Final de tarde na Lagoa do Abaeté
Foto de Maurício Luz
Foto de Maurício Luz
Na quarta-feira dia 10/12 aconteceu a Fogueira Filosófica na Casa da Música.
Local da Fogueira
Foto Maurício Luz
Acendida a fogueira, o diretor Amadeu Alves, abriu o Encontro falando sobre as atividades desenvolvidas pela Casa da Música e especialmente a Fogueira Filosófica que acontece uma vez por mês na área externa do entorno da lagoa.
Amadeu Alves diretor da Casa da Música faz uma introdução do projeto
Fogueira Filosófica
Foto Maurício Luz
Após a introdução sobre a atividade,Amadeu Alves apresentou os palestrantes Marco Aurélio Luz e Narcimária Luz .
Amadeu Alves faz a apresentação dos palestrantes
Foto Maurício Luz
Marco Aurélio Luz que iniciou dando boa noite a uma plateia que contou com a presença de integrantes das Ganhadeiras de Itapuã e do Redes África.
Começou filosofando sobre a importância da domesticação do fogo para a constituição da civilização, e sobretudo, a sociabilidade que se forma em volta da fogueira o estar junto pensando e meditando sobre o mistério da existência, criando a angústia existencial que será aplacada pelas elaborações que fundam a religião.
Marco Aurélio Luz desenvolve seu pensamento e suas narrativas
Foto Marcelo Luz
É nessa interação em torno da fogueira que transbordam os valores de origem e ancestralidade. Para os nagô, a origem é a cidade sagrada de Ile Ifé, a cidade que se expande e que guarda a marca de Oduduwa orixá da criação do mundo.
A arquitetura urbana de Ile Ifé, possui uma forma espiralada. No centro o mercado, fonte de sociabilidade, onde converge e se dispersa a população do reino de Exu Oloojá, o Senhor do Mercado. Em frente, o palácio do rei Oni Ifé, com seus Conselhos e demais instituições que zelam pela organização política da cidade. Depois, em sentido espiralado, veem as moradias das famílias e linhagens conotando por seu posicionamento sua antiguidade e poder.
O orixá que constitui o princípio da organização da ¨pólis¨, é Xangô que também controla o poder do fogo.
No momento dessa explanação,fogo da fogueira aumentou dando um belo movimento com a cor avermelhada bem acentuada.O palestrante é surpreendido pela intensidade do fogo, e logo aparece alguém jogando água acalmando o fogo. Kawo Kabiesilé!
O fogo participa da narrativa
Foto Marcelo Luz
Marco Aurélio prossegue sua explanação, contando o itan a história do cavalo de Xangô, que gera toda uma injustiça para com Oxalá, causando o enfraquecimento do reino.Oreino de Xangô só e que ressurge após a reparação da injustiça cometida a Oxalá.
O conto alude que Xangô, orixá da justiça, tem o poder de dirigir os seres humanos, mas não pode esquecer de honrar Oxalá que criou todos os ara aiye, os habitantes desse mundo que dependem do ar para viver.Os ara aiyê estão sob o alá de Oxalá, o grande pano branco representando o ar que nos encobre e envolve.
Ainda no sentido de ilustrar os valores de origem e ancestralidade, Marco Aurélio se referiu as homenagens ao Caboclo como o ancestral fundador do território, feitas pelos afro-brasileiros.É assim que ele narra a história do povo Nambikwara, que conta como o fogo domesticado saiu da natureza e se incorporou a sociedade.
O conto é assim: Um tio leva a criança à floresta para ir aprendendo e ajudando a caçar, mas a criança desobedece e é largada em um ninho de filhotes de arara. A arara não gosta, e ele é acolhido pela onça. Na toca da onça, descobre a sogra assando a carne nas brasas de uma fogueira. Ele acaba se desentendendo com a sogra da onça e foge pela mata com um tição na mão até adentrar pela aldeia. Os guerreiros admirados perguntam sobre o tição. Vão a toca da onça e transportam o fogo para a aldeia, passando as labaredas uns para os outros. A onça perde o fogo. A última brasa , o sapo cuspiu e apagou.
O conto apresentado por Marco Aurélio trata da passagem "do cru para o cozido" como se referiu Lévi-Strauss em um dos seus livros. O conto é também a ilustração da passagem da criança, identificada com os animais, para a fase adulta integrando-se e contribuindo com a comunidade aldeã.
