segunda-feira, 30 de maio de 2016
A TARDE entrevista Marco Aurélio Luz
Sáb, 28/05/2016 às 08:19
Marco Aurélio Luz fala sobre samba na Bahia e no Rio
Gabriel Serravalle
Tags: entrevista marco aurelio luz cultura
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Adilton Venegeroles l Ag. A TARDEMarco Aurélio Luz,
filósofo, cientista social e doutor em comunicação - Foto: Adilton Venegeroles
l Ag. A TARDEMarco Aurélio Luz, filósofo, cientista social e doutor em
comunicação
A gema carioca é afro-baiana. Este é o tema da palestra
gratuita que será apresentada pelo filósofo e cientista social Marco Aurélio
Luz, no próximo dia 2 de junho, às 20 horas, no Teatro Isba. Especialista em
cultura afro, e autor de livros como Cultura Negra em Tempos Pós Modernos e Do
Tronco ao Opá Exin, o pesquisador participa do evento com a proposta de mostrar
a influência da Bahia na fundação das escolas de samba do Rio de Janeiro. Antes
de tratar do assunto na palestra, Marco Aurélio conversou com A TARDE e deu uma
dimensão da interferência afro-baiana no carnaval carioca e na própria história
do samba.
Sobre a palestra, o que o senhor pretende abordar com o tema
A gema carioca é afro-baiana?
Eu vou mostrar uma continuidade da civilização africana, a
reposição de linguagens, valores e instituições no Brasil e nas Américas, mas principalmente
na Bahia. No fim do século 19 e início do 20 há uma imigração baiana muito
forte no Rio de Janeiro, em que vão pessoas que fundam casas de religião nagô
no local. Aí se desdobram atividades culturais no âmbito da música, da dança e
dos desfiles de cortejo. Esses desfiles vão formar o que se chamou de
"pequena África". E o núcleo desse processo é a casa da baiana Tia
Ciata. Então tudo isso vai se estender nos ranchos, que o pernambucano criado
na Bahia, Hilário Jovino, leva para o Carnaval. Foi ali que ele levou os
elementos que iriam se constituir na linguagem das escolas de samba, com
mestre-sala, porta-bandeira, coreografias, tudo isso.
Então a influência da Bahia nas escolas de samba vai muito
além da ala das baianas.
Sim, vai muito além. A ala das baianas, inclusive, é um
reconhecimento delas como parte importante na origem das escolas de samba,
principalmente a Tia Ciata. Mas há também a influência nas outras alas, nas
coreografias e, principalmente, no mestre-sala e porta-bandeira.
Neste ano, a Mangueira foi a campeã do Carnaval carioca com
o enredo Maria Bethânia: a Menina dos Olhos de Oyá. E é muito recorrente a
presença da Bahia ou baianos como tema em outras escolas também. É uma prova de
que essa influência continua até hoje?
É uma influência da parte afro-baiana. É um reconhecimento.
[O carnavalesco] Joãosinho Trinta já fez, por exemplo, o enredo A criação do
mundo nagô. E, assim, ele ganhou o Carnaval. E várias outras escolas já fizeram
referência à Bahia, com o uso de simbologias que remetem aos valores da
tradição afro-baiana. Isso é uma deferência à origem das escolas, que é essa
característica de africanidade que se localiza na Bahia e se desdobra mundo
afora.
E se a Bahia exerceu tanta influência sobre as escolas de
samba cariocas, por que aqui não houve um desenvolvimento delas, com a mesma
estrutura e importância que têm no Rio de Janeiro?
Aqui, por razões político-sociais, houve um recuo dessas
manifestações afro-baianas no Carnaval. Desde o início, sempre foi uma coisa
difícil. Desde a presença dos primeiros blocos que surgiram, como os afoxés,
cria-se uma certa rejeição por parte do poder público e de outras instituições
oficiais. Apesar disso, continuaram fazendo, até que se disfarçaram de bloco de
índio, como Comanches e Apaches, e depois ganharam um fôlego mais recentemente.
E então vieram, em 1974, como uma resposta no sentido de enfrentar a repressão
política e social, com os blocos afros. Mas o Carnaval cresceu com os trios
elétricos tomando os espaços e as escolas de samba que aqui existiam não podiam
competir com a dimensão eletrônica que a festa ganhou. Agora é que estão mais
ou menos tentando dividir os espaços.
