Por
Marco Aurélio Luz
Ajalá
é um orixá muito antigo que faz as cabeças, o ori das pessoas que vem para o
Aiyê, esse mundo. O ori inu o interior da cabeça transcendente, traz os
destinos de cada ser e está relacionado com o orun o mundo do mistério, do
além.
Ele
faz boas e más cabeças e as pessoas escolhem. As que lhe dão atenção e agrado,
ele ajuda na escolha permitindo um destino melhor, sem muitas atribulações.
No
destino também se inscreve o dom, que reúne as qualidades para determinados
afazeres e realizações de cada um.
No
início do século passado com o fim da escravidão no Brasil, engendrou-se nos
umbrais da Universidade na Faculdade de Medicina da Bahia, a ideologia da “raça” e suas hierarquizações, pedra angular da política do racismo de Estado.
O
médico e professor Nina Rodrigues com influência das ideologias “científicas”
da França colonial, frequentou o “candomblé” na Bahia para afirmar a
“superioridade da raça branca” e a “inferioridade da raça negra”. Para isso, baseou-se
na analogia que fez entre os “sintomas de hysteria e a manifestação de orixá”
âmago das religiões tradicionais, momento de realização da cosmologia da
civilização africana. O que há de mais sagrado para a religião tradicional
afro-brasileira, é reduzido a uma doença mental e assim, foram construídos estigmas
e preconceitos que deformaram a verdadeira percepção da religião fonte da
civilização africano-brasileira.
A
partir desse achado “científico”, nutre-se a Razão de Estado da República para
realizar múltiplas formas de genocídio realizando a política de branqueamento...
Uma
cantiga da umbanda resume o passado recente da perseguição policial:
“ A poliça vem que vem braba
Quem não tem canoa ,cái n´água”
Mãe
Aninha Iyalorixá Oba Biyi fundadora do Ilê Asé Opo Afonjá percebeu que teria de
combater no terreno das ideologias acadêmicas, as falsidades do racismo. Foi
assim que aceitou juntamente com o ojé L´Ade e Ajimuda Martiniano do Bonfim,
participar do IIº Congresso Afro brasileiro realizado por Édson Carneiro em
1935.
A comunicação de Mãe Aninha foi sobre a culinária sagrada importante aspecto da liturgia que promove a circulação de axé e remete a simbologia da constelação dos orixá que integra a visão de mundo nagô.
Foto disponível na internet
A Iyalorixá Oba Biyi fundadora do Ilê Axé Opo Afonja em 1910. Foi iniciada pela Iyalorixá Oba Tossi Marcelina da Silva da linhagem Axipá.A comunicação de Mãe Aninha foi sobre a culinária sagrada importante aspecto da liturgia que promove a circulação de axé e remete a simbologia da constelação dos orixá que integra a visão de mundo nagô.
A comunicação de Martiniano foi sobre o recém-criado
corpo dos Obá, os doze ministros de Xangô no Ilê Asé Opo Afonjá. Martiniano que
viveu muito tempo em território nagô na África teve importante participação na
criação do corpo dos Oba que é inspirado no corpo dos Mogba os ministros do
Alafin em Oyó.
Foto disponível na internet |
Martiniano foi um líder sacerdotal exponencial e admirado babalawo . |
Mãe
Aninha procurou reproduzir de forma concentrada e criativa as instituições do
antigo império nagô realizando a reposição de seus valores.
Mãe
Senhora Iyalorixá Oxun Muiwa sucessora a Mãe Aninha, ampliou o corpo dos Obá constituindo os otun
e osi de cada um, totalizando trinta e seis, sendo que os titulares tem o poder
de voz e voto. Ela estabeleceu uma política de
proteção, preservação e expansão da comunidade terreiro: “da porteira para
dentro, da porteira para fora”.
De
um lado a dimensão das iniciações sacerdotais profundas, constituindo um corpo
sacerdotal capaz de manter a liturgia e a tradição, de outro, os ijoiyê os títulos honoríficos que
contemplam os “amigos da casa”, gente mais incumbida de valorizar e legitimar
os valores nagô na “sociedade oficial” das mais diversas formas.
O
corpo dos Obá representa bem essa dinâmica. Importantes personalidades foram
acolhidas como o escritor Jorge Amado Oba Arolu, o compositor e interprete musical
Dorival Caymmi Oba Onikoyi, o pintor Carybé Oba Onansokun, o empresário Sinval
Costa Lima Oba Abiodum, dentre muitos outros artistas e intelectuais
participantes como o escultor Rubem
Valentim, o escritor Vasconcelos Maia, o professor Vivaldo Costa Lima, etc.
Foto disponível na internet
Mãe Senhora iyalorixá Oxun Muiwa com Zélia Gattai, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Jorge Amado no ilê Axé Opo Afonja.Convém destacar a presença de Pierre Verger, inicialmente fotógrafo e curioso quando conheceu Mãe Senhora, mas com o passar do tempo, deu outro sentido a sua vida adentrando pelo mundo das tradições africanas. Isso fez com que Mãe Senhora lhe conferisse o título de Oju Oba da casa de Xangô. O Oju Obá, fez inúmeras viagens à África que proporcionaram a troca de correspondências entre a Iyalorixá e os reis de Oyó e de Oshogbo. Sendo ela descendente da linhagem Asipá, originária de Oyó e uma das sete famílias fundadoras do reino de Ketu, ela era bastante estimada e admirada.
