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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 8 de dezembro de 2012

“O SEGREDO DA MACUMBA”:40 ANOS DA PUBLICAÇÃO/O RETORNO DO REPRIMIDO PARTE 5


O SENHOR DOS CAMINHOS
Por Marco Aurélio Luz

Embora Exu seja um orixá da cosmogonia nagô, com o poder de proporcionar o movimento, ação, de gerir a comunicação e a circulação, o poder de abrir e fechar os caminhos, Exú L'Onan, o Senhor dos Caminhos, os caminhos do destino, os caminhos da circulação do corpo Exú Bara, O Rei do Corpo, na Umbanda ele possui algumas funções similares. "Seu Tranca Rua" que é o dono da gira" e proporciona todo poder da ação ritual. Há também empréstimos de uma relação com os candomblés Congo e Angola que cultuam Bombo Njila, Aluvaiá e outros nomes que circulam pela Umbanda. Todavia o panteão de entidades e a liturgia é distinta e cada qual possui seu próprio sistema ritual.
Na Umbanda do morro a gira de Exu começa por volta de meia noite após encerradas as de Caboclo e Preto Velho. Uma cortina cerra o altar e então começam as cantigas de Kimbanda invocando a presença de vários Exus e também uma versão feminina a Pomba Gira. A presença dos fiéis é muito concorrida.

Na Kimbanda ele mantém seu princípio fundamental Senhor do Movimento:

"Ele pisa num tôco

Ele pisa num galho

Exu balança

Exu não cái

Oh Ganga

É Exu ele pisa num tôco num galho só"

Durante a colonização os padres católicos procuraram projetar aspectos de suas teologias no significado de Exu comparando-o ou afirmando ser o diabo, o mal a ser combatido. Estratégicamente essa associação tem a intenção de combater a outra religião, isto é, o catolicismo visa a atacar exatamente o orixá que garante a existência e a dinâmica do sistema ritual nagô; pois sem movimento nada existe.
No Brasil, no culto nagô, embora se evite a manifestação de Exu, ele é fundamental para a realização da liturgia, dos rituais de culto aos ancestrais e aos orixá.
Na Umbanda Exú , embora tenha aqui e ali imagens que adotam a aparência do diabo e da diaba desdobrada do imaginário católico, na verdade durante o ritual nada tem a haver com o original significado delas projetadas do catolicismo. Aqui o Exu é uma das giras mais concorridas, ele se manifesta e é cultuado com muita fé para que os caminhos sejam abertos. O Senhor dos Caminhos, Exu Tranca Rua. Nessas imagens aparece um tridente, três pontas na forma de setas, indicando deslocadamente a encruzilhada de três pernas, orita, três caminhos sob o poder de Exu, quem abre ou fecha.

"O sino da igrejinha faz belem blem blão

Seu Tranca Rua que é dono da gira

Dono da gira que Ogum mandou"

A simbologia católica também aparece nas cantigas mas na verdade para reforçar o significado de Exu. Bem e mal são apenas referências circunstânciais de fechar ou abrir os caminhos de permitir a circulação da existência, dos destinos:

“Exu que tem duas cabêças

Oh ele olha sua banda com fé

Oh uma é Satanás do inferno

A outra é de Jesus Nazaré”

Por fim convém destacar a diferença de valores entre a tradição cultural africana e a europeia .
Na Europa a virgindade e a castidade são valores simbólicos valorizados e regem a moral das famílias monogâmicas. Garantia dos direitos de sucessão e herança dos bens econômicos a sociedade como um todo se constitui pelo valor de acumulação de capital.
Na africana ter muitos filhos e poder cria-los é um valor, pois assim os ancestrais serão melhor lembrados e cultuados garantindo a continuidade da tradição. Os valores estabelecem as regras das famílias poligâmicas. A sociedade se constitui pelo valor de expansão de gente.
Rituais de fecundidade e fertilidade também fazem parte das culturas da tradição.
Exu é orixá patrono da relação sexual. Promove as concepções e as gestações, e também os nascimentos. Todavia é também quem promove a viagem de retorno, a restituição, a morte, porquanto é o patrono do movimento e promove a ação dos princípios regidos pelos orixá.
Então vários símbolos fálicos aparecem nas simbologias de Exu como o ogó, o ado niran, na tradição nagô e a faca obé que separa Exu Obé.
Na Umbanda/Kimbanda além do tridente, as garrafas de marafo, etc. Tem o Exu sete facadas e o Exu Caveira.
Aliás muito me impressionava a presença desse Exu no terreiro de D. Maria bem como o do Exu Mangueira no terreiro de seu Alcides na Rocinha capaz de esvaziar várias garrafas de marafo.
Aproveito também para registrar, numa noite de lua, próximo a casa de Chico Alencar, então muito jovem, no Conjunto Habitacional dos Trapicheiros no morro, numa roda de samba, já na alta madrugada a chegada da entidade Zé Pilintra, espírito da Kimbanda que nos remete ao fundo da alma de parcela do povo do Rio de Janeiro e outras paragens.
   
