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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A MAGNÍFICA SISTER ROSETTA


 Por Marco Aurélio Luz




Sister Rosetta 
Imagem disponível em https://www.thezeallife.com/index.php/2020/02/27/sister-rosetta-tharpe-rock-n-roll-legacy/


Arkansas 1915 nascia Rosetta filha de Katie Bell Nubin que a acompanharia pelo resto da vida. Trabalhando na colheita de algodão e participando da igreja evangélica Katie Bell  cantava gospel e tocava bandolim atraindo fiéis para o culto.

Quando Rosetta tinha seis anos ela imigrou para o norte como muitos da população negra. Se estabeleceu em Chicago e acompanhando a mãe ela começou a se apresentar cantando gospel e tocando piano e outros instrumentos. Logo seu talento se fez notar e Rosetta se tornou a principal atração na igreja.

Com mais idade ela se dirigiu a noite musical de Chicago e se familiarizou com diversos estilos da música negra. Blues do Mississipi, Jazz de Nova Orleans, música cubana, formavam um conjunto de gêneros que designava o rythm and blues e ainda gospel e música country que ela conhecia alimentando seu talento e criatividade.


Imagem disponível em https://www.thezeallife.com/index.php/2020/02/27/sister-rosetta-tharpe-rock-n-roll-legacy/

Se destacava pela beleza de sua voz e o uso da guitarra elétrica um conjunto de inimitável força interpretativa pelo uso da síncopa e dos sons distorcidos e dissonantes.

Suas atuações atraíram também a indústria cultural do show business e ela sem muita experiência, assinou contrato de apresentações e gravou disco de expressão secular gerando críticas dos admiradores do gospel espiritualizado.

Ela porém nunca abandonou sua fé e transitava entre esses mundos e sempre admirada e amada.

Passado esses compromissos contratuais ela organizou suas próprias apresentações com grupos musicais como As Rosettes viajando pelo país. Ela adquiriu um ônibus e fez adaptações colocando camas no fundo para contornar as restrições de hotéis impostas aos negros pelo apartheid.

Cada vez mais admirada e amada por seu talento, beleza, alegria ela encantava a todos.

Conheceu Marie Knight e com ela fez uma dupla que se completavam e harmonizavam. A performance delas foi de muito sucesso. A dupla se desfez e ela continuou seu caminho de memoráveis apresentações.


Imagem disponível em https://www.thezeallife.com/index.php/2020/02/27/sister-rosetta-tharpe-rock-n-roll-legacy/

Músicos brancos de Memphis e arredores que procuravam assistir aos cultos evangélicos no fundo das igrejas foram fortemente influenciados pela música negra e viram em Sister Rosetta a “Mãe do Rock and Roll” e com Elvis Presley começaram a divulgar esse gênero e tomar conta do espaço musical.

Além de Rosetta, BB King, Chuky Berry, Litle Richard, e outros que estavam estabelecidos com seus talentos foram esmaecidos da cena musical pela presença dos roqueiros brancos na indústria cultural.

Rosetta perdeu esse espaço mas foi convidada por um músico de jazz da Inglaterra  Chris Barber eu admirador a ir para lá fazer uma série de apresentações.



Rosetta e Cris Barber 
Imagem disponível em https://www.thezeallife.com/index.php/2020/02/27/sister-rosetta-tharpe-rock-n-roll-legacy/

Ela fez enorme sucesso que está registrado no espetáculo para televisão inglesa que fez em 1964 numa estação de trem desativada em Manchester para uma plateia de estudantes.



Rosetta e sua mãe Katie Bell
Imagem disponível em https://dimitrivieira.com/sister-rosetta-tharpe/

Sua mãe, Katie Bell que sempre esteve ao seu lado partiu dessa vida e Rosetta ficou profundamente abalada e a partir daí não mais seria a mesma.

 

Sister Rosetta Tharpe - This Train

Sister Rosetta Tharpe- "Didn't It Rain?" Live 1964 (Reelin' In The Years...

Sister Rosetta Tharpe - Up Above My Head on Gospel Time TV show

quarta-feira, 26 de maio de 2021

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Padê de Exú Libertador Abdias Nascimento


 


 

Ê VOLTA NO MUNDO CAMARÁ,

Ê Ê MUNDO DA VOLTA CAMARÁ...

