Era descendente da nobre e tradicional família Asipá, originária de Oyó e Ketu na África, importantes cidades do império Yorubá. Sua trisavó, Sra Marcelina da Silva, Oba Tossi, foi uma das fundadoras da primeira casa da tradição nagô no Brasil o Ilê Axé Aira Intilé, candomblé da Barroquinha, depois Casa Branca do Engenho Velho, que deu origem aos terreiros do Gantois ( Ilê Axé Omi Iyamassê) e do Ilê Axé Opó Afonjá, do São Gonçalo do Retiro. Não se tem muita informação sobre a vida de Maria Bibiana, do nascimento até os sete anos, talvez em razão da pouca importância que se dá nas comunidades de candomblé, aos fatos e datas da vida secular e do pudor cerimonioso com que são tratados os fatos da vida pessoal dos seus membros, sobretudo aqueles tornados líderes, com uma posição e autoridade a serem preservados.
O que sabemos é que foi iniciada aos 7 anos de idade e, nesta época, já recebeu de sua mãe-de-santo, Eugênia Anna dos Santos, Mãe Aninha, Obá Biyi, a ‘’cuia’’ que pertencera à sua bisavó, Marcelina Oba Tossi. O merecimento excepcional obtido por Senhora em tão tenra idade, deveu-se à sua linhagem familiar e espiritual.
Senhora foi preparada por Obá Biyi para ser sua sucessora. No Axé Opó Afonjá foi a Ossi Dagã e nas ausências de Mãe Aninha, assumia os cuidados com o culto e com os filhos da Casa, auxiliando as tias e irmãs mais antigas no comando da comunidade.
Com a morte de Mãe Aninha e ‘’depois de realizadas todas as obrigações e preceitos de acordo com a liturgia da seita, e tudo regularizado dentro do Axé Opó Afonjá’’, em junho de 1939, Mãe Senhora assume ainda com o título de Ialaxé, a direção do terreiro – ‘’como era de direito, devido à sua tradicional família da nação Ketu, ao lado de Mãe Bada, Maria da Purificação Lopes, Olufan Deiyi, já idosa, mas reconhecidamente sábia e experiente, propiciando uma transição segura e tranqüila até a sucessão concluída com sua morte e luto ritual. Segundo Deoscóredes Maximiliano dos Santos, Mestre Didi, seu único filho biológico , Mãe Senhora torna-se de fato e direito a Ialorixá do Axé, em 19 de agosto de 1942.
No Ilê Agboulá, comunidade do culto aos Eguns de Ponta de Areia, ilha de Itaparica, exerceu sua liderança e recebeu o título mais elevado dado a uma mulher – Iyá Egbé.
Sua fé em Xangô era inabalável, e sua dedicação ao orixá de sua mãe-de-santo era ‘’maior até que ao seu próprio orixá’’ – que ela chamava de ‘’meu anjo da guarda.’’
Mesmo não residindo ‘’na roça’’ estava presente e tudo controlava com extremo rigor e pontualidade, empenhando todos os esforços para a fidelidade dos preceitos com entusiasmada dedicação.
Esta senhora de Oxum de forte personalidade, deu seguimento às comemorações e festas tradicionais de acordo com o calendário estabelecido por D.Aninha. Mantinha muitos dos hábitos instituídos por sua mãe-de-santo, como ter a sua manutenção econômica assegurada por atividade independente do sacerdócio.
Vivia o sacerdócio como uma missão. A partir de 1942, Senhora, já Ialorixá, começou a tomar providências importantes para neutralizar as reticências e oposições que por ventura ainda perdurassem no interior do egbé e a substituir cargos tornados vacantes por afastamento, morte ou para reforçar sua liderança.
Criou então os cargos de substitutos no quadro dos Obás de Xangô – os otuns e os ossi Obás – ou seja, os primeiros e segundos substitutos dos titulares, ampliando o quadro inicial dos 12 titulares para 36. E aprimorou a instituição, definindo suas funções e estendendo a escolha dos Obás para o âmbito social, além dos limites da comunidade religiosa.