E como é o cenário, hoje, das escolas de samba na Bahia?
Hoje são remanescentes das escolas de samba, principalmente
da Diplomatas de Amaralina, que se localizava no Nordeste de Amaralina. E esses
remanescentes tentam se reunir, conversar, fazer acontecimentos que relembrem
as escolas. Mas, hoje em dia, uma escola de samba é uma verdadeira empresa,
como no Rio de Janeiro e São Paulo. E não há condições nem recursos para fazer
aqui uma escola nos padrões atuais.
Falando das origens do samba, há quem transforme isso em uma
disputa entre Bahia e Rio, com cada lado defendendo-se como o local onde nasceu
o gênero musical. Mas dá para cravar o nascimento do samba em um desses lugares
ou eles na verdade se complementam?
Esse samba mais urbano, que você vê surgindo [no fim do séc.
19] nas cidades do Recôncavo, o samba de roda, é de certa forma o samba
original. É claro que tinha outras formas espalhadas pelo Brasil, mas ainda sem
chamar de samba. E aí esse samba de roda, mais tarde, vai se adaptar às rodas
de samba, no Rio. Então ele tem a origem primeiro aqui na Bahia, mas o
desdobramento dele nas rodas de samba é uma característica carioca das escolas
de samba.
Em 2016 está sendo celebrado o centenário do samba, que toma
como ponto de partida o início do século 20, quando se consolidou como gênero musical, no Rio de
Janeiro. Então estariam desconsiderando as origens do samba, no fim
do século 19, na Bahia?
Com certeza. Porque aí já entra na parte oficial, corre
dinheiro, propagandas, é outro universo. Mas eles fazem o que querem. O
centenário seria quando? A Tia Ciata saiu daqui, no fim do século 19, já
levando o samba de roda e suas variações, e tem todo um valor por trás disso
que não está sendo considerado.
sexta-feira, 27 de maio de 2016
As influências da Bahia na fundação das escolas de samba do Rio de Janeiro é tema da palestra “A gema carioca é afro-baiana”
A chegada das tias baianas no Rio de Janeiro, no fim dos séculos XIX e XX, levando a tradição religiosa africana e o samba, ritmo genuinamente brasileiro, influenciou na fundação das escolas de samba na cidade. Essa passagem histórica será contada pelo doutor em comunicação, filósofo e escritor Marco Aurélio Luz, durante a palestra “A gema carioca é afro-baiana”, que será realizada no dia 02 de junho, às 20h, no Teatro ISBA, com entrada gratuita, entre as ações em celebração dos 15 anos da FSBA e Teatro ISBA. O encontro, promovido pelo movimento cultural Bossa Samba Choro Social Clube, contará ainda com a participação do afoxé do Pai Burukô, o primeiro fundado na Bahia, em 1942. Uma grande roda de samba com bateria, puxador, passista, porta bandeira, mestre sala e baianas, encerra a apresentação.
O evento tem o objetivo de trazer a discussão para a nova geração, sobre como a Bahia influenciou no surgimento das escolas de samba no Rio de Janeiro, que hoje estão espalhadas por todo o mundo, além de mobilizar a cidade com o intuito de dar estrutura às escolas de samba inseridas nas comunidades de Salvador. “A ideia é marcar a trajetória da civilização africana que migrou da Bahia para o Rio”, afirma Marco Aurélio Luz.
Alaor Macedo, diretor do Bossa Samba Choro Social Clube, responsável pela realização do evento, destaca a importância de trazer o sambista para discussão. “Se queremos resgatar uma história não podemos matar a raiz. Precisamos dar opções de escolas de samba aos três milhões de habitantes de Salvador, para isso precisamos também encontrar um lugar onde seja possível montar uma estrutura em que se realize atividades sociais durante o ano inteiro e no fim do ano aconteça a apresentação das escolas de samba”, comenta Alaor.