UM ENSAIO SOBRE A REGÊNCIA DA ALEGRIA[1]

 

Por Narcimária Correia do Patrocínio Luz[2]

 

 

Resumo: É um ensaio filosófico dedicado aos principais aspectos abordados no livro “Estratégias Sensíveis: afeto, mídia e política”, de autoria de Muniz Sodré. Através da epistemologia compreensiva aplicada ao universo da Comunicação, o ensaio aborda de um lado, a dinâmica das sociedades urbano-industriais sobredeterminada pela estetização  imanente da bios-virtual; de outro, uma das principais categorias filosóficas nacionais, a radicalidade da alegria, desdobramento da arkhé africano-brasileira que marca os modos de sociabilidade que sustentam a formação social brasileira.

Palavras-chave: Arkhé, comunalidade africano-brasileira, Comunicação, bios-virtual, alegria, Contemporaneidade.

 Abstract:  This is a philosophical essay related to the main aspects discussed in the book “Sensible Strategies: affection, media, politics”, written by Muniz Sodré. Through the comprehensible epistemology applied to the universe of Communication, it is discussed about, on one hand, the dynamics of urban-industrial societies overdetermined by the immanent esthetization of bios-virtual; on the other hand, one  of the main national philosophical categories, the radicality of joy, spread from the African-Brazilian arkhé,  marking the ways of sociability that maintain the Brazilian social formation.

 

Key words: Arkhé, African-Brazilian comunality, Communication, bios-virtual, joy, Contemporaneity.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Trata-se de um livro que apresenta um pensamento original, que recusa o lugar comum, equivocado, o óbvio ou mesmo tautologismos que fixam metanarrativas sobre a existência, devorando a ousadia das elaborações mais profundas do conhecimento vinculado às comunalidades que expressam a dinâmica social brasileira.

Sobre isso, Muniz Sodré certa vez comentou:

(...) Mas o que é filosofia no Brasil? Certo, eu também estudo Heidegger, Hegel, Platão, adoro esses caras ,mas acho que se você ler realmente os grandes filósofos, independente da academia,você constata que eles estavam preocupados com a cidade deles, digamos assim.Acho que você só pensa originalmente quando o faz radicalmente, a partir de suas raízes, o que a academia no Brasil não ousa fazer[3]

 

É dessa sua ligação profunda com sua territorialidade, seu solo de origem que Muniz nos aproxima das “Estratégias Sensíveis”, onde explora uma densa abordagem filosófica, capaz de estabelecer como propõe o autor, uma “epistemologia compreensiva” própria para o universo comunicacional e dele, compreender os modos de sociabilidade que atravessam o nosso tempo.

 Estratégias Sensíveis” é um título emblemático, desdobramento das infinitas linguagens e  vivências acumuladas  por um bom capoeira, discípulo de Mestre Bimba, que logo cedo percebeu que Muniz tinha  talento e “ginga” para lidar com as  línguas estrangeiras dando-lhe  o nome de “Americano”.

É gingando nos interstícios e fissuras da Razão de Estado, superando as tensões e conflitos característicos da panacéia e utopias ciberculturais, que Muniz realiza uma travessia empírico-reflexiva fascinante, onde intercambia o clássico pensamento grego, a vida virtual com a complexidade de linguagens que a constitui, e o universo simbólico próprio da cosmovisão africano-brasileira. Essa travessia ou “manha” , como quer o vocabulário da capoeira, é que irá imprimir um pensamento filosófico singular, aplicado à Comunicação.

Aqui a metáfora: “ê mundo dá volta câmara, ê volta no mundo camará” é apropriada porque em todo texto Muniz vai nos lembrando dos  ciclos do tempo,  que marcam a ontológica diversidade humana e neles as utopias da modernidade e a sua pretensa idéia de controlar o destinos, a vida e a morte.

 

Origem quanto o destino fossem afastados da visão moderna; a primeira foi reduzida a datas históricas, o outro a um plano econômico. A ritualização desapareceu. Continuamente nos preocupamos com a nossa origem e com o nosso destino, só que esta preocupação permaneceu a nível individual. Isto explica a força da psicanálise a partir do século XIX. A psicanálise não fala de outra coisa senão disto. Assim, tudo o que se refere à origem e ao destino entrou para os subterrâneos da racionalidade... O mistério é aquilo que se silencia: O Ocidente deve calar-se a respeito do mistério da origem e do destino porque a racionalidade histórica não lhe permite que fale a respeito (...) [4]

 

Assim como gingando na capoeira, apelando para a linguagem da roda e o jogo que ela anuncia, repertórios viscerais na vida do autor, o exercício de pensar o campo semântico das “estratégias”, tônus do livro, também vai estar impregnado da “ginga” teórico-metodológica necessária para a abordagem dessa categoria de análise.