Outra narrativa apresentada pelo palestrante,foi auto coreográfico "Odé e os Orixá do Mato" de autoria de Mestre Didi que fez parte do currículo pluricultural da experiencia educacional Mini Comunidade Oba Biyi. Nele , o princípio da caça que garante a sustentabilidade da humanidade, é constituído pelas ações do caçador provedor. Mas o conto adverte que o caçador não pode exceder de seus poderes, sob pena de exaurir a natureza e gerar o fracasso de sua função social de fornecer alimento para a comunidade.
Odé o caçador mais admirado do povo nagô, um certo dia não encontra caça. Mais três dias se passam e nada. Resolve visitar o babalawô, o pai do mistério para lhe aconselhar e saber o que estava havendo. O babalawô recomenda que Odé faça uma oferenda prescrita e depois disso ele voltaria a caçar com facilidade. Porém ele se empolga e excede no abate de animais.Os espíritos da floresta vê o abuso de Odé,e intervém assustando-o e nessa situação ele abandona a atividade de caçador.
Muitas músicas fazem parte do auto e a plateia acompanhou com palmas os ritmos de cada uma.
Ao calor da alegria e da emoção
Foto Maurício Luz
Outra narrativa apresentada por Marco Aurélio ,foi o auto coreográfico A Fuga de Tio Ajayi também de autoria de Mestre Didi.Nessa narrativa demonstrou como os valores da religião e a fé, foram e são capazes no caminhar da história, de ajudar a superar as vicissitudes da escravidão e da perseguição e encontrar a liberdade.
A narrativa é entremeada com músicas recriadas pelaTroça Carnavalesca Pae Buruko, afoxé criado por Mestre Didi em 1935. O ritmo ijexá animou a participação dos presentes com palmas e admiração.
Ao final o grito de luta: AJAIY Ô, AJAIY Ô, AJAIY Ô !!!
Para encerrar, Marco cantou com emoção uma música de sua autoria saudando títulos sacerdotais de Mestre Didi:
Baba Mogba Oga Oni Xango, Alapini e Assogba.
Depois dos aplausos, Amadeu convidou a professora Narcimária para iniciar sua participação.
Depois do boa noite, começou referindo-se ao conceito de Odara que significa útil e belo simultaneamente para dizer que a conquista do fogo não se restringia a técnica, mas está envolvida pela beleza encantadora das chamas em movimento. Foi a beleza do ritmo do fole do ferreiro Ogum atiçando as chamas, que encantou Oxum patrona da música. Então o fogo da fogueira proporciona um encontro de beleza e encantamento. Disse que a lagoa do Abaeté como outras áreas da cidade de grandes riquezas naturais, envolvidas em história,cultura e afeto vêm sofrendo ameaças de destruição pela onda de especulação e ganância,ficando tudo reduzido ao valor do dinheiro.
Com essa introdução,Narcimária começou a narrar o conto de Mestre Didi, "O Filho de Oxalá que se Chamava Dinheiro".
Dinheiro prepotente e desafiador invade o palácio de Oxalá afrontando a todos dizendo-se poderoso e que traria Iku, Morte submetido a ele.
Público atento as narrativas
Foto Maurício Luz
Depois de algumas peripécias Dinheiro arrasta Morte enredado numa rêde para se exibir para Oxalá e demais entidades. Oxalá diante de tamanha petulância o expulsa dali dizendo que daquele dia em diante Dinheiro sempre estaria acompanhado de Morte.
A mensagem da narrativa é que Dinheiro tem muitos poderes e também é muito perigoso gerando muitas guerras e disputas por conta da cobiça.
Narcimária Luz desenvolve as narrativas e interpretações
Foto Maurício Luz
O outro conto também de Mestre Didi, ela dedicou as crianças presentes.Foi o conto do "Macaco e a Onça" do tempo imaginal em que os animais falavam.
Naquele tempo, o macaco andava abusando todo mundo causando muito alarido na floresta. Então Ossãiyn o conhecedor dos princípios da vegetação, dos mistérios das folhas mandou chamá-lo e aconselhou-o a parar com aquele comportamento e praticar uma boa ação, pois não estava conseguindo se concentrar nos preparos medicinais e de reforço espiritual.
