segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Eterna senhora filha de Oxóssi




OFA símbolo de Oxóssi





Marlon Marcos


Eu preciso escrever seu nome: Maria Stella de Azevedo Santos, Odé Kayodê, IyáStella de Oxóssi do Ilê Axé Opô Afonjá. Agora, me esforço para estar na seriedade do seu silêncio e dizer aos vivos fragmentos da intensa admiração que nutro pela sua trajetória e pela pessoa que a senhora esculpiu nesta vida:  mulher, mãe, sacerdotisa, intelectual, poeta, escritora, enfermeira e amante dos amores que iluminaram sua vida... Mulher.
Escrevo à coragem e à força que governaram, com sabedoria, um império. Não há aqui um canto de despedida, e sim, meu peito rasgando-se de orgulho pelas luzes lançadas aos praticantes do candomblé, pelo exemplo e palavras espalhadas ao mundo, compondo este sacerdócio regido por Xangô, tão imprescindível para a consolidação institucional da nossa fé negroafricana redimensionada no Brasil.



Inauguração do busto de Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi fundadora do ile Ase Opo Afonja




A mãe negra das profundas lições. O Afonjá é a casa de todos nós, patrimônio dos nossos cuidados, justamente porque no Orixá, a senhora cumpriu a tradição das mais velhas, e se estendeu a tudo que preza e consolida a civilização brasileira, e nossa religião elaborou o Brasil em múltiplas perspectivas, que vão da maneira brasileira de ser até a profundidade das nossas artes dialogando com o mundo.

Ile Ase Opo Afonja com a casa de Xangô orixá patrono em primeiro plano.

A flecha corta o céu. O caçador é o senhor do segredo. O tempo está além. Sem passado, sem futuro. Além no agora: seus escritos são a poética da continuação. Estamos sob a égide da negra mulher ancestral – rente e luminosa -, adentrando florestas, gerando provimentos, abrindo frestas, reconstruindo instantes, dançando com a eternidade.



Museu Ohun Lailai obra de Iyalorixa Ode Kayode




Os atabaques nos invadem: a cada som, a sua imagem. Altiva rainha efetivando comunidades e ensinando a um povo. O esteio daqueles que a circundaram na missão de servir aos orixás que alicerçam a humanidade. Seu jogo certeiro como olho e fala a cuidar da espiritualidade que nos enriquece porque é mistério. O seu corpo ancião como elo do que nunca se desliga. O seu descanso carnal a realimentar a fé de quem ainda fica e ficará na força amorosa que domina nossas cabeças.
O caçador é maior que a morte. E a morte é um mero caminho. Trânsito. Poema noturno ensolarado. A morte é a força dos que se somaram ao tempo. É o vento da transformação. A morte é o domínio de Oyá, é a supremacia de Nanã. É o estar da ancestralidade que rege a nossa busca e que dá sentido ao nosso ser.







A senhora é a eterna na floresta dos nossos sonhos: encanto azul turquesa. Agora, vestida de branco em nome da sabedoria que nos sustenta. Sua bênção, Iyá. Meus olhos choram de falta e de alegria, não sou filho do Afonjá, mas como todos na Bahia, sou cria da sua regência, aprendiz dos seus escritos, apanhador de frutos da árvore frondosa que foi e é a sua existência. 




***********
Marlon Marcos um poeta em busca da poesia da antropologia.Licenciado  em História pela Universidade Católica do Salvador , Bacharelado em Comunicação / Jornalismo (2004) pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Ciências Sociais/Antropologia, pela Universidade Federal da Bahia (2018),Mestre em Estudos Étnicos e Africanos pelo CEAO-UFBA.Doutor em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia - UFBA e professor Adjunto da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira - lotado no Campus dos Malês - São Francisco do Conde - Bahia.