Dos ranchos às escolas de samba
A baiana de Santo Amaro da Purificação, Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata foi o ponto de congregação da música, da arte e do que vai se desdobrar nas escolas de samba no Rio de Janeiro. “O que havia em Salvador eram ranchos, cortejos realizados na época do Natal. No Rio de Janeiro, o baiano Hilário Jovino foi o pioneiro ao levar seu rancho para sair no dia de Carnaval. O rancho já possuía coreografia, harmonia, mestre sala e porta bandeira”, conta Marco Aurélio.
Ciata, com o genro Germano, fundou o bloco de carnaval chamado Macaco é Ouro. “Na casa dela se reuniam músicos como Donga, João da Baiana e Pixinguinha, dentre outros compositores”, comenta Marco. Segundo o escritor, a primeira escola de Samba do Rio de Janeiro, chamada “Deixa Falar”, foi fundada por Marçal, quando Alcebíades Barcelos, conhecido como Bide, levou a percussão para o samba. “Os ranchos não tinham percussão e assim se formaram as escolas de samba, a partir dos ranchos de Salvador e Rio de Janeiro”, explica.
No Rio, o ponto de congregação era a Praça Onze, considerada a pequena África. Lá se reuniam descendentes de africanos. “O desdobramento dessa presença africana gerou a atualidade da escola de samba. Por isso existe ainda a “Ala das Baianas”, que é uma referência à Bahia”, conta Marco Aurélio.
Serviço:
Palestra “A gema carioca é afro-baiana”
Local: Teatro Isba
Data: 02/06/2016
Horário: 20h
Entrada Gratuita – Acesso sujeito à lotação do Espaço.
Informações à imprensa:
Luara Lemos: (71) 98698-0239 (OI)
/ 71 98102-7862 (TIM)
/ 71 98102-7862 (TIM)
quarta-feira, 25 de maio de 2016
segunda-feira, 23 de maio de 2016
UM NOVO SACERDOTE ARTISTA
Por Marco Aurélio Luz
Na ambiência da continuidade da tradição civilizatória afro-brasileira, em uma das linhagens mais significativas, a da família Axipá, surge um novo escultor, Antônio Carlos dos Santos, Ojé Oloxê De.
Nas comunidades religiosas da tradição cultural nagô a linguagem ritual é revestida pela noção de ODARA que significa bom e bonito simultaneamente, útil e belo.
Nesse sentido são constituídos os paramentos e os emblemas das entidades que emergem de uma floresta de símbolos que juntamente com outras dimensões estéticas realizam uma visão de mundo milenar.
Oloxê De, é neto de Mestre Didi Axipá Alapini que foi confirmado Asogbá, aos quinze anos de idade por Mãe Aninha Iyalorixá Obá Biyi, fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá. Supremo sacerdote do ilê orixá ninu ilé, da casa dos orixá do interior da terra, o Asogba então é também responsável pela confecção dos emblemas dos orixá Nanã, o ibiri e Obaluaiyê o xaxará.
Então são dessas atribuições sacerdotais que se desdobram a arte escultórica de Mestre Didi, hoje um artista de renome internacional.
A bisavó de Oloxê De, Mãe Senhora, Iyalorixá Oxun Muiwa, Iya Nassô caracterizou também o brilho sua gestão, depois de Mãe Aninha e Mãe Bada, por proporcionar a acolhida e convivência no Ilê Axé Opô Afonjá de inúmeros artistas, escritores, e cientistas e, muitos compuseram sua corte como Caribé, Rubem Valentim, Jorge Amado, Vasconcelos Maia, Dorival Caymi, Pierre Verger, Vivaldo Costa Lima, dentre muitos outros.
Quando menino, Oloxê De teve a ocasião na década de 80 de frequentar a Mini Comunidade Obá Biyi, experiência piloto de Educação Pluricultural que teve como principal mentor Mestre Didi. Após algumas experiências de tentativas com especialistas em educação exógenos a vida comunitária que não apresentaram resultados satisfatórios, foi através dos contos de Mestre Didi e suas dramatizações que se estruturou o curriculum pluricultural que constituiu o sucesso da Mini Comunidade Oba Biyi.
A partir dessa aproximação de ter a tradição cultural comunitária como fonte para uma nova pedagogia vários desdobramentos aconteceram.
