Por Marco Aurélio Luz
Capa do livro " O Segredo da Macumba" de autoria de Marco Aurélio Luz e Georges Lapassade lançado em 1972 pela Editora Paz e Terra
O BRASIL DO APARTHEID IDEOLÓGICO E CULTURAL-O RETORNO DO REPRIMIDO
Era o tempo da ditadura; com a publicação do ato institucional nº5, o movimento estudantil em geral tomou duas direções; uma foi a resistência armada, outra foi tentar compreender o povo brasileiro para além da linguagem e dos paradigmas e valores universitários. No panorama internacional a guerra do Vietnã causava essas repercussões e parte da juventude se rebelava.
Junto com amigos estudiosos de filosofia e ciências sociais acreditando num revisão teórica do marxismo publicamos o livro Epistemologia e Teoria das Ciências ed. Vozes, que se situava no âmbito filosófico socrático de se indagar do porque dos por que das coisas e seu conhecimento. Era a época da influência dos intelectuais franceses como Bachelard, Lévy-Strauss, Althusser e seu grupo, Lacan e seu grupo, Foucault etc.
Recém-formado em Direito e Filosofia, era professor da ECO UFRJ e do IACS UFF. Então, depois disso, fomos desafiados a aplicar nossa epistemologia numa "análise da realidade".
Aceitei o desafio vindo principalmente de meu amigo Chaim Samuel Katz e comecei a procurar uma base teórica que me desse condições. Apoei-me no que era mais conceituado na época nos meios acadêmicos, as obras de Marx e Freud. Nesse caminhar me deparei com os trabalhos de Wilhelm Reich, revelado pela atuação dos movimentos de contra cultura que começavam a repercutir no Brasil.
Foi nessa conjuntura que comecei pela minha própria iniciativa a subir o morro separado do asfalto no Rio de Janeiro. Isso talvez por que fui nascido e criado em meio a um conjunto de favelas que formavam a zona sul. D. Marta, Macedo Sobrinho, Sacopã, Catacumba Cantagalo, Pavão e Pavãozinho, Vila Rica, Praia do Pinto, Vidigal, Rocinha, Hípica, Sossego, fora o Parque Proletário da Gávea e talvez outras que não me lembro de todas, mais ou menos situadas no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Um senhor que desfilava pelo Filhos de Gandhi na rua Jardim Botânico me disse que era naquela região que mais se encontrava a “negrada” no Rio de então. “Oh tempore oh mores!”...
Tinha uma intuição que a religião era a fonte da identidade desse povo. Quando o destino me levou ao morro D. Marta, fui acolhido pelos terreiros de Umbanda que ficavam equidistantes na subida do morro. Num a sacerdotisa que chefiava era D. Rosa no outro a D. Maria Batuque. Com o tempo fiz amizade com o filho de D. Maria e passei a frequentar mais esse terreiro cuja patrona era a entidade Vovó Maria Conga.
D. Maria e as filhas, foto Roberto Moura, Corisco filmes.
Imagem da Rainha Maria Conga no salão do terreiro, foto Roberto Moura/ Corisco filmes
Ao subir os degraus irregulares de acesso num dos becos de entrada do morro nas noites de sexta-feira, na chegada ao barraco de madeira, tomando conta da "porteira" estava o assento de Exu Tranca Rua e de Pombagira num pequeno nicho lateral. Avançando pelo pequeno corredor de acesso ao ar livre na entrada do terreiro deparava com uma vista deslumbrante. Avistava uma senda cintilante do bairro de Botafogo que ia até a enseada onde majestosamente se erguiam o morro da Urca e o Pão de Açúcar e lá longe, do outro lado da baía de Guanabara as luzinhas de Niterói. Em noite de luar então a emoção era ainda maior.
Vista do Morro D.Marta
Imagem disponível em http://www.flickr.com/photos/claudiolara/6055409471/
José Paulo, filho de D. Maria e cambono da casa e também presidente da sociedade me levou por incursões por outras regiões e instituições da cultura negra. Subindo o morro, entra em beco sai em beco, além de ser apresentado aos moradores vizinhos, tomei conhecimento de um terreiro de candomblé, visitei o clube com times de futebol e bailes, fui às escolas de samba do próprio D. Marta e no morro Vila Rica em Copacabana.
José Paulo, foto Roberto Moura Corisco Filmes.
O morro se apresentava com uma vida sócio cultural pulsante, a sociabilidade de uma rêde de instituições, a comunalidade. Apresentava um traçado urbano e uma arquitetura própria que me causava impacto e admiração, uma outra cidade, cidadela.
Numa dessas ocasiões de minhas andanças por esse caminhar pelas comunalidades, não posso deixar de mencionar um magnífico evento de encontro dos terreiros de Umbanda organizado pelo Tata Tancredo da Silva Pinto presidente da Confederação Umbandista na Praça do Preto Velho em Inhoaíba, Campo Grande onde havia um busto homenageando Mãe Senhora, Iyalorixá do Ilê Axé Opo Afonja. Considerada como a Mãe Preta do Brasil foi consagrada num congresso promovido pelo Tata e que lotou o Maracanã.
Centenas de terreiros reunidos na Praça do Preto Velho se organizavam no espaço aonde a curimba ia se desenvolver noite adentro.
Antes porém, num grande semicírculo cercado de frondes de palmeira, todos reunidos, aguardavam a chegada do Tata Inkice Sr. Tancredo que foi saudado pelo som de cerca de 200 tambores candongueiros, caminhando soberanamente com simplicidade com seu séquito sob a proteção de um palio até a sua poltrona ou diria trono?
Por outro lado, no asfalto, em frente ao morro D. Marta, na rua S. Clemente em Botafogo havia um Centro Espírita Umbandista. O destino me levou para lá, ocasião em que conheci o Doutor Nilo Maia chefe do Templo Umbandista. Projetando a ideologia espírita sobre a Umbanda ele fazia parte de uma parcela de umbandistas distintos.
Fachada do Templo Umbandista no “asfalto”. Foto Roberto Moura, Corisco Filmes.
Continua na próxima semana.
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Marco Aurélio Luz é Elebogi ni Ilê Axipá,;Oju Oba ni Ilê Axé Opô Afonjá;Filósofo; Doutor em Comunicação; Pós-Doutorado em Ciências Sociais Paris V-Sorbonne-CEAQ-Centre D’Etudes sur L’actuel du Quotidien; membro do Conselho Consultivo do INTECAB-Instituto Nacional da Tradição Afro-Brasileira.Autor de diversos artigos e livros em destaque:Agadá:dinâmica da civilização africano-brasileira.Escultor de imagens da temática arte sacra afrobrasileira.
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