Nota: fotos disponíveis na internet

sábado, 29 de dezembro de 2018

IYALORIXA ODE KAIYODE


                                                      OLORUN GBA KU FUN E

domingo, 23 de dezembro de 2018

               
                                                       Fertilidade e Alegria     

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

ALGUMAS IMAGENS DOS DONOS DA TERRA




Cacique Raoni  Kaiapó



                                                      Cacique Aritana Yawalapiti

                                                   
                                                                   Xingu



Xingu  
foto: Renato Soares

                                     
                                                          Kalapalo


Yanomami


Terena


Karajá


Aruanan Karajá


Aruanan Karajá


                                                                Quarup


                                                               Quarup Matipu


                                                             Yawalapiti


                                             Tora dos Ancestrais Quarup



Kamaiura Quarup


                                                 
                                                                Kaiapó



                                                               Kamaiura



                                                           Tupy Guarani

                                                                     
                                                                    Caigang                               

Nota: fotos disponíveis na internet

terça-feira, 27 de novembro de 2018

TEMPO poesia de Januz






Januz, pintora poeta professora  Mãe de  uma filha e três filhos . Januária Avelino Correia do Patrocínio  partiu no dia 19 de novembro deixando muitas saudades. Que Deus e os ancestrais iluminem seu caminho.

domingo, 25 de novembro de 2018

Carta do Chefe Seatle



Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta:


"Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão? A ideia não tem sentido para nós.
"Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los?
"Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. Qualquer folha de pinheiro, qualquer praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do homem vermelho.
"Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento quando vão pervagar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumosas são nossas irmãs; os gamos, os cavalos, a majestosa águia, todos são nossos irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, a energia vital do pônei e o Homem, tudo pertence a uma só família.
"Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras, ele está pedindo muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que nos reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente por nós mesmos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Se é assim, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. Mas tal compra não será fácil, já que esta terra é sagrada para nós.
"A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de vos lembrar que ela é sagrada, e deveis lembrar a vossos filhos que ela é sagrada, e que qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e fases da vida de meu povo. O marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais. Os rios são nossos irmãos, eles nos saciam a sede. Levam as nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e ensinar a vossas crianças que os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e deveis a partir de então dispensar aos rios a mesma espécie de afeição que dispensais a um irmão.
"Nós sabemos que o homem branco não entende o nosso modo de ser. Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga; depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. Sequestra os filhos da terra e não se importa. A cova de seus pais e a herança de seus filhos, ele as esquece. Trata a sua mãe, a terra, e a seu irmão, o céu, como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos.
"Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. A visão de vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e como tal nada possa compreender.

"Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só lugar onde ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto. Talvez seja porque sou um selvagem e não possa compreender.
"O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. E que vida é essa onde o homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos charcos à noite? O índio prefere o suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio-dia ou aromatizada pelo perfume das pinhas.
"O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. Mas, se vos vendermos nossa terra, deveis vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. O ar que nossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o último suspiro.

"Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores dos bosques.
"Assim consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos a aceitá-la, imporei uma condição: o homem branco terá de tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
"Sou um selvagem e não compreendo de outro modo. Tenho visto milhares de búfalos a apodrecerem nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o búfalo, que nós caçamos apenas para nos manter vivos.



"Que será do homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de solidão espiritual. Porque tudo que aconteça aos animais pode afetar os homens. Tudo está relacionado.
"Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza as cinzas de nossos ancestrais. Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies. Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos: que a terra é a nossa mãe. Quando o homem cospe sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo.
"De uma coisa temos certeza: a terra não pertence ao homem branco; o homem branco é que pertence à terra. Disso temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une uma família. Tudo está associado.
"O que fere a terra fere também os filhos da terra. O homem não tece a teia da vida; é antes um de seus fios. O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio.
"Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha, e com quem conversa como amigo, não pode fugir a esse destino comum. Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos. Nós o veremos. De uma coisa sabemos — e que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Podeis pensar hoje que somente vós O possuís, como desejais possuir a terra, mas não podeis. Ele é o Deus do homem e Sua compaixão é igual tanto para o homem branco quanto para o homem vermelho. Esta terra é querida Dele, e ofender a terra é insultar o seu Criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa cama, e vos sufocareis numa noite no meio de vossos próprios excrementos.
"Mas no vosso parecer, brilhareis alto, iluminados pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre ela e sobre o homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueadas por fios falantes. Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do viver e o início do sobreviver".