Num deles foi a incorporação das arraias, contemplando e valorizando um dos principais brinquedos e jogos dos adolescentes da comunidade e do bairro adjacente. Os desenhos geométricos e suas cores culminaram numa participação no festival de Arte Integrada Mini Comunidade Oba Biyi. Oloxê De participava ativamente, e também das visitas a Museus que estimulavam a criatividade.
Numa dessas visitas ao MAM na capela do Solar do Unhão se depararam com uma exposição de grandes “arraias” de pano de uma artista conhecida. Alguém comentou valorizando as atividades deles e que no dia de amanhã poderiam também ser artistas, o que um deles retrucou:
-- “Mas essas arraias não voam!”
Nesse sentido o voo de Oloxê De foi ser iniciado por Mestre Didi e fazer parte do corpo dos Ojé do Ilê Axipá que cultuam os Baba Egun ancestres e ancestrais masculinos, tradição originária de Oyó capital do antigo império yoruba.
Mestre Didi inspira a Oloxê De para que através de seu dom e talento se dedique ao mister e mistério das recriações estéticas.
As taliscas de palmeira, que tanto selecionou para o avô, contas e búzios, tiras de couro, arame e outros elementos constituem a base material das esculturas.
Esses elementos possuem uma dimensão simbólica que comporão o significado da escultura.
Os búzios representam ancestrais, compostos em forma de escamas de peixe ou em sequencia representam sucessões de ancestralidade, então fecundidade e fertilidade que constituem através das gerações o poder de antigas linhagens.
As contas remetem aos orixá, representando singularidade de partes desprendidas das “forças da natureza” compondo os seres que uma vez criados e individualizados passam por esse mundo, o aiyê.
As tiras de couro nas cores que representam a qualidade do poder dos orixá, servem para unir as tiras de taliscas de palmeira. Awon alaxé ku igi é um preceito em língua yoruba que fala no poder e na força dos galhos finos quando reunidos, referem-se aqui ao corpo sacerdotal dos ojé. No caso das taliscas de palmeira representam a força coletiva dos ancestrais reunidos.
No caso da composição do xaxará, as taliscas de mariwo reunidas, frondes do dendezeiro, representam a coletividade dos ancestrais sob o comando de Obaluaiye, Oda-olu-aiye, rei dos espíritos do mundo.
É nessa bacia semântica da visão de mundo e da estética do sagrado, que emergem e se desdobram as recriações de Oloxê De.
Discípulo de Mestre Didi, já é mais do que meio caminho andado para obter êxitos que possam ajudar a enaltecer nossa comunidade da porteira para dentro da porteira para fora como demarcou a territorialização do axé a sua sempre lembrada bisavó, Mãe Senhora.
quinta-feira, 19 de maio de 2016
O LUGAR DO POLÍTICO NA TRADIÇÃO NAGÔ
Por Marco Aurélio Luz
De acordo com as histórias da tradição, no início do mundo era o nada. Foi o ato criador de Olorum que proporcionou a existência, primeiramente na presença do ar e depois nas águas e na terra. Neste tempo, ele enviou as Iya-mi Agba, as mães ancestrais na forma de grandes pássaros. Eram sete pássaros. Três pousaram na árvore do bem e três na árvore do mal; o sétimo voa de uma à outra árvore. Assim se caracterizam a força e o poder das mães ancestrais, representadas coletivamente por Oduduwa. Elas tanto podem propiciar o bem-estar, a plenitude da existência, como o mal-estar e a interrupção do desenvolvimento do destino. Elas proporcionam prodigalidade e fertilidade aos que as respeitam e cultuam, e castigam aqueles que as desrespeitam.
Eye, Pássaro ancestral, escultura de Mestre Didi
Outra história conta que certa feita, Obatalá, tendo realizado todos os preceitos indicados pelo Babalawô, insistiu em conhecer os segredos de Oduduwa que ela ocultava em seu quintal. Um dia, ele a seduziu oferecendo-lhe omi-eró – água que apazigua, e a carne de igbin – caracóis. Deliciada e apaziguada, ela permitiu a Obatalá conhecer Egungun, matéria ancestral. Após essa ocasião, Oduduwa surpreendeu-se vendo Obatalá conduzindo com sua vara de atori, Egungun pelas ruas da cidade. Inicialmente, ficou irritada, porém após algum tempo sentiu-se gratificada de ver Egungun vestido com seus panos, caminhando e falando. Ela então o abençoou, enviando seu pássaro com o axé eleye para acompanhá-lo. Assim, Egungun ficou depositário desses poderes e Obarixá com poder de manejá-lo e conduzi-lo.
