Por Narcimária Correia do
Patrocínio Luz
É
no âmago do desejo de Mãe Aninha de ver no futuro as crianças da comunidade “de anel no dedo e aos pés de Xangô” , que Mestre Didi ,implanta
no Brasil, particularmente na Bahia, a primeira experiência de educação
pluricultural, Mini Comunidade Oba Biyi, que se desenvolveu de 1976 à 1986
ancorada nos princípios e valores do patrimônio milenar africano reposto e
recriado no Brasil. Aqui se inscreve a proposta de educação da Mini Comunidade
Oba Biyi, que pode ratificar, e de certa forma atender o desejo de Mãe Aninha.
Esse nome em sua homenagem caracterizou, uma pequena comunidade (mini) que
reuniu crianças dos 3 meses de idade aos quatorze anos. Oba Biyi, era uma forma
de homenagear o nome sacerdotal nagô de Eugênia Anna dos Santos.
Mestre Didi inspirador e criador da Mini Comunidade Oba Biyi
Foto M.A.Luz
A proposição de uma educação no contexto desse
desafio é promover uma linguagem pedagógica que estabeleça uma relação dinâmica
entre os valores sociocomunitários da tradição, e os códigos da sociedade
oficial, exigindo e assegurando nesta relação o direito à identidade própria. Assim,se
instala no âmbito da Mini Comunidade Oba Biyi, uma estratégia para
no contexto da modernidade, formar pessoas capacitadas para interagir com os códigos da sociedade
industrial e reforçar ao mesmo tempo os
valores da comunalidade africano-brasileira.De anel no dedo e aos pés de Xangô, é procurar superar os obstáculos, que se institucionalizaram na África e no Brasil, e em outros países ex-colonizados através da pedagogia eurocêntrica.
De
anel no dedo aos pés de Xangô, é a
possibilidade de uma educação em que nossas crianças aprendam a lidar com o
repertório de códigos da sociedade eurocêntrica, mas utilizando-os como estratégia
de legitimação da alteridade civilizatória africana; no caso, conquistando
espaços institucionais, e neles fincar, recriar e expandir também, o repertório
de valores da tradição africano-brasileira.
Outra
pessoa que conversamos sobre a concepção espaço-temporal da Mini, foi Marco
Aurélio Luz que participou também da
coordenação da experiência de educação no período de 1978 à 1985.
“A
forma de comunicação básica da Mini, não se assentava na escrita. A forma de
comunicação dava margem aqueles códigos tradicionais de comunicação da
comunidade, que se manifestavam através da dramatização, dança, música, etc.
Mas, em relação a linguagem pedagógica, especialmente, esse espaço propiciava
essas formas de comunicação. A Mini foi concebida com um grande salão, um pátio
e uma varanda. Não se caracterizava com salas de aula, carteiras, com aquele
mobiliário sobredeterminado pela escrita, com aquela prancheta, com obsessão
para caderno, lápis, livro, e a criança diante do quadro-de-giz, e o professor
na frente. Esse espaço dava outra dinâmica. Tinha salão de atividades por
centro de interesses, onde se desenvolvia atividades com as turmas do
prontidão, os professores começavam as atividades e a criança poderia circular
de um centro de interesse para outro e vice-versa. No pátio e na varanda
aconteciam as aulas de alfabetização. Nessa varanda tinha uma grande mesa com
os bancos, mantendo a característica do mobiliário da comunidade, e um
quadro-de-giz presente nas aulas de alfabetização. No pátio se desenvolvia a música,
dança e dramatizações.”
Autocoreográfico Chuva dos Poderes de Mestre Didi
Foto M.A. Luz
Foto M.A. Luz
Projetou-se
um espaço que abrigasse uma comunidade infantil, uma casa com o estilo da
Bahia, com telhas, varandas, pátio, um amplo salão. A concepção de um espaço
livre para as crianças explorarem e desenvolverem todos os sentidos do corpo,
não havia bancos e carteiras, era um espaço permeado pela estrutura do
terreiro, onde as atividades e/ou aprendizagem ocorressem ao ar livre ou no
salão. Tinha também uma cozinha grande,
banheiros e vegetação na área externa.
