Amadeu Alves no Show Trilhas Músicais
O cantor e compositor Amadeu Alves Ribeiro Filho,concedeu ao blog da ACRA uma entrevista onde vai nos apresentando histórias,paisagens,personalidades,sabores, valores,referências e memórias do bairro de Itapuã.Faz também reflexões importantes sobre a saturação urbana que tenta “calar” Itapuã e toda a poesia que dela transborda, influenciando o seu trabalho como músico e compositor inspirado nesse lugar tão precioso que faz parte da história da Bahia. Amadeu Alves Ribeiro Filho, é Coordenador da Casa da Música localizada no Parque Metropolitano do Abaeté,espaço onde vem desenvolvendo com o seu talento e sensibilidade artística momentos singulares envolvendo saraus,teatro,exposições,palestra,etc. Acompanhem esse bate papo proporcionado pelas professoras Caroline Nepomuceno e Naiára Bittencourt,ambas da equipe PRODESE/DAYÓ/ACRA.
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ACRA-Há quanto tempo o senhor mora no Bairro de Itapuã?
AMADEU-Moro no bairro há 43 anos. Desde que nasci no dia 31 de maio de 1967.
ACRA-Conte-nos um pouco da sua infância e juventude em Itapuã. Mantém contato com algum dos amigos (as) desse tempo?
AMADEU-Bom, eu nasci num lugar de natureza exuberante, num tempo que me permitiu desfrutar intensamente do ambiente que vivi. Meus sentidos foram regados, alimentados pelos sons, pelas cores e imagens, pelos cheiros e aromas, pelos sabores, pelas sensações e pela aura desse lugar tão especial. Um grau de liberdade que nós, crianças desse tempo tínhamos num vasto território repleto de dunas, lagoas, rios, praia, e bastante área verde. Eu nasci no último dia do mês de maio e já vivi meus primeiros dias de vida em pleno mês de junho, já captando os fluidos dos festejos, da devoção, do clima junino, das rezas, das fogueiras, fogos, e assim vim vivendo, experimentando as descobertas, vendo as manifestações culturais tão ricas naquela época. Tenho contato sim com vários amigos desse tempo.
ACRA-Que lembranças tem do bairro nos anos 1970 e 1980? E o que mudou hoje em Itapuã?
AMADEU-A década de 1970 foi muito marcante, com piqueniques na Lagoa de Dois-Dois, o
Abaeté, o Morro do Vigia, as caminhadas maravilhosas nas trilhas, por onde hoje é o Bairro da Paz, Alto do Coqueirinho, Km 17...
... Até Mussurunga ainda não existia, era só verde, mato, pés de manga, coco, caju, mangaba, cambuí, araçá. As festas de largo, o sambão da galera, onde participava dando meus primeiros toques em instrumentos de percussão. Via a banda marcial do Colégio Lomanto Júnior, que me encantava principalmente com o som da caixa/tarol. Assim também era quando vinham os trios elétricos, o parque de diversões, o trio paralítico de Seu Menezes, os ternos de reis, a chegança, os bailes pastoris. Tudo isso na minha infância. As puxadas de rede, a relação com o mar, os babas na praia, no Campo da Ilha, no Campinho e no Beira Rio. Os carurus de sete meninos... é muita coisa, muitas lembranças.
A década de 1980 veio com novas experiências. O início da carreira musical, ainda aos 13 anos de idade. Novas amizades, a chegada da adolescência, as namoradas. Foi uma década de grandes transformações no bairro. O desenvolvimento urbano chegou mais acelerado. As dunas se foram nas caçambas e se transformaram em prédios, o Abaeté virou uma favela, os ônibus da VIBEMSA (Viação Beira Mar) passavam superlotados, a cultura dava sinais de mudanças radicais. As relações foram se transformando e quando vimos já nos encontrávamos em outro momento.
ACRA-Com relação a sua história no espaço escolar, estudou em alguma escola de Itapuã? Fale-nos um pouco sobre as boas lembranças desde local?