Provavelmente já como fruto desta nova orientação no corpo dos Obás, Senhora e o Axé começaram a colher frutos importantes. Pierre Verger, que desde 1946 fixara residência na Bahia e, a partir de 48, fazia freqüentes viagens a África, já desenvolvendo pesquisas, tornou- se um interlocutor interessado na retomada das relações entre afro-brasileiros e africanos. Foi assim, que em 1952, D.Senhora, Oxum Muiwá, recebeu do Obá Adeniram Adeyemi, o Alafin (rei) de Oyó, na Nigéria, um edun ará e um xerê de Xangô, acompanhados de uma carta, tratando-a com o título de Iya Nassô.
Como explica Vivaldo da Costa Lima, num artigo intitulado “Ainda sobre a nação Queto” – Iyá Nassô é um título altamente honorífico, privativo da corte de Alafin de Oyó, isto é, o ‘’rei de todos os iorubás’’. A Iyá Nassô é quem, em Oyó, a capital da tradição política da nação dos iorubás, se encarrega do culto de Xangô, a principal divindade dos iorubás e o orixá pessoal do rei.
D. Maria Bibiana do Espírito Santo comungava do entusiasmo de Pierre Verger de verem reatadas as relações culturais com a África e recebia com freqüência a visita de intelectuais e embaixadores de países africanos como Daomé, Ghana e Senegal. O governo Senegalês conferiu-lhe, em 1966, a comenda do ‘’Cavalheiro da Ordem do Mérito’’, pelos relevantes serviços prestados na preservação da cultura africana no Novo Mundo.
D.Senhora de Oxum teve a satisfação de ver reconhecida a sua liderança espiritual, ainda em vida, em muitas homenagens que recebeu:
Em 1957, por ocasião do cinqüentenário de sua iniciação, foi homenageada com uma grande festa no barracão do Axé lotado dos filhos-de-santo, Obás e demais integrantes do egbé, delegações dos mais diversos candomblés da Bahia, personalidades da vida intelectual, muitas delas vindas do Rio de Janeiro e São Paulo, inclusive representações do presidente Juscelino Kubitscheck e do seu Ministro da Educação.
Em 1959, por ocasião do IV Colóquio Luso-Brasileiro, realizado pela UFBA, D.Senhora ofereceu no Axé um grande amalá de Xangô, numa festa pública dedicada aos congressistas. Durante a festa, o escritor Jorge Amado saudou seus convidados, em nome do terreiro e de sua ialorixá, dizendo “..Estais em vossa casa porque este terreiro de Xangô, este candomblé de Senhora, tem sido – permanentemente e sempre – uma casa da cultura e da inteligência baiana... somos orgulhosos deste templo e de seu significado. Aqui passaram e estudaram Martiniano do Bonfim, babalaô da casa, nosso Édison Carneiro, o feiticeiro Pierre Verger, e hoje nós, homens de cultura, somos os defensores do seu segredo e de sua grandeza, ao lado desta figura invulgar de mulher, feita de uma só peça, rainha, se a este título damos sua significação mais profunda...’’
Em 1965, Mãe Senhora recebeu o título de ‘’Mãe Preta do Brasil’’ e foi aclamada pelas comunidades religiosas afro-brasileiras, que lotaram o Maracanã, no Rio de Janeiro, com seus representantes, além de políticos e jornalistas.
Deixamos com Mestre Didi, seu filho e importante historiador da tradição da sua comunidade, a notícia do seu falecimento: ‘’No dia 22 de janeiro de 1967, Maria Bibiana do Espírito Santo veio a falecer pela manhã, ao nascer do sol. Mãe Senhora, assim, como todos os de sua família, morreu de repente, e talvez por isso pareceu impossível a muitos acreditar na notícia da sua morte. Tão forte ainda, aparentemente tão sadia, com aquela presença de rainha, sua força de comando, sua intimidade com os orixás!’’