 

 

A DINÂMICA DO JOGO

 

As estratégias caracterizam fundamentos profundos de jogos e vão ser interpretadas como uma arte que envolve astúcia, criatividade, improvisos, sensibilidade, afeto, mas também um planejamento ardiloso do início ao fim da ação, sem se tornar refém dos detalhes (tática) que o cercam, como bem observa o autor.

 Então, a dinâmica discursiva que estrutura o jogo da comunicação não se reduz a “racionalidade lingüística” nem tão pouco as “lógicas argumentativas da comunicação”, mas a radicalidade das “estratégias sensíveis”, que apelam para a infinitude de combinações de linguagens que agem:

 

(...) afetivamente em comunhão, sem medida racional, mas com abertura criativa com o outro, estratégia é o modo de decisão de uma singularidade. Muito antes de se inscrever numa teoria a dimensão do sensível implica uma estratégia de aproximação das diferenças-decorrente de um ajustamento afetivo, somático, entre partes diferentes num processo, fadada à constituição de um saber que, mesmo sendo inteligível, nada deve à racionalidade crítico-instrumental do conceito ou às figurações abstratas do pensamento. (p.10)

 

É certamente difícil para nós, acostumados a Razão universal que funda a História e Geografia civilizatória do ocidente, acolhermos referências comunicacionais que transcendam as fronteiras entre logos/Razão e pathos/paixão. Na verdade, essas fronteiras constituem dicotomias que institucionalizaram campos semânticos perversos, a exemplo das classificações que sobredeterminaram o destino de muitos povos considerados “pagãos”, “primitivos”, “selvagens”, “não humanos”... “Nessa dicotomia, a dimensão sensível é sistematicamente isolada para dar lugar à pura lógica calculante e à total dependência do conhecimento frente ao capital” (p.12)

Exemplos como esse talvez nos levem a pensar numa nova “Cidade humana” como se refere Muniz, que identifica no âmbito de novas tecnologias do social, modos de sociabilidade envolvendo os planos intelectual, territoriais e afetivos que rompem com a oposição logos e pathos.

Ora, há infindáveis horizontes de tecnologias envolvendo informação, comunicação, imagem que transgridem o acervo clássico do conhecimento institucionalizado pelo poder de Estado, estabelecendo de modo radical outra possibilidade cognitiva. Mas como isso é possível?

Vejamos então como esses horizontes de tecnologias soam para Muniz:

 

 (...) A afetação radical da experiência pela tecnologia faz-nos viver plenamente além da era em que prevalecia o pensamento conceitual, dedutivo e sequencial,sem que ainda tenhamos conseguido elaborar uma práxis(conceito e prática) coerente com esse espírito do tempo marcado pela imagem e pelo sensível,em que emergem novas configurações humanas da força produtiva e novas possibilidades de organização dos meios de produção.(p.12)

 

 Muniz alerta sobre a aproximação progressiva entre a vida e a tecnologia. Na base desse universo comunicacional está anunciada uma bios-virtual, isto é, uma vida virtual que impõe “outra cultura”, alicerçada na globalidade tecnoeconômica, que através da dimensão da imagem, do afeto e do sensível, produz sujeitos de mercado adaptáveis à formação do “capital humano”.

 

 

O UNIVERSO IMANENTE: O BIOS-MIDIÁTICO

 

A perspectiva que nos intriga na ambiência comunicacional: a bios-virtual condensa o espaço-tempo à técnica que estrutura a vida social submetida a territórios imateriais, simulacros da existência em sintonia com o mercado o novo capital.O impacto é a institucionalização de uma: “comunidade afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social.” (p.99)

As sociedades contemporâneas sobredeterminadas pelo bios-midiático e a efervescência dos seus territórios imateriais desdobramento das tecnologias da informação, recebem os sopros de um universo comunicacional stricto sensu “indicial”.