AMADEU-Sim, estudei primeiro na Escola Moderna de Itapuã (hoje Calazans Neto), com a professora Olga, que ficava na Rua do Gravatá e depois foi pro Alto da Cacimba. Na seqüência, fui para a Escola Geny Gomes fazer a terceira série, depois a quarta série no Rotary, depois o ginásio no Educandário Itapuã. Da Escola Moderna lembro-me do parquinho, das professoras, e que eu fiz a primeira e segunda série no mesmo ano, em 1974. Da Geny, lembro do caminho para ir para a escola, passando pelo Largo do Jenipapeiro. Foi quando eu comecei a ir sozinho pra escola. Do Rotary, eu lembro que a merenda escolar, muitas vezes era uma salada de bacalhau, Nescau. Era uma beleza. Também o caminho para a escola era muito interessante. Nesse tempo as dunas chegavam até a Av. Otávio Mangabeira (hoje Dorival Caymmi), até a frente da minha casa, onde moro até hoje. Então, eu atravessava a rua, subia a duna, entre os cajueiros, mangabeiras, chegava na Rua Guararapes (esta rua que hoje leva o nome de meu pai), e ia até o Rotary. Aí passei para o Educandário Itapuã, de Dona Terezinha. Fiz todo meu ginásio. Gostei muito também de estudar lá. Os colegas, uma turma muito legal. As professoras (Yoná, Evanise, Odaísa, Áurea). A kombi do transporte escolar eu não usava, que a própria Dona Terezinha dirigia. Depois do Educandário, fui para o Colégio Águia, que já era na Praça da Piedade, fora de Itapuã.
ACRA-Sabemos que seu pai Amadeu Alves foi professor em Itapuã. Qual é a maior recordação que tem dele?
AMADEU-Eu convivi até os meus seis anos, quando ele faleceu. Além de professor, ele foi vice-diretor do Colégio Lomanto Júnior, com o Professor Narciso como diretor. Encontro até hoje pessoas que foram alunas dele. Era uma pessoa de grande erudição. Lembro quando ele voltava do Lomanto, naquela época, as noites eram mais silenciosas, então nós ouvíamos de longe o som do DKV, o carro dele, e isso era uma alegria muito intensa, quando ele retornava para casa à noite.
ACRA-Compreendemos que a tradição oral transmitida pelos mais velhos (as) é para povos, sobretudo, de matriz africana, um forte de sua cultura. Baseado nisso o que você aprendeu com os moradores mais velhos (as) de Itapuã, tendo em vista que grande parte desses moradores e de toda Salvador, são descendentes desses povos e que de alguma forma carregam essa tradição?
Os anciãos guardam tesouros. Se todos bem soubéssemos, cada vez mais valorizaríamos e nos aproximaríamos desses detentores de tesouros. É a memória, a experiência rica de vida, que podemos captar através da convivência, de diálogos. Acho que bebi um tanto nessa fonte, o que me estimulou a trabalhar mais pela preservação desse bem que é a história de nosso povo.
ACRA-Quais são os lugares que considera especiais em Itapuã?Por quê?
AMADEU-As duas pontas, do Farol e de Piatã, nos dão uma amplitude de horizonte que é especial. As pedras de Itapuã, principalmente a Ponta de Pedra que termina com a grande Pedra que Ronca, que especialidade!!! Quem já foi ver a lua nascer de lá, ou o pôr-do-sol, sabe quanto especial é. Ou então, sair de caiaque, remando até perto da pedra. É isso, são os lugares associados aos eventos que acontecem neles, principalmente os eventos naturais. A Lagoa do Abaeté com a lua prateando suas águas. E das fontes que existiam em Itapuã, uma ainda sobrevive em meio a tanta urbanidade. Ela fica no quintal da minha casa, e da origem a um rio que batizei de Pequenino.
ACRA-Como aconteceu sua aproximação com a música e de que forma surge o bairro de Itapuã como inspiração para as suas composições?
AMADEU-Costumo dizer que comecei a tocar com o cordão umbilical, na barriga de minha mãe. Minha infância, como já falei, foi regada pela sonoridade que permeava todo o ambiente que vivi. Agora, a partir dos meus sete anos de idade, comecei a tocar violão, aprendendo os primeiros acordes com meus irmãos. Daí foi um passo para formar um grupo musical, o SPASOM, na seqüência um outro de nome SUPORTE, que me colocou em contato com o palco e o público, ainda na infância. Itapuã sempre foi e continua sendo minha referência de identidade. Está na minha constituição afetiva, psicológica. É uma grande força para minha criatividade, que dá significado a minha trajetória artística.
ACRA-Em sua opinião, o que falta para melhorar a vida dos moradores de Itapuã?
