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disponível na Internet
” Kó si ewé, kó
sí Òrìsà”
Sem folhas não
há orixá
Por Narcimária C. P. Luz
Otun Omi L´Ayó
A
Comunidade Ilê Asipá, vive um momento de elaboração de luto profundo...
Dia
15 de setembro, faleceu José Félix dos Santos o Otun Alagbá a segunda liderança na hierarquia da
comunidade terreiro.
José
Félix dos Santos nasceu no dia 19 de julho de 1965 em Salvador.Era filho de
Nídia Maria Santos Iyá Babadarawô, e integrava a linhagem dos Asipá originária
de Oyó, uma das sete famílias fundadoras da cidade de Ketu.
José
Félix Otun Alagbá e Mestre Didi Alapini
Acervo
Marco Aurélio Luz Elebogi
Otun Alagbá era neto primogênito de Deoscoredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi, Alapini Supremo Sacerdote do Culto Egungun, e bisneto de Maria Bibiana do Espírito Santos, Mãe Senhora, uma expoente Iyalorixá do Ilê Opô Afonjá.
Maria
Bibiana do Espírito Santos, Mãe Senhora
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Teve três filhas suas alegrias e orgulho.
Otun
Alagbá com as filhas Adiles Ade L'Okê ,Madalena Logum Muiwa e Micaela Ogum
Dafu .
Acervo
da Otun Iyá Egbé
Sim!
José Félix era descendente dessas expressivas lideranças da tradição africana
nas Américas, e na sua trajetória como Otun Alagbá, foi responsável por manter
os valores da tradição nagô e promover espaços institucionais valiosos para a
expansão do legado africano-brasileiro. No Ilê Axé Opô Afonjá, José Félix era
Ogã de Yansã, com o título de Ogã Toyadé, que significa “chegou o representante
de Yansã”.
Momentos
de descontração no Ilê Asipá com a apresentação da Troça Carnavalesca Pae Burokô.Na foto, Otun Alagbá é convidado
pelos personagens que conduzem a dramatização do Pae Burokô a entrar na brincadeira.Os atores são
Jeferson ojé Ade Niji e Roni ojé Otun Itunlá.
Foto Marco Aurélio Luz Elebogi
Baba
Alapalá e Baba Alojapiu
O
Ilê Asipá cultua os ancestrais
masculinos Egunguns. Fundada em 1980 por Deoscoredes Maximiliano dos Santos o
Mestre Didi, Alapini, o Ilê Asipá se caracteriza pela preservação e expansão
dos valores africano-brasileiros “com absoluto respeito à liturgia deixada como
legado pelos antepassados da família Asipá, de Marcos Teodoro Pimentel, Arsênio Ferreira dos Santos, Miguel Santana e tantos outros importantes representantes das mais dignas e responsáveis correntes da cultura afro-brasileira concorrendo para a divulgação consequente e responsável dos valores éticos que fizeram da ancestralidade seu patrimônio”(LUZ, Marco Aurélio. Agadá, dinâmica da Civilização Africano-Brasileira.Salvador:Edufba,3ª Edição,2017).
Os
Ojé Maxodi,Jobi, Oloxedê, Alapini Ipekun Ojé, Labi, Otun Alagba,Alagba, e Osi
Alagba durante a cerimônia de entrega do Título de Doutor Honoris Causa pela
Ufba ao Mestre Didi.
Foto
Marco Aurélio Luz Elebogi
Desde muito cedo José Félix aprendeu que, para legitimar e dar continuidade aos valores civilizatórios dos nossos ancestrais, seria necessário exercer a sabedoria de estabelecer uma relação dinâmica entre os valores sócio comunitários da tradição, e os códigos da sociedade eurocêntrica que tende a tragar o direito à alteridade civilizatória africano-brasileira. Vale lembrar que essa estratégia de afirmação, foi muito utilizada pelo seu avô Mestre Didi e sua bisavó Mãe Senhora.
Iyalorixá
Oxun Muiwá Asipá Iyá Nassô e o artista plástico Carybé o Oba Onansokun
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Comprometido
com esse aprendizado, ao qual Mãe Senhora utilizava a legenda “da porteira pra
dentro, da porteira pra fora”, José Félix o nosso querido e saudoso Otun
Alagbá, concebeu iniciativas especiais que celebravam a memória e legado dos
nossos antepassados.