Mãe Senhora Asipa Iyalorixá Oxun Muiwa Iyanaso
Por seus méritos recebeu do Alafin Oyo, Oba Adeniran Adeyemi II em 1952 através de Pierre Verger, o título de Iya Nasô Oyó Akala Mabo Olodumare, Ase Da Ade Ta.
Foto disponível na internet |
Mestre Didi Asipa no monumento Opa Oraiyan em Ile Ifé. Oraniyan expandiu as bases do império nagô. |
Na presença do Alaketu Mestre Didi
recitou vários poemas inclusive korin
referente de Odana Dana Asipá que no Brasil participou da reposição
religiosa da tradição africana. O Arokin que guarda a memória histórica do
palácio reconheceu aquela que desaparecera durante a guerra com o Daomé por
volta de 1860.
Por
fim Mestre Didi recitou o brasão oral da família Asipa: “ Asipa Borogun Elese
Kan Gongo”. Então o Alaketu reconheceu e logo disse:
-
“ Ah! Asipá! Sua família mora ali”. Apontando em direção ao quarteirão. Foi
um reencontro histórico imemorável!
Foto disponível na internet |
Mestre Didi visita o ojubo de Oxossi da família Asipa em Ketu. |
Foto acervo M. A. Luz
Mãe Stella Iyalorixá Odé Kayodê, Mãe Pinguinho Iya Kekerê, Mestre Didi Asogba ati Balé Xangô, Muniz Sodré Otun Oba Aresa, Juana Elbein dos Santos Elefunde, Marco Aurélio Luz Osi Oju Oba, Dorival Caymmi Oba Onikoiy. Confirmação do Otun Oba Aresa e do Osi Oju Oba indicados pelo Balé Xangô.Mais adiante já adulto, recebeu o título de Alapini e Ipekun Ojé, o mais alto na hierarquia do culto aos Egungun e de Balé Xangô, mais importante título da casa de Xangô dentre outros.
Foto M.A. Luz
Mestre Didi Alapini seguido pelos Ojé Jobi, Alagba, Osi Alagba e Otun Alagba no Ilê Axipa.
Mestre Didi Alapini no Ilê Asipa recebendo as saudações dos Egun Agba |
Foto Marcos Kalisch |
Pronunciamento de Mestre Didi Axipa Alapini na I Conferência Mundial da Tradição dos Orixá e Cultura realizada em 1980 em Ile Ife. Na foto compondo a mesa o Aragba e o Oni Ifé. |
Essa
imersão na cultura sagrada, potencializou Mestre Didi para da “porteira para
fora”,ser um escultor de renome internacional de originalidade única,
Mestre Didi tornou-se um artista reconhecido internacionalmente. Suas esculturas derivam dos emblemas do panteão dos orixá da terra em magnificas recriações. |
Mestre Didi foi também um renomado
escritor de livros e peças de teatro ou autos coreográficos.que abriram um espaço original na literatura brasileira.
Foto disponível na Internet
Livro arte de Mestre Didi com ilustrações de Lênio Braga
Foto: disponível na Internet |
Mestre Didi com Pierre Verger e Vivaldo Costa Lima autores e escritores. |
Lélia Gonzales, JJSiqueira, Marta Vega, Wande Abimbola, Juana E. dos Santos, Mestre Didi, Joel Rufino, Edmilson do MNU. sentados, Jorge de Pernambuco, Edvaldo Brito, Bujão, e Marco Aurélio Luz em pé. Encontro preparatório para a IIª Comtoc na sede da SECNEB.
Foto: acervo M.A. Luz
Integrantes do INTECAB na reunião de Minas Gerais em Belo Horizonte. Representante do Conselho Consultivo Nacional Marco Aurélio Luz, Oju Oba Coordenador Nacional Deoscoredes M. dos Santos Mestre Didi. Alapini Secretaria da Cultura Nacional Juana Elbein dos Santos Elefunde, e Coordenador Estadual MG Wamy Guimarães. Tata Inkisse Omoloko
Foto: M. A. Luz
Encontro Nacional do INTECAB Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro Brasileira no Centro de Convenções em Salvador BA. 1988.Todas essas trajetórias propiciaram o fortalecimento e legitimação dos cultos de tradição africano brasileira, desde o fim das perseguições policiais na década de trinta, até mesmo na promulgação de Leis de liberdade de culto e de proteção da tradição africano brasileira no plano das Constituição federal e estadual.
Foto M.A. Luz |
Opo Baba Nla, monumento em homenagem à ancestralidade Africano Brasileira em Salvador BA. Recriação da obra Opa Exin de Mestre Didi. |
Concluímos
então, reconhecendo que numa comunidade religiosa de culto africano brasileiro,
há lugares para integrantes que possam ter mais o destino para iniciações
religiosas profundas “da porteira para dentro”, e outros, que têm um destino
vocacionado para uma atuação “da porteira para fora”, todos concorrendo para a
preservação e a expansão da riquíssima tradição religiosa legada pelos
ancestrais. Cada qual no seu cada qual.
As atuações de Mestre Didi geraram a criação de uma nova epistemologia Africano Brasileira .
A seguir relacionamos algumas obras.
A seguir relacionamos algumas obras.
De Mestre Didi
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