Igba-du a cabaça da existência. Obatalá a parte de cima, Oduduwa a de baixo.
Oduduwa e Orixá-nla estão ritualmente representando no igba-du, a cabaça da existência. A metade de cima representa Orixá-nla, poder genitor masculino, a metade de baixo, Oduduwa, poder genitor feminino. No interior da cabaça, matérias massas genitoras, ou um passarinho, terceiro elemento, resultante; a cabaça simboliza o ventre fecundado, resultado de complementação dos princípios masculinos e femininos. Entre as duas metades da cabaça, sucessão de triângulos desenhados, 2 + 1 = 3, ancestralidade em contínua expansão, descendência ininterrupta.
Escultura em bronze símbolo da sociedade Ogboni. Casal unido por sucessão de elos.
Uma outra história conta-nos como Ogum, orixá primogênito, que abre os caminhos do desconhecido, símbolo de vanguarda, conhecedor da floresta, caçador e guerreiro, patrono da arte da metalurgia que engendra civilização, enfrentou os poderes das mulheres comandadas por Iyansã, orixá do vento e do relâmpago, e como os homens então tornaram-se senhores absolutos do culto aos Egungum.
Finalmente, outra história conta-nos como Egungun, considerado filho de Xangô com Iyansã, roubou as roupas de Xangô, caracterizadas pelas tiras de pano, abala, que representam ancestralidade e descendência. As referências a esta série de passagens resumidas dos mitos da tradição nagô, baseadas no livro Os Nagô e a Morte, de Juana E. dos Santos, visam o entendimento do exercício e lugar político do culto dos ancestres e dos orixá, forças cósmicas que regem o universo na sociedade nagô.
O ato criador de Olorum diferenciou a idéia de caos da idéia do existir. O existir se caracteriza pela diferença entre forças em constante movimento formando um ciclo vital. Essas forças se caracterizam pela multiplicidade e necessária complementação. A expressão da existência é o resultado da complementação harmoniosa dos múltiplos e diferentes aspectos gerados do existir. Assim como a natureza é regida por forças que se manifestam nos distintos elementos que a compõem, a sociedade também se constitui dessas forças, pois elas regem o cosmo incluindo as sociedades. Portanto, a sociedade é um aspecto da ordem da existência que se caracteriza pelo sentido de complementação e harmonia das diferenças que a destingue do nada, do não existir, do caos.
A origem das cidades se liga diretamente à história dos seus fundadores, que a estabelecem com as regras que firmaram a continuidade da tradição direcionada no sentido de harmonizar as diferenças. Por sua vez, o exercício da aceitação da diferença, da alteridade, permite a instauração das identidades e da linguagem que caracterizam os lugares e poderes sociais. A hierarquização dos poderes que deve visar sua necessária complementação, constitui as identidades e institui valores sociais e políticos. Os fundamentos da ordem social portanto são transcendentes. Ela adquire sentido a partir de seu passado original que se realiza no presente e se projeta no futuro sucessivamente. A identidade de um grupo social, de uma cidade, de um reino ou de um império, se constitui transcendendo seu presente, retornando seu sentido a partir de seu passado projetando-o no futuro.