Participou
do grupo de jovens da Mini Comunidade Oba Biyi, experiência pedagógica pioneira
em Educação Pluricultural no Brasil, iniciativa do Mestre Didi(1976-1986).
Em
1983 José Félix foi responsável por retomar a organização da Troça Carnavalesca
Pae Burokô, fundada por Mestre Didi em 1935.Nessa ocasião, o afoxé desfilou no
entorno do Ilê Axé Opô Afonjá e no circuito da avenida do carnaval de Salvador.
Em
2000 teve a iniciativa primorosa de criar atividades culturais em comemoração
do Centenário de Mãe Senhora. Dessa
iniciativa organizou com Cida Nóbrega, o livro “Mãe Senhora, Saudade e Memória”
pela editora Corrupio.
No
livro dedicado a Mãe Senhora, Otun Alagbá comentou:
José
Félix e Mestre Didi na Troça Carnavalesca Pae Buroko em 1983
Foto:
Antonio Jorge Mendes dos Santos Ojé Toinbo
Acervo Marco Aurélio Luz Elebogi
Desfile
no entorno do Ilê Ase Opo Afonjá
Foto
Antônio Jorge Mendes dos Santos Ojé Toinbo
Acervo
Marco Aurélio Luz Elebogi
Livro
dedicado a Mãe Senhora
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Promoveu a gravação do CD Okan Awa, reunindo
cantos para homenagear Mãe Senhora com belíssimas interpretações de Inaycira
Falcão dos Santos, e também um selo comemorativo dos 100 Anos de Mãe Senhora.
Importante
realização do CD de Inaicyra Falcão dos
Santos To Kun Bó
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“Sempre
que' penso nela, a imagem que me vem é de uma mulher negra, cuja fé e coragem,
determinação e dignidade sobrepujaram o preconceito, a discriminação e a
pobreza, construindo uma personalidade marcante na história da comunidade
religiosa afro-brasileira(...) Apesar das resistências religiosas, políticas e
sociais, nas décadas em que viveu, conseguiu manter vivo e fazer crescer o Ilê
Axé Opô Afonjá, de São Gonçalo do Retiro
com a sua força espiritual, inteligência, sensibilidade política e profundo
conhecimento da tradição, tornando-se um exemplo vivo de fé aos Orixás e aos
Ancestrais ,exemplo este seguido por muitos dos seus iniciados, até os dias
atuais(...) Hoje novos tempos, onde até
o ’modismo’ leva as pessoas aos terreiros, tudo fica mais fácil. Nos tempos dela, tempos difíceis,
a abertura era vital. Aproximou-se da
elite intelectual e política da época para fortalecer a sua aceitação e o seu
reconhecimento como mulher, negra e religiosa, mas receava a influência dos
‘novos integrantes’ na comunidade e nunca abriu mão do seu controle, da
disciplina, deixando sempre muito claro que, ‘da porteira pra dentr’, era ela
que reinava e, abaixo de Xangô, era a autoridade maior.” (SANTOS
, José Félix e NÓBREGA, Cida. Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora,
Saudade e Memória.Salvador:Corrupio,2000, p.11)
Sempre
em que era convidado a expor o seu conhecimento, apresentava-o com eloquência
demonstrando ser detentor do repertório dos valores da tradição. Participou de
eventos nacionais e internacionais, palestrante em escolas e Universidades,
escreveu artigos e ensaios preocupados em comunicar e enaltecer aspectos
sócio-históricos da nossa tradição.
Participação
de José Félix dos Santos Otun Alagbá no I Sinbaianidade no âmbito da Universidade do Estado da Bahia no Campus de
Seabra. Mesa sobre Ancestralidade Africano-Brasileira
e Baianidade compartilhada com Narcimária C. P. Luz Omi L`Ayó e Marco Aurélio
Luz Elebogi .
Acervo Marco Aurélio Luz Elebogi
Em
2016, Otun Alagbá idealizou o ano comemorativo dos 100 anos do Mestre Didi. As
comemorações do centenário envolvem várias atividades, dentre elas uma
Conferência "Mestre Didi Alapini, Origens e Originalidades" ,
proferida por Marco Aurélio Luz, Elebogi, abordando a profundidade e legado da
obra de Mestre Didi Asipá como artista, escritor e fundador de importantes
instituições.
