras e suas famílias, considerando também o comportamento racista no âmbito dos serviços  públicos  de saúde que pela displicência, tem  condenado muitas mulheres a morte. Não podemos esquecer também o direito ao território necessário que estrutura os vínculos de sociabilidades das mulheres indígenas e quilombolas, direito que tem sido usurpado por decretos arbitrários no Brasil. Outro aspecto importante é a noção de “empoderamento feminino”, que precisa também acolher a perspectiva dos direitos coletivos como falamos anteriormente e transcender a órbita urbano-industrial eurocêntrica. Para além da desigualdade nas relações entre homens e mulheres no que se refere ao poder, acesso a igualdade de salários no mercado de trabalho, ascensão em cargos eletivos no poder de Estado, temos que considerar a trajetória de empoderamento feminino das nossas antepassadas, que nos deixaram um legado de vanguarda.

Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi
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Sempre insisto em apresentar uma legenda que ilustra a força inesgotável do empoderamento feminino das mulheres negras, protagonizando a expansão e continuidade dos valores civilizatórios dos povos africanos no Brasil no âmbito do contexto escravista e neocolonial.
Mãe Aninha a Iyá Oba Biyi fundadora da comunidade-terreiro Ilê Axé Opô Afonjá referência importante nas Américas anunciava com altivez no início do século XX “A Bahia é uma Roma Negra”.


Ruth  Landes
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Ruth Landes ,antropóloga americana que na década de trinta esteve no Brasil no seu livro A Cidade das Mulheres, destacou que na Bahia:”... as mulheres negras encontraram mais reconhecimento, do seu próprio povo... Uma distinta sacerdotisa chamou a sua cidade de Roma Negra, dada a sua autoridade cultural; foi aqui que as mulheres negras atingiram o auge de eminência e poder, tanto sob a escravidão como após a emancipação. Controlando os mercados públicos, as sociedades religiosas e também suas famílias”. (LANDES,1961:112)
Outra legenda no contexto do empoderamento feminino na perspectiva africano-brasileira, em do aprendizado que tivemos com o Mestre Didi. Na sua convivência com Mãe Aninha, Mestre Didi, a ouviu dizer: “Quero ver nossas crianças de hoje, no dia de amanhã de anel no dedo e aos pés de Xangô.” Naquela época, Mãe Aninha já tinha percebido a importância de fomentar estratégias de legitimação dos princípios e valores civilizatórios africano-brasileiros, no âmbito das instituições do Estado, exigindo e assegurando nesta relação o direito à alteridade civilizatória.
Esse pensamento da Iyá Oba Biyi, é um manancial de altivez que mantermo-nos firmes face ao desafio de tornar possível para as gerações sucessoras o acesso a direitos coletivos que possam dar dignidade ao que somos como descendentes de africanas e africanos. O “anel no dedo”, significa as possibilidades de mobilidade social da população infanto-juvenil de descendência africana na sociedade oficial -, e de outro, Xangô, orixá do fogo que assegura a vida no Aiyê, a expansão de linhagens, da existência concreta ininterrupta, filhos, descendência, ancestralidade, continuidade da comunalidade africano-brasileira, presença transatlântica dos valores culturais.
Mãe Aninha é um exemplo ímpar de empoderamento feminino, hoje ela integra a corrente mítica das nossas mães ancestrais fontes de inspiração no que se refere a atualização e revitalização dos valores que caracterizam a sociabilidade que vêm dinamizando as lutas de afirmação do patrimônio africano no Brasil.


Tia Ciata Iyá Kekere
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Não esqueçamos nossas ancestrais investiram toda a sua vida, sua existência na continuidade do processo civilizatório africano. Não foram heroínas dentro do enquadramento da historiografia neocolonial; não exerceram lideranças sindicais se nos determos ao recorte limitado das lutas de classe; mas, podemos afirmar que no âmbito de um contexto hostil colonial, investiram sua vida com sabedoria e dedicação de forma visceral e comprometida com a expansão da pujança do continuo africano-brasileiro.

Mãe Hilda Iyalorixá Igi Tolu 
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Festa da Beleza Negra do Ilê Aiyê 
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Então empoderamento feminino é sobretudo a afirmação do direito às formas de elaboração de mundo, valores e singularidades histórico-políticas que caracterizam a vida das mulheres brasileiras que se alimentam do poder feminino ancestral. É preciso fomentar leis que sejam instrumentos que rompam com os discursos saturados que invocam uma humanidade exógena ao que somos como nação.

Salgueiro Porta bandeira e Mestre Sala. 
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É preciso reconhecer que só através do reconhecimento e legitimação de direitos coletivos que carregam também a história das nossas antepassadas, fundadoras de comunalidades, instituições, hierarquias, linguagens e valores ao longo dos séculos submetidas a tantas adversidades, teremos a plenitude do empoderamento feminino.


Salgueiro  Ala das Baianas. 
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Como afirmou a memorável Mãe Beata de Yemanjá:
”Não basta tolerância, queremos  respeito!”
R-E-S-P-E-I-T-O é o que pedimos!

  

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