Sobre ele há superposições de índices, signos, (imagem), dígitos, símbolos(sistema lingüísticos) relacionados a formas de transmissão de saberes e informações que caracterizam uma nova interação humana com o mundo ou os mundos que se apresentam.

O desafio, ou a grande questão que se impõe a essas formas culturais vinculadas a “circulação indicial” como quer Muniz, é que:

 

(...) o índice configura-se como o signo mais adequado a um novo tipo de relação social carente de dimensões de profundidade semântica ou de valores éticos ordenados, em que predomina,no lugar da clássica’interioridade’ psíquica ou do sujeito definido por um ponto de vista estratégico,a pura contiguidade relacional das redes midiáticas ou cibernétic.(p.109)

 

Como recurso metodológico o autor apresenta dois mitos fundadores da civilização ocidental para que entendamos a nova linguagem comunicacional contemporânea, onde o sentido da visão continua em cena, mas a tatilidade assume importância. Ambas intercambiam-se introduzindo um novo campo de sensibilidade. 

Narciso filho do Deus Cefiso e da ninfa Liríope recebeu a advertência do advinho Tirésias, que viveria melhor se não se olhasse. Quando se tornou adulto, Narciso ficou belíssimo, o que atraía a atenção e desejo de muitas moças e ninfas. Mas Narciso mantém-se sempre insensível ao amor, o que provoca a ira das mulheres que pedem vingança a Nêmeses.  Um dia Narciso inclina-se numa fonte para beber água, e vendo o seu rosto refletido fica enamorado. Desse dia em diante, ele passa a ficar indiferente ao mundo e constantemente passa a admirar a sua própria imagem até morrer.

O mito de Narciso mostra o quanto ele é indiferente à sociabilidade, à troca com o outro, à doação recíproca. Ele não aceita o outro corpo, o corpo da ninfa, e entrega-se à troca com sua própria imagem, e é punido por denegar a presença do outro e ter uma atração absoluta por si próprio. Narciso mata a verdade de si mesmo e morre em sua própria imagem.

Muniz chama atenção no mito que “... a deriva descontrolada das imagens leva à morte do humano, identificado com a mediação simbólica” (p.111)

Aqui o mito de Édipo, também nos faz refletir, isto porque, demonstra o quanto à onipotência da bios-midiátrica lineariza, estabelece taxionomias, simulacros, que satura todos os espaços que cria A história de Édipo é interessante, pois marca:

 

(...) o poder do Ocidente exatamente porque expõe a pretensão de um olhar universal. Édipo-Rei é uma tragédia da visão-ele pode ver tudo, mas não se vê. Ao cegar-se, no final, interiorizando a sua visão, ele ainda está na pretensão de tudo ver, mesmo na escuridão. É essa onipotência edipiana que estrutura o mundo Ocidental que arma o olho funcionalizando-o em termos eficazes, de todos os recursos possíveis, para se investir da veleidade de um poder de visão universal.[5]

 

Portanto, a cegueira é capaz de desenvolver outras sensibilidades que promovem experiências de aprendizagens especiais, pois se “vê mais” através das sensações táteis, olfativas, auditivas e gestuais, todas intercambiáveis que (re)orientando de modo radical as práticas sociais.

Daí emergir:

 

(...) a sensorialidade do indivíduo, capturada pelas exigências técnicas do controle cibernético, para que aprenda índices (setas, figuras, palavras) necessários à construção de uma espécie de cartografia de trânsito (ou ‘navegação’) na rede...  Tateia-se nos intinerários sonoros, visuais e textuais em busca dos índices de conexão ou elos (links). McLuhan tinha plena razão, não fez mero jogo de palavras, quando se referiu a ‘massagem’, e não a mensagem, como efeito característico da mídia eletrônica.(p.115)

 

E mais:

 

(...) No hipertexto ou hipermídia, onde se hibridizam recursos diferenciados como arquivos sonoros, textos, videoclipes, fotos, etc., o usuário trafega em complexos ambientes dinâmicos, espreitado pela possibilidade estésica e manifestadamente narcísica da vertigem, como bem assinala Machado; ‘o navegante’ está sempre a um passo da vertigem, permanentemente arriscado a se perder no mar de textos. (p.115)

 

 Eis, então a proposição do autor de uma epistemologia compreensiva, que sai da ordem do discurso linear-sequencial e irrompe uma análise comunicacional à deriva do repertório de informação que inauguram “novos cenários urbanos de comunicação”, ao qual chama de “sensorium novo” potencialmente vinculado aos modos de sociabilidade que envolvem os jovens que vivem os valores do mercado transnacional contemporâneo.