Outros
desdobramentos do centenário Mestre Didi: homenagem no carnaval da Prefeitura
de Salvador ; livro organizado por Kleiton Assis, Otun Elebogi , abordando
aspectos sobre as contribuições do Mestre Didi; e homenagem na Assembleia Legislativa
da Bahia.
Foto Narcimária Luz Otun Omi L'Ayó
Em
agosto aconteceu o Festival Anual de Badagry na Nigéria, que homenageou esse
ano seu avô Mestre Didi. O Festival de Badagry
costuma homenagear personalidades que foram lideranças na diáspora
africana pelo mundo, a exemplo de Marcus Garvey, em 2015 Toussaint L´Ouverture,
em 2016 Olaudah Equiano e esse ano, Deoscoredes Maximiliano dos Santos, Mestre
Didi.
O
Otun Alagbá participou do Festival Anual de Badagry, integrando a delegação de
lideranças religiosas do terreiro Ilê Asipá. Além disso, sua presença na
Nigéria esteve envolta ao reencontro com a família Asipá percorrendo os mesmos
lugares históricos e simbólicos que o Mestre Didi fez em 1967 há cinquenta
anos.
Otun Alagbá na terra yorubá acompanhado de sua mãe Iyá Badabarawô e do Alagbá Genaldo Novaes.
Acervo Otun Iyá Egbé
Acompanhando o trajeto do encontro histórico de Mestre Didi Asipá há 50 anos atrás, visita e reencontro à idile a linhagem Asipa em Ketu. Otun Alagbá, Alagbá e Iyá Badabarawô recebidos com muito esmero, honra e emoção pelos primos Asipá.
Outro
momento significativo na vida de Otun Alagbá esse ano de 2017, foi os seus
trinta anos de iniciado como Ojé no Ilê Agboulá na Ilha de Itaparica.
Otun Alagbá na terra yorubá acompanhado de sua mãe Iyá Badabarawô e do Alagbá Genaldo Novaes.
Acervo Otun Iyá Egbé
Acompanhando o trajeto do encontro histórico de Mestre Didi Asipá há 50 anos atrás, visita e reencontro à idile a linhagem Asipa em Ketu. Otun Alagbá, Alagbá e Iyá Badabarawô recebidos com muito esmero, honra e emoção pelos primos Asipá.
Acervo Otun Iyá Egbé
O
Otun Alagbá, tinha no seu destino a natureza de filho de Ossãyn, e por isso
mesmo, recebeu o nome de Ewé Tolú que significa “a folha é senhora do espírito”
permitindo-lhe a aproximação do conhecimento que envolve o mistério,segredos da
floresta e a riquíssima constelação de folhas que a constitui.
Como se diz na tradição nagô:” Kó si ewé, kó sí Òrìsà”, que significa sem folhas não há orixá. As folhas são fundamentais para assegurar a pulsão de vida, a dinâmica cósmica que atravessa o Aiyê e Orum. As folhas carregam o “sangue verde” responsável pela circulação de axé.
Opa
Ossãiyin
Acervo
do Elebogi
A floresta é o espaço sagrado de Ossãiyn!
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Ossãiyn,
detém o repertório dos mistérios das plantas, as quais ele recorre
transformando-as em remédios medicinais que asseguram a saúde e bem estar das
nossas comunalidades.
“Na cultura nagô, há uma relação intrínseca
entre a medicina e a religião(...) As folhas concentram o poder resultante
desta interação de princípios masculinos, caracterizados pela chuva, com os
princípios femininos, caracterizados pelo interior da terra, que gera
nascimento e proporciona alimentos. (...) As folhas têm importante função
ritual, participam de praticamente todos os preceitos que mobilizam e promovem
a circulação de axé.(LUZ, Marco Aurélio.Agadá, dinâmica da Civilização
Africano-Brasileira.Salvador:Edufba,3ª Edição,2017, p.51)
Imagem disponível na Internet
São
esses valores que compuseram a trajetória de vida desse filho de Ossãiyn
.Sempre presente e muito comprometido com as questões e obrigações necessárias
ao ritmo ininterrupto da vida comunitária.