A linguagem pela qual uma sociedade se constitui e comunica seu próprio existir se refere a seu momento original que lhe empresta sentido ou destino. Este destino está dado na linguagem através dos relatos que se referem a sua fundação, quando surgiu da instalação de um ou mais Orixá, de um ou mais ancestrais, em determinado território com determinado povo. Cada cidade possui seu orixá patrono e seus ancestrais fundadores. A política do sagrado se caracteriza por re-ligar e presentificar o sentido originário que empresta identificação, linguagem e comunicação à sociedade. O poder político se realiza em meio à tensão dialética entre o mundo sagrado das forças que regem o universo, de um lado, e a sociedade, de outro. Os orixá e ancestrais, de um lado, e os seres humanos, de outro, em relação transcendente-imanente e vice-versa. É a tensão entre os ara-orum, os habitantes do orum, o além, e os araaiyê, os habitantes desse mundo, que através dos ritos empresta sentido à ordem do exercício do poder. O exercício do poder transcendente-imanente é emanado, portanto, em última instância, dos orixá e ancestrais que dele participam num aqui e agora. Essa característica transcendental da ordem política é que instaura a hierarquia assentada nos valores da antigüidade ritual-institucional e na sua descendência. Quanto mais um indivíduo, uma família, uma sociedade cumpra o seu odu, o seu destino ou seu ciclo de existência, plenamente, sem que sejam proporcionados males que afetem e o interrompam através da morte prematura, é sinal que foram sábios no lidar com as forças invisíveis que regem o existir.
Antiga escultura em bronze do Oni Ifé
O oba, rei, é aquele que com sua corte, sacerdotes, e súditos consegue a harmonia social concretizando o sentido benéfico das forças que regem o universo, atendendo as prescrições litúrgicas, re-alimentando as forças dos orixá e ancestrais através das oferendas determinadas e dos festivais anuais.
Oni Ifé, rei de Ifé, a cidade sagrada.
Foto Marco Kalisch 1981
Em Oyó, capital política do império nagô, o posto de Obaxorum é tão importante quanto o de Alaafin, o rei. O Obaxorum é o rei que trata das coisas do reino a partir do sentido emergente do orum. Ele é considerado ara oba o jé, integrante do corpo real. Ele compartilha o poder com o Alaafin. Neste ponto, ancianidade e ancestralidade ritual-institucional revelam sua razão de poder e hierarquia. Os critérios de identificações estabeleceram os iniciados mais velhos como os mais capazes de re-ligar e atualizar o sentido das forças do orum ao aiyê, por deterem a sabedoria acumulada através da experiência ritualizada de introjeção de axé, que lhes permite aproximar-se e lidar com o perigoso mundo das forças que regem os ciclos do existir. O poder se concretiza e se realiza através do exercício e da experiência em saber controlar as forças da existência genérica e abstrata, transcendente e imanente, portanto, em tensão dialética com a existência concreta individualizada, visando propiciar a plenitude do destino da sociedade. Na cultura nagô, a aspiração de todos está representada no conceito oracular de alafia, que significa plenitude de realizações das potencialidades do destino. Para tanto, é preciso saber lidar com forças ambivalentes criativas
Egungun e o abala, roupa de tiras de pano representando linhagens descendentes
O ato criador de Olorum diferenciou a idéia de caos da idéia do existir. O existir se caracteriza pela diferença entre forças em constante movimento formando um ciclo vital. Essas forças se caracterizam pela multiplicidade e necessária complementação. A expressão da existência é o resultado da complementação harmoniosa dos múltiplos e diferentes aspectos gerados do existir. Assim como a natureza é regida por forças que se manifestam nos distintos elementos que a compõem, a sociedade também se constitui dessas forças, pois elas regem o cosmo incluindo as sociedades. Portanto, a sociedade é um aspecto da ordem da existência que se caracteriza pelo sentido de complementação e harmonia das diferenças que a destingue do nada, do não existir, do caos.
A origem das cidades se liga diretamente à história dos seus fundadores, que a estabelecem com as regras que firmaram a continuidade da tradição direcionada no sentido de harmonizar as diferenças. Por sua vez, o exercício da aceitação da diferença, da alteridade, permite a instauração das identidades e da linguagem que caracterizam os lugares e poderes sociais. A hierarquização dos poderes que deve visar sua necessária complementação, constitui as identidades e institui valores sociais e políticos. Os fundamentos da ordem social portanto são transcendentes. Ela adquire sentido a partir de seu passado original que se realiza no presente e se projeta no futuro sucessivamente. A identidade de um grupo social, de uma cidade, de um reino ou de um império, se constitui transcendendo seu presente, retornando seu sentido a partir de seu passado projetando-o no futuro.