 
Muniz Sodré comenta na revista Visão 1973





“O SEGREDO DA MACUMBA”:40 ANOS DA PUBLICAÇÃO/O RETORNO DO REPRIMIDO PARTE 6

SÓCIO-PSICANÁLISE
A PRESENÇA DO PALMARES
Por Marco Aurélio Luz

Há pelo Brasil alguns autos dramáticos que se referem a luta dos africanos e seus descendentes contra a escravidão e pela liberdade.
Na Bahia é bastante conhecido o auto do “Nego Fugido” que acontece no Recôncavo:



Apresentação em Salvador do auto do “Nego Fugido”

Imagem disponível em http://dancasdobrasil.blogspot.com.br/2010_10_01_archive.html



Auto do “Nego Fugido”, Recôncavo Ba.




Preto Velho no alto, Caboclos em baixo apontando flexa, altar de terreiro de Umbanda,região de Ribeirão Preto, SP.
Foto M. A. Luz

Um altar num terreiro de Umbanda em Santa Rosa de Viterbo na região de Ribeirão Preto no interior de S. Paulo acendeu-me a idéia de compará-lo com um relato de Arthur Ramos no livro "O Folklore Negro do Brasil" referente a uma comemoração nas imediações da Serra da Barriga onde existiu o Quilombo dos Palmares.
Dizia ele: “No brinquedo dos quilombos a que eu assisti, em pequeno na cidade do Pilar (Alagoas) havia a cena inicial das danças dos negros, com muitos cânticos, de que guardei os seguintes:

"Folga nêgo

Branco não vem cá

Se vié o diabo há de leva

Folga nêgo

Branco não vem cá

Se vié

Pau há de leva

Folga parente

Cabôco não é gente”

Convém lembrar que o paulista bandeirante Domingos Jorge Velho contratado pela Coroa Portuguesa para combater o Palmares numa derradeira batalha, conforme Edison Carneiro:“Em épocas diferentes, computava os seus homens, ora em 800 indios e 150 brancos”... Com essas referências aproximei a macumba, um culto aos ancestrais, incluindo também a saga do Palmares e a simbologia dos chefes maiores Ganga Zumba e Zumbi.
Mas essa é uma referência de certa forma censurada, sublimada e deformada no imaginário, e Zumbi é então tido como uma entidade que “vagueia altas horas da noite. Tornou-se uma entidade indeterminada, sem forma e sem culto, identificando-se com a multidão das almas penadas, fantasmas, espíritos errantes”...
E adiante, “a Umbanda se assemelha a um sonho isto é a linguagem mais característica do inconsciente. Um sistema de mitos, símbolos e representações imaginárias que é na verdade a linguagem de uma formação social.”
Como culto aos ancestrais a Umbanda ritualiza em sua liturgia a ancestralidade africana no Brasil, caracterizada por desafios e lutas, mas também pela confraternização comunitária, e pela expressão estética sedutora, encantadora de alegria e beleza.
Convém aqui entretanto sublinhar, que as giras de Caboclo na Umbanda, creio eu, derivam ou têm uma analogia com os candomblés de Caboclo que realizam um culto aos ancestrais à maneira africana de enaltecer os fundadores de um território, os “donos da terra” no caso os primeiros habitantes do Brasil.


A PRESENÇA DO PALMARES:ESPIRITUALIDADE, ANCESTRALIDADE E HISTÓRIA.


