sábado, 17 de novembro de 2012

"O SEGREDO DA MACUMBA":40 ANOS DA PUBLICAÇÃO/PARTE 3

UMBANDA NO MORRO
Por Marco Aurélio Luz

Era o espiritismo que se africanizava no asfalto embora o recalque resistisse na sua ideologia preconceituosa.Por outro lado nas conversas com D. Maria e seus familiares principalmente sua filha Dalva, Mãe Pequena, predominavam suas recordações de Campos de Goytacazes onde nascera. Campos era uma região de plantações de cana e de usinas de açucar. No tempo da escravidão muitos africanos e seus descendentes vivenciaram o doce amargo do açucar presente na memória ritual das giras de Preto Velho.

D. Maria depôs no filme Sái Dessa Exu:

 “... do tempo do cativeiro/que andavam mendigando/não tinha licença a nada/não tinha casa para morar/não tinha comida para comer/não tinha dinheiro/não usava roupa, usava tanga/nesse tempo ainda muito apanhava/tiravam assim correia de couro nas costas deles/Pai Tomé chegava lá no tempo dele, em que ele era matéria, eles ficavam lá para o lado de fora igual um cachorro/os principes conversando, eles não podiam nem passar na frente se tivesse uma visita na porta/o nego era chibatado, metiam a chibata/porque naquele tempo a palmatória batia nos velhos e era a políça/qualquer um de vocês era políça para Preto Velho/porque qualquer fazendeiro aí que tinha qualquer coisa, pegava, mandava bater, botava no tronco, batia, apanhava, era castigo.”

Cantigas de lamento como:


"Chora meu cativeiro meu cativeiro meu cativerá

Chora meu cativeiro meu cativeiro, meu cativerá

Ai no tempo de sua sinhá

Quando o sinhô lhe batia

Eu gritava por nossa Senhora

Ai meu Deus

Como a pancada doia".

Mas também cantigas de luta e superação contando com as forças espirituais dos ancestrais:

"Vovó Maria Conga é quem vence demanda
Maria Conga é quem vence demanda"...


"Pai Joakin ee

Pai Joakin ea

Pai Joakin é rei de Ngola

Pai Joakin é de Angola, Angolá”


E ainda:


"Bahia oh África

Vem cá vem nos ajudar

Nêga baiana nêga africana nêga de Mina

Vem cá vem cá".



Gira de Preto Velho, Terreiro de Vovó Maria Conga.
 Foto Roberto Moura,
Corisco Filmes.

Tempos depois continuando as pesquisas que redundaram no livro Agadá, Dinâmica Da Civilização Africano Brasileira, compreedi que o têrmo favela que designa as comunidades do morro, está diretamente relacionado com a guerra de Canudos.
A guerra de Canudos resultou de um processo que pôs fim a escravidão e erigiu novas formas de exploração do trabalho, a do "trabalhador livre" "livre de tudo" como diria Marx. Um contingente de uma população recém saída da escravidão no nordeste criou a vila de Canudos entre morros onde vicejava a planta favela, que tem por caraterística queimar quando é tocada. O recém criado governo republicano totalitário e totalizante não admitia formas de organização social fora de seus poderes e domínio. Então ocorreram as batalhas, as tropas governamentais com ânimo genocida.
Cessada a guerra retirantes vieram para o Rio de Janeiro e se concentraram no morro que então tomou o nome de Morro da Favela, e esse nome se generalizou pelas formas conhecidas Brasil a fora.
Então no repertório das cantigas da Umbanda de morro ou de favela temos:

"A poliça evem que evem braba,
Quem não tem canoa cai n`água

Quem não tem canoa cai n`água"

Porém a Umbanda como um culto aos ancestrais de Caboclo e de Preto Velho em suas homenagens faz então refêrencias aos períodos históricos em que viveram, que envolveram e ainda envolve num qui e agora entidades e fiéis. Todavia não se pode esquecer que trata-se de espiritualidade, de religião, uma relação transcendente.
Trata-se de uma relação entre esse mundo e o além. É o mistério que envolve o sentimento religioso e que promove o desejo comunal de busca de proteção pelas entidades.

José Paulo deu o depoimento no filme Sái Dessa Exu:

“Sempre existirão umbandistas que não cederão/sempre existirá uma luta/a macumba/Umbanda quando começou os negros se refugiavam em certos lugares para praticar a Umbanda/se não podiam praticar naquela hora eles esperavam os senhores dormir para praticar/mesmo que acontecesse qualquer problema, ou se a polícia fechasse/as vezes parava o tambor, mas nós prosseguimos/havia aquele debate, aquela força de vontade/então, mesmo que a Federação ganhe terreno, sempre existirá aquela batalha/Nem que se refugiem no mato para praticar a Umbanda da forma que eles acham, sempre existirá alguém que praticará a Umbanda dessa forma”.


Terreiro de Vovó Maria Conga.
 Foto Roberto Moura,Corisco Filmes
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Marco Aurélio Luz é Elebogi ni Ilê Axipá,;Oju Oba ni Ilê Axé Opô Afonjá;Filósofo; Doutor em Comunicação; Pós-Doutorado em Ciências Sociais Paris V-Sorbonne-CEAQ-Centre D’Etudes sur L’actuel du Quotidien; membro do Conselho Consultivo do INTECAB-Instituto Nacional da Tradição Afro-Brasileira.Autor de diversos artigos e livros em destaque:Agadá:dinâmica da civilização africano-brasileira.Escultor de imagens da temática arte sacra afrobrasileira.

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