Neste panorama, faz sentido a importância da epistemologia compreensiva para a Comunicação, principalmente considerando que:

 

(...) as tradicionais ciências sociais e humanas sempre procuraram inscrever positivamente o fato (social, histórico, individual) numa ordem de causalidade capaz de levar a uma apreensão objetiva da realidade por meio da interpretação adequada. O desafio epistemológico e metodológico da Comunicação enquanto práxis social, entretanto, é suscitar uma compreensão, isto é, um conhecimento e ao mesmo tempo uma aplicação do que se conhece, na medida em que os sujeitos implicados no discurso orientam-se, nas situações concretas da vida, pelo sentido comunicativo obtido. (p.15)

 

Ao sabor dessa epistemologia compreensiva, o autor nos aproxima de insondáveis perspectivas que envolvem, por exemplo: os ciclos do tempo, que marcam a ontológica diversidade humana, e neles, as utopias da modernidade e sua a pretensa idéia de controlar os destinos, a vida e a morte; a análise no interior das novas tecnologias que representam as dinâmicas de sociabilidade contemporâneas, e no interior delas a predominância da dimensão do afeto e do sensorialismo.

Outro aspecto relevante no livro é o esmaecimento da Razão técnico-instrumental característica do pensamento clássico do Ocidente face a emergência intermitente da estética e da imagem (código fundamental das redes midiáticas) na  constituição do bios-midiático.

Muniz alerta sobre a aproximação progressiva entre a vida e a tecnologia. Na base desse universo comunicacional, está anunciada uma bios-virtual, isto é, uma vida virtual que impõe “outra cultura”, alicerçada na globalidade tecnoeconômica, que através da dimensão da imagem, do afeto e do sensível, produz sujeitos de mercado adaptáveis à formação do “capital humano”.

O mais intrigante: a bios-virtual condensa o espaço-tempo à técnica que estrutura a vida social submetida a territórios imateriais, simulacros da existência em sintonia com o mercado o novo capital. O impacto é a institucionalização de uma: “comunidade afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social.” (p.99)

Uma valiosa abordagem também acontece sobre política como expressão do poder de Estado, que durante muito tempo foi o eixo central da vida social (final do século XIX e primeiras décadas do século XX) hoje saturada, mais insiste em existir através do apelo a estética produzida pela bios-virtual do marketing e da mídia responsáveis por produzir a “democracia cosmética” que sustenta o regime das aparências.

 

 

A TRANSCENDÊNCIA NA ALEGRIA

 

Finalmente a alegria como categoria filosófica primordial cuja radicalidade da análise, carrega muita emoção, principalmente por conter no seu âmago o pensamento original ligado ao nosso solo de origem, de modo especial a nossa arkhé civilizatória africano-brasileira.

Na regência da alegria, a imanência tão característica da bios-virtual e toda a sua extensão tecnoeconômica e racionalidade sígnica que tende a banalizar a morte, a origem e o destino, vai ser engolida pela transcendência que celebra a vida, os ciclos dos destinos, a dimensão ontológica da diversidade humana marcada pela angustiante procura da compreensão sobre o estar no mundo, no universo, a compreensão do processo dinâmico da existência.

De toda a travessia ou “ginga” realizada por Muniz no livro, a culminância está na “regência da alegria”. Na regência da alegria a imanência tão característica da bios-virtual toda a sua extensão tecnoeconômica e racionalidade sígnica que tende a banalizar a morte, a origem e o destino, vai ser engolida pela transcendência que celebra a vida, os ciclos dos destinos, a dimensão ontológica da diversidade humana marcada pela angustiante procura da compreensão sobre o estar no mundo, no universo, a compreensão do processo dinâmico da existência.

As relações simbólicas que constituem a alegria das comunalidades milenares, como a africana, é toda carregada de arkhé, princípios inaugurais, origem, começo, continuum, dinâmicas de criação-recriação, transcendências que orientam o devir-futuro, estabelecendo a relação visceral entre tradição e contemporaneidade.

Nos dedicaremos agora a realçar alguns  elementos dramáticos que nos permitem a aproximação da  singular visão de mundo que faz expandir a complexidade da civilização milenar africana.