Certa feita, mais recentemente Joel Rufino me disse a boca pequena que essa abordagem foi mais uma centelha que ajudou a acender, e concorrer para pouco mais adiante, favorecer o interesse do movimento negro em resgatar e reverenciar a memória de Zumbi e do Quilombo dos Palmares numa simbologia política de luta de afirmação. Possa ser... tanto mais que eu já tinha muitas amigas e amigos nesse processo, dentre as quais destaco as renomadas e admiradas professoras Lélia Gonzales e Beatriz Nascimento de saudosa memória. Convém observar que uma pequena bibliografia já existia com outras abordagens como o livro de Édison Carneiro, O Quilombo dos Palmares, o de João Felício dos Santos, Ganga Zumba, e ainda o enredo de 1960 da escola de samba Salgueiro campeã com o tema O Quilombo dos Palmares, e alguns ensaios do Movimento Negro a procura de uma data comemorativa da Consciência Negra como alternativa ao 13 de maio.
Convém registrar que no ano de 1.980 quando houve um ato político de retomada dos valores do Palmares pelo movimento negro na serra da Barriga, lá esteve Mãe Hilda Jitolu a Iyalorixá que sustenta as bases religiosas do bloco Ilê Aiyê e seus desdobramentos culturais. Mãe Hilda aceitou convite de Abdias do Nascimento para realizar os rituais necessários para manter em paz e em bom lugar no orun no além o espírito de Zumbi.



Mãe Hilda ladeada por Passarinho e Abdias Nascimento no caminho do Palmares




Depois desses acontecimentos o movimento negro consegue incluir a memória de Zumbi no panteão dos heróis nacionais, são feitas inúmeras homenagens, erguidos monumentos, e estabelecida uma data alusiva ao Palmares e feriado comemorativo ao Dia da Consciência Negra.

“O SEGREDO DA MACUMBA”:40 ANOS DA PUBLICAÇÃO/O RETORNO DO REPRIMIDO-PARTE 7

 “SINCRETISMO” MULTI FACETADO
Por Marco Aurélio Luz

Em geral um trabalho pioneiro está sujeito a alguns equívocos, tanto mais em se tratando de um retorno do reprimido, conceito que tomei emprestado da obra de Freud e que se refere a que nehuma repressão é completa, sempre haverá formas dos desejos de uma forma ou de outra encontrarem caminhos para ultrapassar a censura. Essa por sua vez tentará atuar da mesma forma.
Sabemos o quanto sofreu e ainda sofrem as tradições africano brasileiras para se afirmarem e se legitimarem em nossa terra. Daí que a associações simbólicas com santos católicos e teorias espíritas se apresentam como códigos que flutuam no retorno do reprimido.
Naquela época ainda não tinha a percepção das tradições religiosas nagô e também da forma como se processaram as associações simbólicas que geraram as percepções ideológicas do sincretismo. Na verdade uma africanização do catolicismo. A associação preserva a autonomia dos símbolos. De um lado o nagô com a constelação dos orixá mantendo incólume seu sistema litúrgico, e de outro a agiologia dos santos católicos associados nas datas comemorativas com festa de largo.
Por outro lado a censura e o recalque também tem suas sutilezas. Assim o que são associações simbólicas como estratégia de luta de manutenção da tradição dos orixás, é recuperado pela Umbanda do asfalto como condensação com o agiológico católico com fins de combater a umbanda de morro.
Então temos dois conceitos oriundos da psicanálise: associação e condensação operando mecanismos da luta simbólica.
Enfim as associações simbólicas tem como propósito manter a tradição africana e sua territorialização comunitária como um mecanismo de defesa frente a repressão europocêntrica da religião oficial. As associações são sempre no sentido de manter a simbologia da tradição e a manutenção dos significados originais.
Já a condensação tenta esvaziar conteúdos originais e promover uma síntese ou amálgama simbólico com a predominância do catolicismo ou melhor segundo alguns,”catolicismo popular” atribuindo ao “povo” “incapacidade para compreender a teologia apostólica romana”!