Marco
Aurélio Luz comenta ainda que
“(...)
houve um “curto-circuito”, porque aí também se definiu problemas de poder, e
esse discurso vinha querendo sedimentar o poder dos professores e
coordenadores, que eram considerados “de fora” pelas crianças, querendo ter o
poder sobre eles. E de acordo com as crianças, esses professores nada sabiam da
linguagem da comunidade, , dos valores que eles achavam que sabiam mais do que
aquelas pessoas. E como também na comunidade o poder está ligado a uma
hierarquia religiosa e comunitária, as pessoas que chegam não sabem, não tem
lugar, não tem posto, não tem poder, e aí estava a fricção de poderes.”
O
saber que vinha da universidade, da academia, das Secretarias de Educação, se
chocavam profundamente com o saber da comunidade, representada pelas crianças
que não aceitavam a imposição de saberes “de fora”, isto porque, elas já tinham
sido rejeitados pela escola oficial justamente por isso. Como elas achavam que
a Mini Oba Biyi era delas, que era um espaço feito para elas, daí a fricção e
ou “curto-circuito” como bem mencionou Marco Aurélio.
Se
instalou então o desafio da Mini constituir uma equipe, um GTE que elaborasse o
luto de não saber, abandonar os paradigmas pedagógicos vigentes, e tentar abrir
caminhos para a alteridade, ouvir o outro, tentar perceber e dar espaço para
que o outro se colocasse, criasse, ocupasse uma linguagem, proporcionando a
aceitação das partes ou melhor na dinâmica “da porteira pra dentro da porteira
pra fora”.
A
comunidade infantil Oba Biyi, não era uma comunidade religiosa, e sim de
desenvolvimento integrado da criança. A parte religiosa era cuidada pela
família e a comunidade-terreiro.
A
Mini Comunidade Oba Biyi teve o seu currículo envolvido pela linguagem
pluricultural expressa nos contos milenares da tradição africana. Esses contos
recriados por Mestre Didi, promovia e
afirmava as formas e modos de comunicação da comunidade caracterizadas
pela cultura de participação.
A
concepção e linguagem socioeducativa
estimulada por Mestre Didi,
estava relacionada a dinâmica civilizatória da tradição nagô, de onde ele
procurava inspiração para gerar o cotidiano curricular da Mini, influenciando,
determinando códigos, refletindo de tal modo que não excluísse a identidade das
crianças.
Os
contos legado da tradição, são os itans e fazem parte de sistemas
oraculares.Alguns contos o Mestre Didi criou, e são encontrados em alguns de
seus livros a exemplo de Contos Nagô, Contos Negros da Bahia e Contos de Mestre
Didi.
Dramatização do conto de Mestre Didi Odé e os Orixá do Mato
Foto M.A.Luz
Para
elaborar a dinâmica curricular da Mini através dos contos, o GTE se reunia no
início de cada semestre com os professores e funcionários, estabelecia a
temática e procuravam com Mestre Didi um conto que atendesse, representasse
e/ou ilustrasse o tema escolhido. Neste processo as crianças também
participavam.
Assim
foram realizadas várias dramatizações a exemplo de: Odé o Caçador e os Orixás
do Mato; A Chuva dos Poderes; A Filha do Arco-íris; O Presente de Xangô a Boa
Menina; A Vendedora de Acaçá; A Fuga de Tio Ajayí dentre outros. Eram nos Festivais da Mini Comunidade
Oba Biyi, que por sinal tinham muita repercussão, que se culminava o semestre.
Nesta ocasião eram exibidos os trabalhos das crianças relacionados a temática
do semestre, expondo-se o que elas selecionavam, apresentando as peças de
teatro ou autocoreográficos, músicas, danças, figurinos, cenários.
Exposição de artes durante o Festival da Mini Comunidade Oba Biyi
Foto M.A.Luz
Os
Festivais da Mini Comunidade Oba Biyi reuniam
a comunidade-terreiro, pessoas do bairro, deixando a área cheia de gente
que vinha assistir os trabalhos. Vinham convidados de instituições de fora
também, proporcionando um intercâmbio. As confraternizações eram acompanhadas
sempre por um lanche, momento , que proporcionava a coesão grupal, o
compartilhar de emoções e sentimentos, o religare.
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