sábado, 17 de novembro de 2018

A VOZ E A VEZ DO MORRO



Morro da Mangueira pintura de Heitor dos Prazeres

A VOZ, E A VEZ DO MORRO
Por Narcimária Correia do Patrocínio Luz
  

É ao sabor do ritmo e cadência do samba adornado pela polirritmia percussiva da orquestra africano-brasileira que destaco aqui, de modo muito especial, a “Voz do Morro”, composição de Zé Kéti (1952).
Os sambas se tornaram legendas na história do Brasil por várias razões:  a primeira por contar os modos de insurgência das populações negras e sua competência para fundar territorialidades que recusam o recalque à sua alteridade civilizatória; a segunda pela poesia que nos emociona e nos leva a dramatizar por meio da dança e da ginga as situações que carregam a pulsão de sociabilidade africano-brasileira.
É preciso chamar a atenção do leitor para a necessidade de transcender o discurso geográfico, mensurável e estático que, esquadrinhando os espaços, diz o que é, e deve ser o “morro”. O morro aqui é uma metáfora! Em cena estão todas as territorialidades no Brasil imantadas pelo patrimônio de valores e linguagens africano-brasileiras.
Todos os sambas falam das tensões e conflitos entre a singularidade africano-brasileira e as políticas genocidas e de abandono que desencadeiam uma dinâmica da violência que vem ceifando a vida de milhares de homens, mulheres, crianças e jovens.
Apesar de todas essas agressões cotidianas, não esqueçamos a imponência e altivez do povo negro que não abre mão do direito de ser e viver suas instituições como as “pequenas Áfricas” no Rio de Janeiro, como se referiu Heitor dos Prazeres às comunalidades sob a liderança feminina das baianas como Tia Ciata.
Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/ Quero mostrar ao mundo que tenho valor/ Eu sou o rei do terreiro/ Eu sou o samba/ Sou eu quem levo a alegria/ Para milhões de corações brasileiros/ Salve o samba, queremos samba/ Quem está pedindo é a voz do povo de um país/ Salve o samba, queremos samba/ Essa melodia de um Brasil feliz.” ( Zé Kéti)
                              Pintura de Heitor dos Prazeres

O que isso significa? A institucionalização de políticas públicas que contemplem direitos coletivos capazes de estabelecer espaços institucionais de combate ao racismo e suas engrenagens ideológicas, que tendem a tragar a vida e submeter as populações negras a situações marcadas por muita dor e humilhação.
Então, cantemos a “voz do morro” num coro uníssono, fazendo repercutir entre gerações o respeito aos valores das comunalidades africano brasileiras e o direito de ser e viver suas instituições.

“O morro não tem vez/ E o que ele fez já foi demais/ Mas olhem bem vocês/ Quando derem vez ao morro/ Toda a cidade vai cantar/ Samba pede passagem/ Morro quer se mostrar/ Abram alas pro morro/ Tamborim vai falar/ É um, é dois, é três/ É cem, é mil!”(Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim).

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Carta do Chefe Sioux Touro Sentado




 Chefe Sioux Touro  Sentado

 “O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d’água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.




Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua
sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.”

“Quando a última árvore for cortada,
quando o último rio for poluído,
quando o último peixe for pescado,
aí sim eles verão que dinheiro não se come…”

(Tatanka yatanka – Touro Sentado – Chefe Sioux)

Tatanka yatanka o"Touro Sentado" liderou a união dos povos que derrotaram o exército  dos EUA comandado pelo general Custer na batalha de Little Big  Horn.  


Batalha de Little Big  Horn.  

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

AFRICA ECHOES


Neste domingo, dia 4, 17h, no Teatro Gamboa Nova, iniciamos a temporada de lançamento do primeiro CD da DNA Urbano, "Africa Echoes - O Som da Africa na Bahia". Esperamos todos vocês lá celebrar o Novembro Negro com o nosso som afro-urbano-baiano. 
Ingressos antecipados pelo Sympla



quinta-feira, 11 de outubro de 2018

MESTRE MOA DO KATENDE fundador do afoxé BADAUE


                                                   OLORUN GBA KU FUN E

domingo, 30 de setembro de 2018

RESPEITO


Por Narcimária Luz

Imagem disponível na Internet
Nzinga Ngola Bandi Kiluanji  a rainha do Ndongo independente. Conhecida como rainha Ginga, é homenageada no Brasil nas Congadas e é o nome do movimento inicial e básico da capoeira a Ginga.  


Uma composição de Otis Redding de 1965 "Respect"(Respeito), recriada em 1967 por Aretha Franklin através de uma interpretação com uma força expressiva inigualável, imprimiu a esse clássico da música soul afro-americana, uma versão radical inspirada na efervescência dos movimentos dos direitos civis e feminista da época.