Altar do Templo Umbandista,
Foto Roberto Moura, Corisco filmes


Anos mais tarde, precisamente em 1994 fui convidado a participar do IV Congresso Afro Brasileiro promovido pela Fundação Joaquim Nabuco de Recife cujo tema foi Sincretismo Religioso.
Transcevo um trecho de minha comunicação a título de ilustração publicada nos anais do Congresso vol. 4 sendo Tânia Lima a organizadora:
A tendência da ideologia oficial à redução do processo civilizatório negro à cultura branca caminha pari passu com a política de branqueamento, ou seja a ideologia da absorção étnica, da cultura e da 'raça'negra pela branca".
Nada melhor para ilustrar essa situação,do que um debate ou entrevista da Iyalorixá, Escolástica Maria Conceição Nazaré,Mãe Menininha, concedida a Jorge Amado partidário da ideologia do embranquecimento ( mestiçagem e sincretismo).

J.A.- E todos os costumes que vieram da África estão continuando aqui e se misturaram também com os costumes portugueses, da mesma forma que aqueles africanos se misturavam aqui pelos casamentos com brancos.

M.M.- E aí começaram as filhas cabrochinhas...

J. A.- Aqui os santos se misturaram também: Xangô tornou-se S. Jerônimo e Ogum S. Antônio...

M.M.-Eu acho que isso foi feito para que a Igreja aceitasse. Porque não tem nada em comum.

J.A.- São duas coisas diferentes, mas as necessidades... o pessoal, os escravos não podiam adorar seus orixás...

M.M.- Santo Antônio- Ogum?! São Jerônimo Xangô?! Parece que eles aceitavam que fossem parecidos...

J.A.- Sempre procuravam nos santos coisas que os identificassem com os orixás...

M.M.- Eu sei perfeitamente que São Jerônimo não é Xangô, que Ogum não é Santo Antônio. Ogum na África é o maior guerreiro. Ele não perde guerra... Que seja Santo Antônio, temos que aceitar...

J.A.- Pois é...Houve costumes de africanos e costume de brancos que se misturaram”.

( Publicada por Pierre Verger no jornal A Tarde de 22/11/1981)


 Chaim Samuel Katz comenta no Jornal do Brasil 1973



“O SEGREDO DA MACUMBA”:40 ANOS DA PUBLICAÇÃO/O RETORNO DO REPRIMIDO-PARTE 8

CONTEXTO DA CONTRA CULTURA
Por Marco Aurélio Luz

          LIVING THEATER
No ano de 1971 aportou no Rio de Janeiro a companhia de teatro Living Teather. É um afamado e importante grupo de teatro experimental de vanguarda americano localizado em Nova York fundado em 1947. Seus diretores eram o casal Julien Beck e Judith Malina. Na ocasião integravam e navegavam na onda do movimento da contra cultura originado nos EUA, uma repercussão e reação à guerra fria e a guerra do Vietnam.
Nessa ocasião no Brasil procuravam reforçar suas experiências teatrais de vanguarda estabelecendo também uma estratégia de observação da linguagem da dramatização sagrada nos cultos afro-brasileiros, especificamente a Umbanda.
Foi então que foram me encontrar para que pudessem ter acesso aos terreiros. Com eles participava também o professor Georges Lapassade da Universidade de Paris VIII. Ele era um sociólogo dedicado a uma nova linha de trabalho a Análise Institucional.
Depois de visitarem diversos terreiros, inclusive do Sr. Alcides na Rocinha, cuja entidade Exu Mangueira muito impressionara os visitantes, se reuniram para uma reflexão conjunta e avaliação.
Foi então que Lapassade muito impressionado com o que assistira nos terreiros, indagado respondeu mais ou menos assim: - "comparado com o que vi nos rituais de Umbanda os recursos dramáticos do Living Teather são uma merda" .