AMADEU-Compreensão, boa vontade, conhecimento do que realmente pode fazer diferença para uma sociedade. É o que venho procurando para fazer minha parte dentro do processo coletivo. Menos competição e mais cooperação.
ACRA-Qual é a visão que possui sobre os jovens de hoje? Tem alguma expectativa sobre as ações (positivas ou negativas) que podem ser perpetuadas por eles?
AMADEU-É uma grande massa que está atuando nas escolas, nos lares, nas ruas, que tem um amplo acesso a uma gama de informações, e que acredito com códigos muito embaralhados. Precisam de boas referências para ajudar na organização desses códigos num sentido positivo. Procuro ter menos expectativas e mais atitude para auxiliar nesse processo.
ACRA-Existe algum aspecto ou curiosidade sobre Itapuã ou sobre a Lagoa do Abaeté que queria nos contar?
AMADEU-Vejo Itapuã, essa grande colcha de retalhos precisando ser revista. A Itapuã do NATIVO, hoje é também, a Itapuã de todo um povo que migrou de suas terras de origem e construiu já, uma história de vida, seja como morador de favela, que trabalha como ambulante na Dorival Caymmi, que vende queijinho na praia, que é comerciário, ou os que vieram como “mão-de-obra qualificada” para trabalhar no pólo, e tantos e tantos outros que já se enraizaram nesse território de identidade. Sobre a lagoa, é sentir a sua força, seu poder, mesmo depois de tantos maus tratos, resistindo e encantando.
ACRA-Como a Casa da Música entra na sua vida e que perspectivas de linguagens você estabeleceu na instituição?
AMADEU-Além de ser nativo, venho há um tempo trabalhando junto a outros moradores do bairro pela revitalização de Itapuã. Acompanhei ainda bem jovem a luta pela preservação do Abaeté, onde meus irmãos (Ailton e Carlos Ribeiro) tiveram uma participação importante como biólogo e jornalista, respectivamente, a AMI (Associação de Moradores de Itapuã), que funcionou durante dois anos na casa de Carlos, que era um dos dirigentes e jornalista responsável pelo Jornal de Itapuã. Fundei em 1997, também junto a outros moradores o GRITA (Grupo de Revitalização de Itapuã). Convivi de perto com Dona Francisquinha e Dona Helena, além de outras senhoras, membros do Grupo Mantendo a Tradição (o que reporta a uma pergunta anterior, pois elas me ensinaram muito). Sou fundador da Agenda 21 Itapuã, da qual fui gestor geral por quatro anos. Tive a felicidade de idealizar o Grupo Cultural As Ganhadeiras de Itapuã, do qual sou um dos fundadores e músico. Então a Casa da Música chegou naturalmente, como fruto desta caminhada. É o meu trabalho, o teto que passou a ser o teto para muitos músicos e outros artistas que encontram um espaço com uma equipe determinada a servir. Uma instituição mantida pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, que hoje trabalha mais perto da linguagem e do contexto do povo que a rodeia e que procura manter uma relação de respeito com os turistas que a visitam. É uma perspectiva de diálogo constante com a diversidade. Com a tradição e a inovação.
ACRA-Para finalizar a nossa entrevista que mensagem você gostaria de registrar para os educadores/as e visitantes do blog ACRA sobre Itapuã e a riqueza cultural que o bairro possui?AMADEU-Das aldeias dos índios que habitaram este lugar, passando pela vila de pescadores que foi, Itapuã guarda seus encantos, não só nas lembranças de um lugar paradisíaco, que recebia pessoas que desejavam sentir a felicidade de vivê-la. Quando cantar Itapuã em versos e prosa, era simplesmente dizer o que estava sentindo. Mas também no dia-a-dia de um lugar, onde o caos do progresso desordenado parece ter vencido a poesia. Perceber esses encantos requer uma atenção especial às pessoas nativas e agregadas que conhecem muito da história do bairro e que aos pouco estão partindo com todo esse conhecimento. E as pessoas novas que estão chegando com todo gás da juventude, e que são os principais sujeitos da construção de novas relações.
NADA ESTANCA ITAPUÃ, AINDA SOMOS FELIZES!!!
Para conhecer mais sobre o trabalho de Amadeu Alves Ribeiro Filho os contatos:
(71) 9911-8010 / 3116-1512
alves.amadeu@gmail.com
www.myspace.com/amadeualves
casadamusicabahia.wordpress.com