Trata-se do conto  Ajaká  Iniciação para a Liberdade”[6], que integra a herança nagô nas Américas , de modo particular na Bahia. Esse mito foi (re)criado para um auto-coreográfico por Mestre Didi,Deoscoredes Maximiliano dos Santos, Juana Elbein dos Santos e Orlando Senna.

Esse auto-coreográfico vem alimentando nossas iniciativas teórico-metodológicas envolvendo professores de várias regiões  do Brasil para falar sobre a presença africana e a contribuição de suas linguagens na área de   Educação .

Aqui apresentamos   uma adaptação cuidadosa e exclusiva do conto  Ajaká[7] para compor  esse mosaico de idéias sobre a alegria de sua transcendência.

Vamos então  conversando e  tocando no que há de mais pronfundo no conto,a saber: os percalços pelos quais Akajá passa,que são explorados entrelaçando dança, música, texto, efeitos plásticos uma linguagem assentada no universo simbólico nagô. A floresta é o cenário-chave do conto e nela crescem com maestria conteúdos ético-estéticos que revelam as Mães Ancestrais representadas como o pássaro Akalá; Aroni o orixá das folhas que se torna irmão de Ajaká e seu guia; os espíritos da água e da palmeira; os ancestrais masculinos Egunguns.

Escutem com o coração e procurem extrair das imagens que alimentam a narrativa, linguagens.

No tempo em que os seres humanos moravam nas árvores e conversavam com elas...

É assim que os/as mais antigos/as costumam transmitir saberes aos/às mais novos/as nas comunidades de matriz africana.

Cada história,conto,cantigas,parábolas,provérbios,são anunciados com essa introdução carregada de  poesia mítica,demosntrando que o conhecimento a ser transmitido vem de tempos imemoriais,isto é,desde que o mundo é mundo.

Bem nesse tempo ,os mais antigos nos contam que Oduduwa  orixá patrono da criação da Terra , vivia  em seu palácio na cidade de Ifé na Nigéria de onde se origina a cultura nagô e as linhagens reais dos diversos reinos do império nagô.

Oduduwa ficou muito doente e se não fosse logo cuidado poderia  ficar cego.Ah!Se isso acontecesse  a existência estaria  toda em perigo!O ânimo de todo o povo de Ifé era   esperança de encontrar a Folha da Vida, único remédio, planta sagrada que  representa descendência, renovação, cuja seiva permitirá que o Rei Oduduwa recuperasse a visão e a força da vida.

 Mas não é fácil encontrar a folha da vida!A hierarquia do palácio convoca os  caçadores  experientes,que  conhecem bem as matas e florestas, mas infelizmente eles não conseguem encontrar a folha da vida.

Se abate por toda Ifé muita angústia e tristeza,pela situação da saúde Oduduwa,que a cada dia se agrava.O Babalawô que é um sacerdote iniciado nos mistérios oraculares, e capaz de indagar sobre o futuro, sabe que a folha da  vida é a única solução,e diante da situação abre seu coração e indaga:

“Quem pode encontrar? Quem sabe reconhecer uma coisa em outra? Quem sabe advinhar o que não se vê e não se toca?  Quem pode sentir o impossível? Quem?”

Diante dessas indagações apresenta-se o jovem Ajaká, o primogênito, o primeiro neto do rei Oduduwa.Sabe aquele adolescente,cheio de si e destemido?Pois é!Ajaká é assim, e se oferece confiante para ajudar Oduduwa, e com isso, assegurar a continuidade e dinâmica da tanscendência que envolve o mistério da existência na Terra .

Ajaká é capaz de dar continuidade, expandir e recriar os valores inaugurais legado dos ancestrais. Ele é uma representação mítica do orixá Ogum que é desbravador, caçador, e conhecedor profundo da floresta.

Será  imerso a esse mundo sobrenatural e de mistério, que Ajaká faz a sua iniciação da adolescência para se tornar um adulto.Durante esse período de busca pela folha da vida, absorve conhecimentos ancestrais infinitos contidos principalmente na floresta.

