quarta-feira, 29 de novembro de 2017

ESCULTURAS DE UM MUNDO SAGRADO

                                                  Por Marco Aurélio Luz



Mestre Didi Asipá Alapini, sacerdote artista
Foto disponível na Internet
Um pouco do que aprendi dos ensinamentos de Mestre Didi...
Mestre Didi Assogbá, o consertador de cabaça, o reparador da vida, sacerdote supremo do templo dos orixá ninu ilé, entidades do interior da terra, Nanan, Obaluaiye e Oxumare, era responsável pelos paramentos e emblemas desses orixá, portanto elementos de um mundo sagrado.

Fila de Iko, paramento do orixá Obaluaiye
Foto disponível na internet
Dos paramentos destacamos a cobertura, ou capuz, fila de iko, palha da costa em forma de cone em franjas que encobrem o orixá Obaluaiye, simbolizando o mistério de seus poderes capazes de controlar o fluxo de doenças, vida e morte.
Outro paramento é o brajá, feito de sequência de búzios, representação de ancestralidade contínua. Na forma de “escamas de peixe” sucessão de ancestrais é usado a tiracolo cruzado abrangendo dimensões simbólicas do existir, centro presente, frente porvir, costas passado, lado direito princípio masculino, lado esquerdo princípio feminino.

Ibiri, emblema do orixá Nanan Buroko
O ibiri, meu descendente retornou trazendo de volta, é o emblema de Nanan feito de nervuras da folha de igi ope, dendezeiro, enfeixados de forma ventral representa os mortos contidos no ventre ressarcido, que proporcionará novos nascimentos.
 Mistério do orixá Iku,  Morte e renascimento. “Nanan Iku re” Nanan é Morte diz a cantiga. Outra cantiga diz  “Ibiri o to/Salare Nanan Olu Odo/ Olowo se in se in; Ibiri é precioso/ Orixa da justiça dona das fontes/ Dona dos búzios (indicado pelo som se in se in).
Detentora desse poder e mistério Nanan é orixá do interior da terra que proporciona a agricultura. Frutos que recolhidos na terra dando sementes que brotarão.

Xaxará emblema do orixá Obaluaiye
Foto e acervo de M. A. Luz
O xaxará, emblema do orixá Obaluaiye, rei dos espíritos do mundo, é o instrumento que representa o poder de varrer, de cessar as doenças. Composto de nervuras ou taliscas das folhas de igi ope desfiadas, mariwo, são enfeixados de forma cilíndrica e aberto na ponta. Contas, com as cores do orixá, couro que une o feixe de taliscas e búzios adornam o emblema. Esses elementos estéticos representam a materialidade do orixá e os ancestrais que realizam a ação dos poderes do orixá. Obaluaiye é considerado filho de Nanan. 
O kumon por outro lado é o emblema com que mata. Kopanijé, seu ritmo característico ilustra, “ele mata ele come”. Ele realiza a justiça de Nanan de reparação de matéria que proporcionará novos nascimentos. “Vai-se para dar vez a outros” diz o ditado.
Ejo Meji emblema de duas serpentes é o cetro de Oxumare outro filho de Nanan. Ejo Meji representa o fluxo dos destinos também representado pelo arco íris, saindo da terra e retornando com sua variedade de cores, diversidade do existir.
A noção de restituição representado pelo orixá Iku, Morte, e os orixá ninu ilé, está representado no itan, na história que se refere a constituição dos ara aiye, os habitantes desse mundo por Oxalá.
Conta-se que Oxalá pediu aos orixá para que o ajudassem em achar a melhor matéria para realizar sua missão. Foi então que encontraram a lama, o barro. Quando retiraram os pedaços, a lama verteu água, pôs-se a chorar. Um orixá porém, Iku, não teve dó e levou o pedaço a Oxalá, que ficou muito deslumbrado e agradecido por ser aquela matéria a conveniente. Os demais orixá entretanto, narraram o episódio do choro da lama. Oxalá então delegou a Iku ir fazendo as restituições ao longo da existência do aiye. Iku é um orixá que está no aiye cumprindo essa missão.
É dessa visão sagrada de mundo que se desdobra a obra de esculturas de Mestre Didi Assogbá e Alapini, um sacerdote artista.