O macaco se controlando constrangido aceitou a proposta e, logo viu uma oportunidade. A onça caiu numa armadilha de um fosso e há dias não conseguia sair. O macaco resolveu ajudá-la lançando o rabo para ela agarrar e subir. A onça muito agradeceu uma vez salva, mas não largava do rabo do macaco que pedia para soltá-lo. A onça pedia mais uma ajuda para que matasse a fome dela. O macaco então fez o maior alarido chamando a atenção de tudo que é bicho da floresta. Diante da situação resolveram pedir ao cágado que vinha ainda chegando para dar uma sábia decisão. Ele então pediu ao macaco que apresentasse as suas razões e em seguida pediu o aplauso de todos. Depois foi a vez da onça,que quando foi também aplaudir soltou o rabo do macaco. Nesse instante ,tudo que é bicho se evadiu com o macaco. Restou o cágado que sofreu com a raiva da onça que de tanta patada ficou com o casco quebrado contando depois com a paciente colaboração das formigas que colou pedaço por pedaço do seu casco.
A mensagem do conto de Mestre Didi é que:"nunca pagam um bem com outro bem,e quando se fizer um bem não se deve esperar recompensa e sim confiar na providência divina".
Muitas vezes que se faz um bem a alguém não se deve esperar por um reconhecimento de gratidão, acontece assim nas nossas vidas.
Após essa narrativa, Narcimária propôs uma ¨brincadeira¨, distribuindo tiras com provérbios entre os presentes solicitando que quem quisesse fosse ao microfone interpretá-lo.
Narcimária propõe a caixa de provérbios
Foto Maurício Luz
Foi uma forma de ilustrar um outro modo de transmitir ensinamentos presente na vida cotidiana dos africanos e entre nós.
Leitura e interpretação de provérbios
Foto Marcelo Luz
Depois de muitos se divertirem ela encerrou a apresentação recebendo muitos aplausos.
Outro candidato a leitura e interpretação de provérbios
Foto Marcelo Luz
Amadeu após as explanações dos palestrantes abriu um espaço para troca de ideias com a plateia.Uma das perguntas dirigida a Narcimária, foi sobre a localização do histórico quilombo Buraco do Tatu de Itapuã. Ela respondeu que mais importante que o território cartográfico dos arquivos de polícia que orientam os historiadores acadêmicos, é perceber a territorialização que atravessa o tempo e o espaço, e nos chega agora como um legado de uma luta pela liberdade.
Encerrada o momento de perguntas,Amadeu apresentou as atrações musicais com os grupos Redes África e Ganhadeiras de Itapuã.
Grupo Redes África
Foto Marcelo Luz
Muita beleza e encantamento envolveu a apresentação que foi entremeada por outras participações de récitas de poesia com Everton, Lauro e Laurindo Dourado e Valdir da Escola Unidos de Itapuã compositor de um samba enredo em homenagem aos orixás que regem a Lagoa do Abaeté.
Ganhadeiras de Itapuã
Foto Marcelo Luz
Então Amadeu pediu a Narcimária e a Marco que fizessem suas conclusões finais.
Narcimária falou da emoção de estar ali naquele momento vivenciando ternas lembranças de sua infância e juventude em Itapuã,inclusive quando morava em frente a Lagoa. Estava então muito gratificada e agradecia a atenção de todos e saudou o momento proporcionado pela Casa da Música dizendo:ODARA PUPO!
Marco Aurélio enalteceu o legado de Mestre Didi Alapini, supremo sacerdote do culto aos ancestrais Baba Egun, e pediu para cantar um samba enredo de sua autoria em homenageando o Alapini encerrando sua participação.
Amadeu e Joélia coordenadora da Redes África,solicitaram a todos os presentes que os acompanhassem a um descampado próximo a Casa da Música,pedindo a todos que dessem as mãos formando uma grande roda. Foi então que Joélia entoa uma canção celebrando as emoções e saberes compartilhados durante a noite. Amadeu e Joélia pediram que Narcimária e Marco fossem para o centro da roda e lá eles dançaram ao sabor do canto que circulava na roda emocionando-os.
Ao final ainda envoltos em muita emoção presente entre todos na roda, houve grande confraternização com abraços, agradecimentos e votos de proteção espiritual.
Ao final ainda envoltos em muita emoção presente entre todos na roda, houve grande confraternização com abraços, agradecimentos e votos de proteção espiritual.