Aretha Franklin
Imagem disponível na Internet
 "Respeito” atravessa os tempos, atualiza inquietações e questões urgentes referentes a existência feminina em sociedades que se alimentam das relações machistas, sexistas e preconceituosas que   incentivam atitudes desrespeitosas e de ódio contra as mulheres.
 Sabemos que essas agressões que tendem a gerar feminicídios, infelizmente acompanham a história da humanidade. Mas é inconcebível nos acomodarmos ou mesmo aceitar de forma passiva as aberrações e atrocidades que insistem em se manterem como imutáveis. Somos da geração de mulheres que cresceram ouvindo canções como "Respect" e outras canções   que inspiraram insurgências femininas dramáticas, capazes de afirmar agendas políticas contemporâneas fundamentais no mundo e no Brasil.
No âmbito dessas agendas políticas contemporâneas, há os mapas que abordam aspectos da violência contra as mulheres e estatísticas que tentam compreender as engrenagens perversas que vêm devastando a vida de tantas gerações. Uma constatação: o conjunto dessas referências ficam frágeis se insistirem em ignorar os direitos coletivos das mulheres. 

" Xavante" foto Roberto Castro 
Imagem disponível na internet
  
Sim, direitos coletivos! A noção de direitos da mulher numa perspectiva individual, não consegue dar conta das tensões e conflitos que caracterizam os valores civilizatórios, territorialidades e comunalidades que organizam o viver cotidiano feminino considerando a diversidade dos povos.

Homenagem as orixá das águas
 Foto Hans Olubi

O direito individual é extensão de um tempo histórico e geopolítico urbano-industrial do pós-guerra, totalmente alheio às reinvindicações legítimas daquelas que são agredidas todos os dias pelo racismo institucionalizado, por exemplo.
Na realidade brasileira o ideal de identidade nacional feminina para a elite que está no poder, tende a se resumir a mulheres brancas, que vivem no centro sul, de descendência europeia e de classe média ou alta. Mas o Brasil para desespero dessa elite dirigente, é formado em sua maioria por uma população feminina descendente de povos africanos e de povos indígenas também.


Escultura símbolo da sociedade secreta Ogboni. Casal unido por sucessão de elos representando continuidade e descendência.
 Imagem disponível na internet.

Essa descendência feminina africana e indígena possuem valores civilizatórios que estabelecem elaborações de mundo muito particulares, e que por isso mesmo, são negligenciadas nos discursos saturados que orientam as políticas das instituições do Estado. Nossas antepassadas africanas na Bahia do século XIX no contexto da escravidão, identificavam as falácias desses discursos e costumavam se referir a eles como: “conversa de branco” ou “para inglês ver”. Já percebiam o quão distantes e totalmente opostos eles eram, em se tratando das distintas realidades das mulheres das comunalidades africano-brasileiras.
É comum os relatos de mulheres negras submetidas a laqueaduras sem serem consultadas, violentando um direito ancestral: gerar filhos é PODER! Poder que assegura a descendência e continuidade da existência civilizatória através dos filhos. Num país que institucionaliza políticas genocidas e de abandono, as mães negras têm esse direito negado. Outro problema ignorado pelo Estado: lideranças religiosas que zelam pelo patrimônio da tradição africana terem seus espaços sagrados violentados  e  sofrerem agressões e ameaças; mães em luto e arrasadas pela violência institucionalizada pelos aparelhos do Estado que ceifam a vida de seus filhos; ausência de políticas públicas de  saneamento básico visando a prevenção de doenças que acometem a maioria das mulheres negras e suas famílias, considerando também o comportamento racista no âmbito dos serviços  públicos  de saúde que pela displicência, tem  condenado muitas mulheres a morte. Não podemos esquecer também o direito ao território necessário que estrutura os vínculos de sociabilidades das mulheres indígenas e quilombolas, direito que tem sido usurpado por decretos arbitrários no Brasil. Outro aspecto importante é a noção de “empoderamento feminino”, que precisa também acolher a perspectiva dos direitos coletivos como falamos anteriormente e transcender a órbita urbano-industrial eurocêntrica. Para além da desigualdade nas relações entre homens e mulheres no que se refere ao poder, acesso a igualdade de salários no mercado de trabalho, ascensão em cargos eletivos no poder de Estado, temos que considerar a trajetória de empoderamento feminino das nossas antepassadas, que nos deixaram um legado de vanguarda.

Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi
Imagem disponível na Internet


Sempre insisto em apresentar uma legenda que ilustra a força inesgotável do empoderamento feminino das mulheres negras, protagonizando a expansão e continuidade dos valores civilizatórios dos povos africanos no Brasil no âmbito do contexto escravista e neocolonial.
Mãe Aninha a Iyá Oba Biyi fundadora da comunidade-terreiro Ilê Axé Opô Afonjá referência importante nas Américas anunciava com altivez no início do século XX “A Bahia é uma Roma Negra”.


Ruth  Landes
 Imagem disponível na Internet

Ruth Landes ,antropóloga americana que na década de trinta esteve no Brasil no seu livro A Cidade das Mulheres, destacou que na Bahia:”... as mulheres negras encontraram mais reconhecimento, do seu próprio povo... Uma distinta sacerdotisa chamou a sua cidade de Roma Negra, dada a sua autoridade cultural; foi aqui que as mulheres negras atingiram o auge de eminência e poder, tanto sob a escravidão como após a emancipação. Controlando os mercados públicos, as sociedades religiosas e também suas famílias”. (LANDES,1961:112)
Outra legenda no contexto do empoderamento feminino na perspectiva africano-brasileira, em do aprendizado que tivemos com o Mestre Didi. Na sua convivência com Mãe Aninha, Mestre Didi, a ouviu dizer: “Quero ver nossas crianças de hoje, no dia de amanhã de anel no dedo e aos pés de Xangô.” Naquela época, Mãe Aninha já tinha percebido a importância de fomentar estratégias de legitimação dos princípios e valores civilizatórios africano-brasileiros, no âmbito das instituições do Estado, exigindo e assegurando nesta relação o direito à alteridade civilizatória.
Esse pensamento da Iyá Oba Biyi, é um manancial de altivez que mantermo-nos firmes face ao desafio de tornar possível para as gerações sucessoras o acesso a direitos coletivos que possam dar dignidade ao que somos como descendentes de africanas e africanos. O “anel no dedo”, significa as possibilidades de mobilidade social da população infanto-juvenil de descendência africana na sociedade oficial -, e de outro, Xangô, orixá do fogo que assegura a vida no Aiyê, a expansão de linhagens, da existência concreta ininterrupta, filhos, descendência, ancestralidade, continuidade da comunalidade africano-brasileira, presença transatlântica dos valores culturais.
Mãe Aninha é um exemplo ímpar de empoderamento feminino, hoje ela integra a corrente mítica das nossas mães ancestrais fontes de inspiração no que se refere a atualização e revitalização dos valores que caracterizam a sociabilidade que vêm dinamizando as lutas de afirmação do patrimônio africano no Brasil.


Tia Ciata Iyá Kekere
 Imagem disponível na Internet

Não esqueçamos nossas ancestrais investiram toda a sua vida, sua existência na continuidade do processo civilizatório africano. Não foram heroínas dentro do enquadramento da historiografia neocolonial; não exerceram lideranças sindicais se nos determos ao recorte limitado das lutas de classe; mas, podemos afirmar que no âmbito de um contexto hostil colonial, investiram sua vida com sabedoria e dedicação de forma visceral e comprometida com a expansão da pujança do continuo africano-brasileiro.

Mãe Hilda Iyalorixá Igi Tolu 
Imagem disponível na Internet


Festa da Beleza Negra do Ilê Aiyê 
Imagem  disponível na Internet

Então empoderamento feminino é sobretudo a afirmação do direito às formas de elaboração de mundo, valores e singularidades histórico-políticas que caracterizam a vida das mulheres brasileiras que se alimentam do poder feminino ancestral. É preciso fomentar leis que sejam instrumentos que rompam com os discursos saturados que invocam uma humanidade exógena ao que somos como nação.

Salgueiro Porta bandeira e Mestre Sala. 
Imagem disponível na Internet

É preciso reconhecer que só através do reconhecimento e legitimação de direitos coletivos que carregam também a história das nossas antepassadas, fundadoras de comunalidades, instituições, hierarquias, linguagens e valores ao longo dos séculos submetidas a tantas adversidades, teremos a plenitude do empoderamento feminino.


Salgueiro  Ala das Baianas. 
Imagem disponível na Internet


Como afirmou a memorável Mãe Beata de Yemanjá:
”Não basta tolerância, queremos  respeito!”
R-E-S-P-E-I-T-O é o que pedimos!