No seu encontro no coração da floresta com a Iya mi Agbá a mãe ancestral ela lhe orienta dizendo-lhe que:

“...terá de aprender em seu próprio corpo. Com a cabeça, com as mãos, com os pés e o coração. Ori, Okan, ese, e òwo.  Com o estômago, com as vísceras, com a saliva, o esperma e o sangue, com a pele e o pensamento. A Folha da Vida está em alguma parte, em qualquer lugar no mais profundo recanto da floresta, na zona mais difícil e oculta.”

 



 

Depois de beber o vinho da palmeira, Ajaká torna-se irmão de Aroni o orixá das folhas, que também lhe orienta: “Você pode aprender os mistérios das folhas, das raízes, das flores e dos frutos, os mistérios que eu sei, os mistérios que eu sou. Você, meu irmão, pode aprender a multiplicar, você pode aprender a eternidade... As plantas podem curar, proteger e revelar uma nova sabedoria, um conhecimento infinito.”

Em Aroni, Ajaká identifica o saber sobre as plantas, a medicina, o segredo da luz que abraça cada semente, grãos, pétalas, fibra vegetal. Mas Ajaká descobre que todo o conhecimento que Aroni detém de reconhecer esse  repertório sobre a flora, não abrange a folha da vida e nem mesmo sabe onde ela está.

Mais uma vez Aroni ensina a Ajaká que os mistérios da vida não estão apenas nas plantas, ele terá que aprender muito em seu próprio corpo.

“Os mistérios da vida estão em outros pontos da natureza, como em certas partes animais. Para sabê-los você terá de aprender a transformar-se em bicho. Mas este é um segredo profundo, e agudo como a ponta do espinho, um segredo das mães ancestrais.”

Assim, Ajaká invoca outra vez a mãe ancestral Akalá, e diz a ela da necessidade de conhecer o corpo dos bichos. Akalá lhe previne de que ele poderá ou não saber, e pede-lhe que imagine a estranha mas maravilhosa inteligência do macaco que é o guardião da ancestralidade, o que fala com os mortos. E como a Folha da Vida encontra-se muito longe de onde eles estavam, Akalá recomendou-lhe:

“Você precisa da força do búfalo, da ferocidade e da agilidade da pantera; e da serpente, que lhe dirá como é possível renascer, renascer, renascer... Você será se souber a mágica multicor do camaleão... O macaco fala com os mortos, os que sabem; Egun, Egun, Egun.  O corpo do macaco é feito de dor, dor, dor...”

E lá se vai Ajaká. Transformou-se dolorosamente em macaco, e agora é capaz de encontrar Egunguns os espíritos ancestrais.

Ajaká sabe que a Folha da Vida se encontra no ponto mais secreto da parte desconhecida da floresta, a região mais escura e úmida, a mais sagrada, protegida pelos espíritos que impedem a passagem. E pergunta aos Eguns como penetrar nessa região.

Os Eguns acolhem a pergunta de Ajaká.De repente um forte ciclone, o leva para os recônditos da floresta. Assim Ajaká se aproxima da folha da vida, que  fica quietinha,escondidinha observando a aproximação de Ajaká. Diante do silêncio da folha da vida que não se revela imediatamente ,Ajaká canta para ela :

 “Ewê ê asa kojé

  ewê gbogbo ni segun

 ewê ê asá kojé tantan

 ewê gbogbo ni ti tôrisá!

 Folha da Vida !”

A folha da vida revelando-se responde:

“Encontre-me, ofereço-me àquele que pode levar a vida aos olhos do Rei. Só um descendente indicado pelo ixé, demonstrando bravura, persistência, sabedoria e imensurável amor pelos ancestrais, sabe utilizar e honrar o que lhe é dado.  Sou a cura, a descendência e a renovação, sou o que não pode ser encontrado senão por aquele  que venceu todos os sofrimentos e dissolveu os obstáculos, grande aprendiz, grande iniciado !”

E assim Ajaká retorna ao palácio de Oduduwa para devolver a visão e a existência ao orixá patrono da Terra.

Ajaká retorna um homem depois de todo processo de iniciação vivido na floresta. É um Ser em permanente mutação.

“...  Forte como um búfalo, veloz como a pantera, leve como um pássaro, com os sentidos de camaleão, o instinto do peixe, mais sábio que o macaco e senhor do segredo que se instala em cada planta, em cada semente.”

 

Por esse amor e fidelidade ao ancestral Ajaká recebe a espada Agadá que lhe dá o poder de desbravamento e recebe o título de Awasoju o que vai à frente de tudo e de todos.