A linguagem pela qual uma sociedade se constitui e comunica seu próprio existir se refere a seu momento original que lhe empresta sentido ou destino. Este destino está dado na linguagem através dos relatos que se referem a sua fundação, quando surgiu da instalação de um ou mais Orixá, de um ou mais ancestrais, em determinado território com determinado povo. Cada cidade possui seu orixá patrono e seus ancestrais fundadores. A política do sagrado se caracteriza por re-ligar e presentificar o sentido originário que empresta identificação, linguagem e comunicação à sociedade. O poder político se realiza em meio à tensão dialética entre o mundo sagrado das forças que regem o universo, de um lado, e a sociedade, de outro. Os orixá e ancestrais, de um lado, e os seres humanos, de outro, em relação transcendente-imanente e vice-versa. É a tensão entre os ara-orum, os habitantes do orum, o além, e os araaiyê, os habitantes desse mundo, que através dos ritos empresta sentido à ordem do exercício do poder. O exercício do poder transcendente-imanente é emanado, portanto, em última instância, dos orixá e ancestrais que dele participam num aqui e agora. Essa característica transcendental da ordem política é que instaura a hierarquia assentada nos valores da antigüidade ritual-institucional e na sua descendência. Quanto mais um indivíduo, uma família, uma sociedade cumpra o seu odu, o seu destino ou seu ciclo de existência, plenamente, sem que sejam proporcionados males que afetem e o interrompam através da morte prematura, é sinal que foram sábios no lidar com as forças invisíveis que regem o existir.
Antiga escultura em bronze do Oni Ifé
O oba, rei, é aquele que com sua corte, sacerdotes, e súditos consegue a harmonia social concretizando o sentido benéfico das forças que regem o universo, atendendo as prescrições litúrgicas, re-alimentando as forças dos orixá e ancestrais através das oferendas determinadas e dos festivais anuais.
Oni Ifé, rei de Ifé, a cidade sagrada.
Foto Marco Kalisch 1981
Em Oyó, capital política do império nagô, o posto de Obaxorum é tão importante quanto o de Alaafin, o rei. O Obaxorum é o rei que trata das coisas do reino a partir do sentido emergente do orum. Ele é considerado ara oba o jé, integrante do corpo real. Ele compartilha o poder com o Alaafin. Neste ponto, ancianidade e ancestralidade ritual-institucional revelam sua razão de poder e hierarquia. Os critérios de identificações estabeleceram os iniciados mais velhos como os mais capazes de re-ligar e atualizar o sentido das forças do orum ao aiyê, por deterem a sabedoria acumulada através da experiência ritualizada de introjeção de axé, que lhes permite aproximar-se e lidar com o perigoso mundo das forças que regem os ciclos do existir. O poder se concretiza e se realiza através do exercício e da experiência em saber controlar as forças da existência genérica e abstrata, transcendente e imanente, portanto, em tensão dialética com a existência concreta individualizada, visando propiciar a plenitude do destino da sociedade. Na cultura nagô, a aspiração de todos está representada no conceito oracular de alafia, que significa plenitude de realizações das potencialidades do destino. Para tanto, é preciso saber lidar com forças ambivalentes criativas
e destrutivas, pois é o mesmo vento que afaga e afasta o calor, o que causa as catástrofe dos vendavais; é a mesma água que mata a sede e fecunda os campos, que causa a inundação; a mesma mão que dá é a que tira, etc. Assegurar que os lugares sociais e as hierarquias sejam preenchidos por aqueles que detenham o saber e o poder de controlar essas forças, propiciando seus aspectos benéficos conforme a situação contextual, proporcionando o bem-estar e a expansão social, é preocupação de toda a sociedade na aceitação de seus líderes, que se ajustam ao poder dos Orixá e dos ancestres. Os mitos a que nos referimos, vários referendam e mencionam o poder dos Egungun, os ancestres masculinos. Eles detêm o poder do axé eleye, delegado por Oduduwa, e também o poder dos orixá da direita, constituído por Obatalá, assim como o poder dos orixá filhos, Ogum e Xangô. Eles, portanto, têm o poder da descendência e da expansão e organização da existência. Daí a proeminência do culto aos egungun em Oyó, capital política do império. Oyó, que tem Xangô como orixá patrono, que rege as forças capazes de promover a vida social, a harmonia, a expansão e o bem estar de seus filhos.
Conselho de Anciãos de Ifé.