Georges Lapassade

Depois dessa análise foi convidado a se retirar do grupo. Sem ter para onde ir encontrou abrigo em minha casa e por lá ficou alguns meses.
Nesse tempo me acompanhou nas idas aos terreiros e foi se inteirando dos meus estudos que comparavam os terreiros de morro com os templos do asfalto, trocando idéias sobre análise institucional. Fazia muitas anotações e retornou para Paris com a idéia fixa de voltar para o Brasil. Por outro lado me revelou através das teorias e de sua prática provocativa o significado e o valor da Análise Institucional que me permitiram descongelar, dar elásticidade e ultrapassar o conceito de aparelho ideológico de estado de Althusser.
Meus cursos na ECO UFRJ e no IACS UFF já refletiam esses estudos e conversando com o amigo e colega Muniz Sodré estabeleci a linha: Formas de Comunicação no Brasil: A Cultura afro-brasileira.
O amigo e colega Antonio Serra do IACS/UFF subiu muitas vezes o morro em minha companhia. Ele também acompanhou as andanças e as intervenções de análise institucional do professor Lapassade.
Roberto Moura então estudante de cinema se interessou a ponto de me acompanhar nos terreiros e baseado nos meus estudos concebeu um roteiro para um filme curta metragem documentário. Juntando seus amigos formou uma equipe da qual faziam parte Murilo Salles, Roberto Foster, Ismael Cordeiro, Sergio Santos, Valéria, Monica Secreto, José Paulo e eu próprio.
Quero porém registrar que por indicação da professora Lélia Gonzales fui dar aulas de filosofia num colégio particular na Praia de Botafogo. Não sei dizer como alguns alunos souberam das “pesquisas” e me pediram com insistência que queriam visitar o terreiro de Umbanda. Levei-os ao D. Marta. Maravilhados com a experiência espalharam pela turma, no final do ano fui demitido sem que nem prá que.
Num dos retornos de Lapassade lendo meus escritos ele achou que já cabia uma publicação e dizendo ter também os dele, sugeriu um livro em co- autoria. Acabei aceitando e apresentamos os originais ao poeta Moacir Felix editor da Paz e Terra.
Ele era muito admirado e respeitado e enfrentava as pressões da censura naquela época o que já estava inviabilizando a editora bem como a co-irmã a Civilização Brasileira. 


Depois de tomar conhecimento dos originais, Moacir propôs uma edição de 10.000 exemplares a ser distribuída nas bancas de jornal, o que daria um retorno rápido. Com Lapassade acordou o título O Segredo da Macumba capaz de atrair a atenção de possíveis leitores e não deixar de ser uma revelação pela abordagem original, tanto mais que nada existia sobre esse assunto na bibliografia da época.
O resultado desta combinação foi uma incrível repercussão nos meios jornalísticos e intelectuais e nos meios de comunicação de maneira geral.
Entre erros e acertos o livro marcou um momento e acendeu uma fagulha no ainda latente Movimento Negro principalmente em relação a simbologia do Quilombo dos
Palmares e ao respeito as tradições religiosas africano brasileiras e seus desdobramentos.
Apesar disso a editora foi vendida e não houve novas edições.
Por outro lado, com o interesse do diretor da ECO, professor Simeão Leal, o filme de Roberto Moura Sái Dessa Exú, foi realizado com o apoio da Embrafilme.Tanto o livro como o filme se tornaram marcos iniciais nos nossos trabalhos. Roberto dentre vários trabalhos publicou o livro sobre Tia Ciata, um ponto de refêrencia obrigatória, e também sobre Cartola e ainda Grande Otelo dentre outros escritos e filmes.

Professor Simeão Leal e Marco Aurélio Luz.
Foto Roberto Moura, Corisco Filmes



Roberto Moura e Aloisio Salles filmagem de "Sái Dessa Exu"
Foto Corisco Filmes

"Sái Dessa Exu" termina com uma bela imagem do culto ao Preto Velho na praia, o sol nascendo no mar que vai dar na África com Vovó Maria Conga cantando a cantiga que diz:
“Um dia serás reis Preto Velho/serás dono de comarca, branco chegará na minha mão e nos meus pés para gritar maleme e pedir/hoje em dia estão pedindo.”

O sol nasceu já vai baiana

O sol nasceu nas ondas do mar

As ondas do mar batia

Lá se vai Maria Conga feticêra da Bahia”

Eu fui convidado por Muniz Sodré a ir a Bahia visitar o terreiro de culto aos ancestrais nagô, os Egungun na ilha de Itaparica em 1973. Aí já começa uma outra história que mudou completamente a minha vida.
O Segredo da Macumba foi um ponto de partida. O início de um rompimento com sistemas ideológicos de prolongamentos neocoloniais eurocêntricos, uma irrupção vulcânica de novos valores de liberdade.