Morro da Mangueira pintura de Heitor dos Prazeres
A VOZ, E A VEZ DO MORRO
Por Narcimária Correia do
Patrocínio Luz
É
ao sabor do ritmo e cadência do samba adornado pela polirritmia percussiva da
orquestra africano-brasileira que destaco aqui, de modo muito especial, a “Voz
do Morro”, composição de Zé Kéti (1952).
Os
sambas se tornaram legendas na história do Brasil por várias razões: a primeira por contar os modos de insurgência
das populações negras e sua competência para fundar territorialidades que
recusam o recalque à sua alteridade civilizatória; a segunda pela poesia que nos
emociona e nos leva a dramatizar por meio da dança e da ginga as situações que
carregam a pulsão de sociabilidade africano-brasileira.
É
preciso chamar a atenção do leitor para a necessidade de transcender o discurso
geográfico, mensurável e estático que, esquadrinhando os espaços, diz o que é,
e deve ser o “morro”. O morro aqui é uma metáfora! Em cena estão todas as
territorialidades no Brasil imantadas pelo patrimônio de valores e linguagens
africano-brasileiras.
Todos
os sambas falam das tensões e conflitos entre a singularidade africano-brasileira
e as políticas genocidas e de abandono que desencadeiam uma dinâmica da
violência que vem ceifando a vida de milhares de homens, mulheres, crianças e
jovens.
Apesar
de todas essas agressões cotidianas, não esqueçamos a imponência e altivez do
povo negro que não abre mão do direito de ser e viver suas instituições como as
“pequenas Áfricas” no Rio de Janeiro, como se referiu Heitor dos Prazeres às
comunalidades sob a liderança feminina das baianas como Tia Ciata.
“Eu
sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/ Quero mostrar ao mundo que
tenho valor/ Eu sou o rei do terreiro/ Eu sou o samba/ Sou eu quem levo a
alegria/ Para milhões de corações brasileiros/ Salve o samba, queremos samba/
Quem está pedindo é a voz do povo de um país/ Salve o samba, queremos samba/
Essa melodia de um Brasil feliz.” ( Zé Kéti)
Pintura de Heitor dos Prazeres
O
que isso significa? A institucionalização de políticas públicas que contemplem
direitos coletivos capazes de estabelecer espaços institucionais de combate ao
racismo e suas engrenagens ideológicas, que tendem a tragar a vida e submeter
as populações negras a situações marcadas por muita dor e humilhação.
Então,
cantemos a “voz do morro” num coro uníssono, fazendo repercutir entre gerações
o respeito aos valores das comunalidades africano brasileiras e o direito de
ser e viver suas instituições.
“O
morro não tem vez/ E o que ele fez já foi demais/ Mas olhem bem vocês/ Quando
derem vez ao morro/ Toda a cidade vai cantar/ Samba pede passagem/ Morro quer
se mostrar/ Abram alas pro morro/ Tamborim vai falar/ É um, é dois, é três/ É
cem, é mil!”(Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim).
Nenhum comentário:
Postar um comentário