Foto Marco Kalisch 1981
Os mais velhos são aqueles que estão mais próximos dos ancestres, sua transcendência está assegurada pela continuidade de suas linhagens, tanto no que se refere a sua ascendência, seu passado, como em sua descendência, seus filhos, que lhes assegurarão sua existência em outro plano após a morte, e sua palavra como Egungungun terá força de lei. Mas, se de um lado o poder político ancora-se na transcendentalidade do reino, de outro ele é exercido no aiyê e, portanto, exige ações específicas neste plano do existir. É nesse plano que atuam o Alaafim, seus ministros, seus conselhos, chefes militares e seu corpo administrativo. Suas ações decorrem desta tensão dialética transcendente-imanente característica das relações entre o orum e o aiyê. Para tanto, o Alaafin deverá receber a anuência dos ancestres do palácio, que representam os ancestres das linhagens fundadoras do império nagô-yoruba, que têm como sacerdote máximo o Alapini, ipekun ojé. Das formalidades que caracterizam a coroação do Alafim: este receberá a coroa de folhas de Akoko, como símbolo de outorga dos poderes da ancestrabilidade do império. É neste ponto que se situam as observações de Wande Abimbola, presidente da Conferência Mundial de Tradição dos Orixá e Cultura, conclamando o povo desta tradição à maior participação política. A política do sagrado desdobra-se e completa-se em atuações no aiyê, na constante tensão dialética com as forças emergentes do orum.
Conselho de Anciãos de Ifé.
Foto Marco Kalisch 1981
Os mais velhos são aqueles que estão mais próximos dos ancestres, sua transcendência está assegurada pela continuidade de suas linhagens, tanto no que se refere a sua ascendência, seu passado, como em sua descendência, seus filhos, que lhes assegurarão sua existência em outro plano após a morte, e sua palavra como Egungungun terá força de lei. Mas, se de um lado o poder político ancora-se na transcendentalidade do reino, de outro ele é exercido no aiyê e, portanto, exige ações específicas neste plano do existir. É nesse plano que atuam o Alaafim, seus ministros, seus conselhos, chefes militares e seu corpo administrativo. Suas ações decorrem desta tensão dialética transcendente-imanente característica das relações entre o orum e o aiyê. Para tanto, o Alaafin deverá receber a anuência dos ancestres do palácio, que representam os ancestres das linhagens fundadoras do império nagô-yoruba, que têm como sacerdote máximo o Alapini, ipekun ojé. Das formalidades que caracterizam a coroação do Alafim: este receberá a coroa de folhas de Akoko, como símbolo de outorga dos poderes da ancestrabilidade do império. É neste ponto que se situam as observações de Wande Abimbola, presidente da Conferência Mundial de Tradição dos Orixá e Cultura, conclamando o povo desta tradição à maior participação política. A política do sagrado desdobra-se e completa-se em atuações no aiyê, na constante tensão dialética com as forças emergentes do orum.
Na concretização desta política, forma-se no Brasil o INTECAB, Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-brasileira, que reúne as diferentes correntes da tradição que compõem o legado dos ancestres africanos no Brasil e que têm na sua coordenação o Alapini, Sr. Deoscoredes M. dos Santos, da família Asipa, uma das sete linhagens fundadoras do reino de Ketu e originária de Oyó. O INTECAB é uma instituição que procura implantar no Brasil, de um lado, o intercâmbio com as instituições componentes da continuidade da tradição, na África e nas Américas, e de outro, incentivar esse intercâmbio entre diversos, a comunalidade diversa africano-brasileira, fortalecendo a luta pela legitimação e expressão dos valores civilizatórios. Através da estratégia caracterizada pelo lema União na Diversidade, composto por um conselho religioso, e um conselho consultivo, ele mantém a dinâmica do poder que aproxima as dimensões transcendentais e imanentes da política da tradição.
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Notas
1. Cf. Santos, E. Juana, filme Iya mi Agbá, mito e metamorfose das mães nagô. Secneb, Salvador, 1979.
2. Cf. Santos, E. Juana. Os Nagô e Morte, Ed. Vozes, Petróbras, 1976.
3. Idem.
Fotos disponíveis na internet, exceto as de Marco Kalisch
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