Certa
vez, conversando com Muniz Sodré Oba Aresá nilê
Opô Afonjá, José Félix expressou a responsabilidade que assumiu como
Otun Alagbá :
"Quando recebi a incumbência de me tornar
Otun Alagbá n'ilê Axipá, assumi o compromisso de zelar por este terreiro(...).
Diariamente, renovamos, através do Ilê Axipá, a nossa identidade como
indivíduos e como grupo, levando adiante o nome e a presença de uma das
famílias fundadoras de Ketu(...). A palavra que cantamos em nosso culto é a
mesma palavra que cantam os Axipá de Ketu, lá na África. Ecoa por lá o mesmo
toque dos atabaques que batem por aqui. Continuamos, continuaremos."(SODRÉ,
Muniz. Pensar Nagô.Petrópolis:2017, p.90)
Acervo Marco Aurélio Luz Elebogi
Otun Alagbá manteve após a ida do Mestre Didi para o Orum, a harmonia e serenidade que estabilizavam a conduta do terreiro.
Numa
exposição como palestrante no Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade
Federal da Bahia em 2013, José Félix expressou o valor inestimável da
civilização africana através do culto Egungun:
Otun
Alagbá, Ojé Sarê Toyá, Ojé Omole, Ojé Labi, Osi Alagbá, Alagbá no Ilê Asipá.
Acervo
Marco Aurélio Luz Elebogi
“Como
o culto de Babá Egun é menos conhecido do público em geral do que o culto de
Orixá, cabe responder à pergunta: o que são os Eguns? Bom, em resumo os Eguns
são ilustres ancestrais: fundadores ou líderes comunitários da tradição yorubá,
com vínculos familiares ou afinidades religiosas com as famílias fundadoras ou
pertencentes àquela comunidade-terreiro específica.(...) Os Eguns ou Egungun
são, assim, ancestrais guardiões de costumes, tradições e valores herdados,
respeitados e temidos, que zelam pela comunidade, por sua ética e seu bem estar
neste mundo.(...) É neste contexto que se renovam as alianças comunitárias, os
vínculos de irmandade, os valores rígidos e estruturantes da hierarquia e
respeito, a linguagem e os valores da tradição.”
Agora
José Félix dos Santos nosso querido e saudoso Otun Alagbá, integra a corrente
mítica dos nossos ancestrais.
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Na
nossa tradição nagô, se torna ancestral, aquele/a que dedicou a sua vida para
fortalecer a identidade profunda da comunidade, promovendo os vínculos de
sociabilidade necessários à sua legitimação. Essa conduta permeou toda a vida
do Otun Alagbá.
Ao
ser abordado no dia a dia do terreiro pelas pessoas que lhe procuravam para
receber orientações espirituais, ou não, ele costumava dizer:
“NA FÉ E NA PAZ!”
Era o suficiente para acalmar e dar uma certa
leveza as angústias e aflições.
Apenas
duas palavras, que emanavam seu temperamento equilibrado, tranquilo, generoso,
atencioso e solidário...
Sempre
com bons pensamentos!
Um
diplomata!
Daí
essa singela homenagem à sua memória.
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Aqui
é pertinente destacar um pensamento da Iyalorixá Mãe Stella de Oxóssi do Ilê
Axé Opô Afonjá :
"O que o destino disser que é, não há
quem tenha força pra dizer que não é."
Seguiremos
lembrando, reverenciando a memória de José Félix dos Santos nosso Otun
Alagbá...
Acervo Marco Aurélio Luz
Seguiremos
sim, vivenciando o ciclo de elaboração de luto, por essa ausência tão valiosa e
harmoniosa do dia a dia da comunidade Ilê Asipá.
Saudades
eternas!
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Olorum
Kosi Purê!
Agradecemos
a Aparecida dos Santos a Otun Iyá Egbé, irmã do Otun Alagbá, pelas fotos
gentilmente cedidas.
A seguir vídeo com Maria Bethânia cantando a oração às folhas.
Acervo Marco Aurélio Luz Elebogi
Agradecemos a Cátia dos Santos a Otun Babadarawô,irmã do Otun Alagbá, pela colaboração informando sobre alguns títulos para compor as epígrafes das fotos.A seguir vídeo com Maria Bethânia cantando a oração às folhas.
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