Xaxará, Ibiri ati Oxumare
Foto e acervo de M. A. Luz
Uma das recriações estéticas fundamental é “Xaxará, Ibiri ati Oxumare ” que concentra e combina os emblemas dos orixá do panteão da terra.
Sua composição harmoniosa dos três emblemas combina com formas geométricas que utilizam o vazado, que também representa o vazio, o mundo dos invisíveis orun, o além complementando  o aiye visível, esse mundo.
No mundo nagô a noção de odara, o bom e o belo, o técnico e o estético são dimensões indissociáveis do fazer.

Opa Ossãiyn ati Oxumare
Foto disponível na internet
Outra importante recriação estética é a presença do Opa Ossãyin, cetro do orixá Ossãiyn, patrono da vegetação que garante a existência, “kosi ewe kosi orixá” sem folha não há orixá. Os rituais religiosos exigem a participação da cerimônia de “cantar folhas”, os emblemas dos orixá portanto também são consagrados. Por outro lado as recriações estéticas apenas derivam do sagrado.


Monumento que reproduz a peça O Cetro de Obaluaiye no Museu de Arte Moderna da Bahia.
Foto disponível na internet
O cetro de Obaluaiye recria elementos do ojubo como o cuscuzeiro e o opa Ossãiyn.

O Sentinela, ao centro ladeado por outras recriações de Mestre Didi no Museu Afro Brasil São Paulo.
Foto: disponível na internet
Elemento importante são as lanças, esin, que defendem a continuidade da tradição religiosa que proporciona e garante a circulação de axé. Obaluaiye é sentinela guardião dos valores da tradição.
O Opa Esin ati Eiye o cetro de lança com dois pássaros, homenageando a ancestralidade masculina e feminina, guardiãs da continuidade da tradição religiosa que garante a circulação de axé se desdobra em monumento.

Monumento que reproduz a peça Opa Esin ati Eiye Meji no Pelourinho Sa. Ba.
Foto: M. A. Luz
 Primeiramente numa recriação do artista Oscar Ramos, então coordenador do carnaval, decorou com exuberância o Pelourinho, simbolizando a trajetória histórica do tronco dos castigos a imponência do Opa Exin.   

Monumento Opo Baba Nla, que reproduz definitivamente o Opa Exin ati Eiye Meji. 
Foto: M. A. Luz
 Depois a Prefeitura criou o monumento Opo Baba Nla na praia da Paciência no Rio Vermelho em Salvador. Homenagem a ancestralidade africano brasileira que introduziu a civilização africana no Brasil.   

Igi Iwin
Foto disponível na Internet

Igi iwin o espírito das árvores representa a relação dos seres humanos com as árvores. Contam que a cada ser humano que fazia, Oxalá criava uma árvore. Há uma relação estreita do culto aos Egungun, ancestrais masculinos com as árvores especialmente Opa Akoko e Igi Ope dentre outras. As varas de Atori são elementos fundamentais no sacerdócio do culto aos Baba Egun, manejados pelos Ojé e Amuixan. Os sacerdotes são chamados de Mariwo nome das frondes consagradas do igi Ope, dendezeiro.
Importante paramento do orixá Obaluaiye é o lagdiba, eleke colar feito de casca de árvore.
O Igi Iwin brota do chão para o alto em feixe de taliscas de igi ope representações do coletivo dos ancestrais até um arco circular que fecha a formatação cilíndrica. Na metade do lado direito e do lado esquerdo dois ramos de onde pendem nas pontas franjas de iko, palha da costa símbolo de mistério e poder ancestral.
A constelação dos orixá expressos na mitologia caracteriza uma visão de mundo que estabelece suas relações e complementação. A sinergia entre princípios e aspectos das forças que regem a natureza, o existir, está presente nas recriações estéticas do sacerdote artista.
Inumeráveis recriações odara, de harmonia e beleza, de simbologia transcendente constituem as relações dos orixá Oxalá, Xango, Oxóssi e outros com o panteão da terra.

Exu Amuniwa
Foto: M. A. Luz
Por fim não podemos esquecer do orixá patrono do movimento que permite a circulação de axé, trata-se de Exú que permite que esse mundo não se acabe. Mestre Didi compôs sua representação em barro, proto matéria dos seres.



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