sábado, 17 de novembro de 2018

A VOZ E A VEZ DO MORRO



Morro da Mangueira pintura de Heitor dos Prazeres

A VOZ, E A VEZ DO MORRO
Por Narcimária Correia do Patrocínio Luz
  

É ao sabor do ritmo e cadência do samba adornado pela polirritmia percussiva da orquestra africano-brasileira que destaco aqui, de modo muito especial, a “Voz do Morro”, composição de Zé Kéti (1952).
Os sambas se tornaram legendas na história do Brasil por várias razões:  a primeira por contar os modos de insurgência das populações negras e sua competência para fundar territorialidades que recusam o recalque à sua alteridade civilizatória; a segunda pela poesia que nos emociona e nos leva a dramatizar por meio da dança e da ginga as situações que carregam a pulsão de sociabilidade africano-brasileira.
É preciso chamar a atenção do leitor para a necessidade de transcender o discurso geográfico, mensurável e estático que, esquadrinhando os espaços, diz o que é, e deve ser o “morro”. O morro aqui é uma metáfora! Em cena estão todas as territorialidades no Brasil imantadas pelo patrimônio de valores e linguagens africano-brasileiras.
Todos os sambas falam das tensões e conflitos entre a singularidade africano-brasileira e as políticas genocidas e de abandono que desencadeiam uma dinâmica da violência que vem ceifando a vida de milhares de homens, mulheres, crianças e jovens.
Apesar de todas essas agressões cotidianas, não esqueçamos a imponência e altivez do povo negro que não abre mão do direito de ser e viver suas instituições como as “pequenas Áfricas” no Rio de Janeiro, como se referiu Heitor dos Prazeres às comunalidades sob a liderança feminina das baianas como Tia Ciata.
Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/ Quero mostrar ao mundo que tenho valor/ Eu sou o rei do terreiro/ Eu sou o samba/ Sou eu quem levo a alegria/ Para milhões de corações brasileiros/ Salve o samba, queremos samba/ Quem está pedindo é a voz do povo de um país/ Salve o samba, queremos samba/ Essa melodia de um Brasil feliz.” ( Zé Kéti)
                              Pintura de Heitor dos Prazeres

O que isso significa? A institucionalização de políticas públicas que contemplem direitos coletivos capazes de estabelecer espaços institucionais de combate ao racismo e suas engrenagens ideológicas, que tendem a tragar a vida e submeter as populações negras a situações marcadas por muita dor e humilhação.
Então, cantemos a “voz do morro” num coro uníssono, fazendo repercutir entre gerações o respeito aos valores das comunalidades africano brasileiras e o direito de ser e viver suas instituições.

“O morro não tem vez/ E o que ele fez já foi demais/ Mas olhem bem vocês/ Quando derem vez ao morro/ Toda a cidade vai cantar/ Samba pede passagem/ Morro quer se mostrar/ Abram alas pro morro/ Tamborim vai falar/ É um, é dois, é três/ É cem, é mil!”(Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim).

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