UMBANDA DO ASFALTO
Por Marco Aurélio Luz
O Templo Espírita estava numa das ruas principais, num antigo sobrado. Um letreiro na entrada indica o local. Passando por um portão num pequeno espaço ao ar livre estão em um nicho fechado e outro com grades os altares de Exu e de Preto Velho. Após adentra-se no templo.
Logo um quadro de avisos com informações sobre médiuns e entidades, dias de giras e de consultas. Nas paredes reproduções de quadros de Rugendas do tempo da escravidão, e pinturas diversas, e ainda frases sobre comportamentos a serem adotados.
O corredor ainda é composto nas laterais de um lado por saletas da secretaria e da diretoria, e de outro, pelas de consultas e “trabalhos”.
Após nos deparamos com o salão, com lugar para assistência e o espaço para o ritual com um grande altar composto com imagens de santos, o lugar do microfone para chamar por sua vez os fiéis com suas fichas para as respectivas consultas com as entidades.
Enquanto nas giras do morro as entidades tinham seu tempo e espaço determinado ao longo da noite da cerimônia, como a Gira de Caboclo, a Gira de Preto Velho, a Gira de Exu, a Gira das Crianças, aqui era uma vez por semana dedicado a uma dessas entidades, além de um dia reservado à "mesa branca" .
Exterior do Templo Umbandista-
“Cenzala Pretos Velhos”(conforme estã escrito no cartaz da foto)
“Cenzala Pretos Velhos”(conforme estã escrito no cartaz da foto)
Foto Roberto Moura, Corisco filmes
Fui fazendo essas comparações e percebendo a intencionalidade e as diferenças entre essas Umbandas.
A Umbanda de morro um culto aos ancestrais Caboclos e Preto Velhos e aos Exus para abrir os caminhos para a realizações dos pedidos de proteção da gente da comunidade, a Umbanda do asfalto tentando ser um culto espírita para fazer "caridade" mas combatendo o "baixo espiritismo" a "macumba" e procurando enaltecer através da "mesa branca" os "grandes mestres do oriente e os doutores".
Conversando com o Dr. Nilo fui percebendo que ele estava envolvido por uma literatura que circulava pelos Centros Umbandistas que difundia uma ideologia adaptada da filosofia de Augusto Conte, filósofo francês ideólogo da República brasileira. Ao invés porém da teoria da evolução dos três estágios da humanidade, mítico/religioso,filosófico/metafísico, e por fim o científico o último considerado o superior, aqui são os espíritos que entram numa escala evolutiva, adaptando as teorias do espiritismo de Alan Kardec. São então os espíritos de pouca luz, inferiores a serem combatidos pelos demais, os em evolução, que precisam de desenvolvimento, e os de muita luz, superiores a quem era dedicada a "mesa branca".
Então as giras de Exu, Caboclo, e Preto Velho promoviam consultas a serem encaminhadas para os trabalhos que visavam a desfazer os trabalhos da quimbanda que "causavam o mal".
Gira de Exu no Templo Umbandista. Foto Roberto Moura, Corisco Filmes.
A "mesa branca" não era uma curimba. Sem atabaques e com som de disco com músicas tipo "Assim Falava Zaratrusta" era para promover o "desenvolvimento" dos médiuns e dar conselhos e passes aos fiéis.
Em depoimento ao filme Sái Dessa Exu, Dr.Nilo expõe seu pensamento:
“A gira de Oriente é uma gira mais calma/ é uma gira que não há atabaques, não há tambores/é uma coisa mais elevada, mais pura, de pessoas mais selecionadas/é uma gira mais mental/a umbanda a tendência dela é de crescer cada vez mais e naturalmente ela vai se aprimorar cada vez mais/podendo até chegar a um grau de aprimoramento que você vai talvez, acredito, abolir os atabaques/irão ser introduzidas outras coisas dentro da Umbanda/aliás eu considero pejorativo chamar a Umbanda de macumba porque macumba é uma coisa completamente diferente/quem chama de macumba é o público, digamos assim, é o povo, que não conhece a terminologia/costumam também chamar de macumbeiro aquele elemento que trabalha dentro da Quimbanda, esse é que chamam o macumbeiro, mas a Umbanda não tem nada disso/nós estamos lutando pela unificação/para que seja unificada como a religião católica/no futuro, acredito, nós teremos todos os centros de Umbanda trabalhando de uma maneira só, porque esse é o certo/naturalmente irá ter essa cúpula de Umbanda os seus elementos que irão correr os centros para fiscalizar/para ver se está tudo moldado direitinho dentro dos moldes da cúpula/tem muito centro aí que não é registrado e isso naturalmente eu acredito que vá acabar/e deve acabar.”
Raros eram os médiuns que recebiam os Mestres do Oriente ou Doutores, como o Dr. Nilo e sua esposa. A maioria constituida de pessoas que hoje denominamos de afro-descendentes recebiam Caboclos e Preto Velhos.
Assistência no Templo Umbandista, Foto Roberto Moura, Corisco Filmes.
Assim sendo apesar das tentativas de alteração o que predominava mesmo era a estrutura original da Umbanda, ou seja, a antiga Cabula, mesmo sofrendo discriminação ideológica ou novas roupagens burocráticas.
A ‘Umbanda do asfalto” era uma tentativa ideológica de combater a “Umbanda de morro”. Mas até onde havia êxito nessa catequização? Como vim a perceber depois havia sim era mais uma africanização do espiritismo de Alan Kardec.
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Marco Aurélio Luz é Elebogi ni Ilê Axipá,;Oju Oba ni Ilê Axé Opô Afonjá;Filósofo; Doutor em Comunicação; Pós-Doutorado em Ciências Sociais Paris V-Sorbonne-CEAQ-Centre D’Etudes sur L’actuel du Quotidien; membro do Conselho Consultivo do INTECAB-Instituto Nacional da Tradição Afro-Brasileira.Autor de diversos artigos e livros em destaque:Agadá:dinâmica da civilização africano-brasileira.Escultor de imagens da temática arte sacra afrobrasileira.
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