domingo, 31 de março de 2013

ALEGRIA DO POVO



Didi e Garrincha

Por Marco Aurélio Luz

  O amigo Muniz Sodré sempre muito erudito e sapiente, aborda o tema “a regência da alegria” com um passeio pela história da filosofia para chegar aos finalmente e concluir, no livro As Estratégias Sensíveis: “a alegria é sem pecado, sem perdão e sem submissão”.
É com essa conclusão que me refiro a designação de Mané Garrincha, Manoel Francisco dos Santos, “Alegria do povo”.
O jogo de futebol é uma representação dos sentimentos e dos pensamentos de uma estrutura e uma conjuntura.
A estrutura do jogo se caracteriza pelos estudos de Freud em torno das brincadeiras infantis de ausência/presença, ou esconde/esconde para nós brasileiros, é uma maneira de sublimar de um lado as situações de insatisfação e desconforto e de satisfação e júbilo de outro.
A situação de dependência prolongada da criança para se alimentar e receber a presença, a proteção, o afeto e o amor da mãe, é responsável pelo pânico que se instala quando acontece a ausência. O que está em jogo é a consciência da dinâmica dos destinos, satisfações/carências, em ultima instância o mistério da dualidade vida/morte.
Através do jogo se elabora e se sublima a angústia existencial da condição humana, o desenrolar dos destinos. Vitórias se intercalam com as derrotas. Estar no mundo convivendo com esse mistério procurando viver da melhor maneira é ir de encontro à alegria.
 A luta de afirmação de uma identidade nacional frente aos desdobramentos neocoloniais eurocêntricos que se apresenta com intensidade no futebol brasileiro é a principal conjuntura.
Até a copa de 1958 os brasileiros lutavam para superar a síndrome que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira lata”. Esse “complexo” caracteriza ainda hoje a direção dos órgãos burocráticos do esporte, seus valores baseados na semântica do positivismo, que se refere a uma escala de evolução do conhecimento colocando o discurso do mito ou religioso num estágio inferior e o discurso científico num estágio superior. Em última instância valorizar o mundo dos brancos em detrimento dos demais.
A comissão técnica da seleção então procurava  responder aos valores dessa ideologia. No livro O Negro no Futebol Brasileiro, Mario Filho comenta que para justificar a escalação inicial com apenas um jogador negro, Didi, dizia-se que “no clima da Suécia, a adaptação dos jogadores brancos seria melhor”?!
 Todavia como um vulcão em erupção, a semântica do futebol arte desdobrado da linguagem de nossa herança africana através de Didi, Pelé, e Garrincha garantiram a vitória e a superação do “complexo de vira lata”. E Garrincha com seu futebol “sem pecado, sem perdão, e sem submissão” enfrentou com alegria aquele desafio, ao ponto de encerrada a ultima partida, quando todos comemoravam a grande vitória, ele acostumado aos campeonatos regionais indagava pelo segundo turno, desejava ter o prazer lúdico, de jogar e se divertir mais. Estar no mundo com alegria compartilhada pelos brasileiros.
A bacia semântica do jogo de Garrincha é a mesma da capoeira, a ginga, que o torna através das esquivas invisível para o adversário.
 O drible que desmanchava as defesas adversárias foi sua característica, como na épica vitória do Botafogo sobre o Fluminense por 6x2 em 1957.  Foi quando houve também o desagravo a Didi que saíra para o Botafogo por ter sofrido preconceito no clube do pó de arroz. O próprio Didi com toda sua moral indicava a tática vencedora: “fazer a bola chegar ao pé de Mané”.



O técnico Gentil Cardoso  que aceitou Garrincha para jogar pelo Botafogo

Na copa de 1962 no Chile quando Pelé se machucou, Garrinha aceitou o desafio de ganhar o campeonato para alegria do povo brasileiro e para dedicar a vitória a quem balançara seu coração, Elza Soares presente nos jogos, madrinha da seleção.
Demonstrou ao mundo ser atacante completo. Sem esquecer os dribles e os centros deixando os companheiros de cara para marcar, fez gol de cabeça, cobrando falta, golaço com pé esquerdo, foi expulso e voltou a pedidos, era a maior atração.
Dessa vez como noivo no dia do casamento como diz a música “tava doido para a festa se acabar”...      

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