O mito de Ajaká que adaptamos para os propósitos desta Série, nos leva a destacar valores singulares  da civilização africana. Princípios como a fidelidade, amor, o respeito aos mais velhos, os ancestrais, a hierarquia, valores inaugurais da existência estão presentes no mito.

Todo o conhecimento, a aquisição de saberes e/ou aprendizagem é interdinâmico, interpessoal, é necessário a presença do outro para que se estabeleça a linguagem, a comunicação com sua riqueza de códigos e formas de expressão. É um conhecimento vivo e direto.

Ajaká é extensão da floresta, da natureza e seus mistérios. Todas as outras formas de existência presentes no aiyê,mundo visível.  Mas Ajaká também interage com o mundo invisível o orun, o que permite a completude da sua iniciação.  Ajaká sabe e compreende que a Natureza não pode ser reduzida a objeto e a manipulação exploração incessante do homem. Ele aprende na e com a natureza. A natureza não é matéria-prima para manufatura submetida a “ordem e progresso”do mercado capitalista.

A riqueza do conhecimento adquirido por Ajaká na trajetória de sua iniciação, transcende o comportamento ascético e inerte do corpo onde apenas a relação olho-cérebro é permitida, como enfatiza os currículos escolares. Apela-se para todos os sentidos do corpo. O corpo é movimento, pulsão, vida! A aprendizagem é permitida por essa interação profunda e singular entre a humanidade  e  a natureza.

Ajaká não se caracteriza como um desbravador ganancioso, da “conquista” dos segredos e mistérios da Natureza submetendo-a  aos seus caprichos.

Seu objetivo não é ascensão individual.Ajaká busca de forma exuberante a continuidade da vida, da existência do seu contínuo civilizatório e  comunalidade,da preservação e expansão dos princípios originais da existência para que esse mundo não se acabe.

Como Awasoju, aquele que vai na frente de tudo e de todos, Ajaká abre caminhos permitindo aos seus descendentes o legado dos seus ancestrais, da dinamização dos princípios cósmicos da existência a pulsão de  sociabilidade e comunalidade.

A folha da vida como motivação iniciática de Ajaká , representa metaforicamente a África Viva contemporânea em cada um de nós.

Retomemos uma passagem do mito  em que o Babalawô diante da situação diz e indaga:

A Folha da Vida é a única solução. Quem pode encontrar? Quem pode reconhecer uma coisa em outra? Quem sabe advinhar o que não se vê e não se toca? Quem pode sentir o impossível ?

Ajaká se atualiza e vive intensamente no coração daqueles das comunalidades africano-brasileiras imantadas pela pulsão de um repertório iniciático de aprendizagem e elaboração de conhecimento, cuja dinâmica é envolta pela busca da folha da vida,que metaforicamente usamos aqui para  representar a alegria  transcendência e a infinitude das (re)criações de linguagens e valores  contemporâneos que anunciam para e inauguram todos os dias a  nossa  floresta simbólica para que os descendentes de africanos   expandam a sua existência.

Nas comunalidades tradicionais da Bahia nossas crianças aprendem, elaboram conhecimentos e expressam esses universos característicos do pensamento africano e suas atualizações nas Américas através da vivência e convivência com orikis, contos, instrumentos percurssivos cujos toques falam/comunicam relatam histórias que anunciam os primórdios da humanidade indicando princípios ético-estéticos para que o corpo comunitário se expanda e dê continuidade aos elos de ancestralidade que projetam e anunciam a ALEGRIA TRANSCENDENTE.

Através desse vínculo com sua arkhé, as comunalidades africano-brasileiras expressam o discurso sobre a experiência do sagrado e promovem o acesso a um complexo sistema simbólico que influencia profundamente a estruturação de sociabilidades, elaborações emocionais, transcendentais e primordiais à experiência humana com seu meio ético, social e cósmico.

É emblemática a regência da alegria na poesia de Hermínio Belo de Carvalho e Paulinho da Viola sobre a pulsão de sociabilidade que caracteriza o viver cotidiano na Mangueira:

 

A vida não é só isso que se vê, é um pouco mais... Que os olhos não conseguem perceber, e as mãos não ousam  tocar, que os pés recusam  pisar. Sei lá não sei, sei lá não sei não. Não sei se toda beleza de que lhes falo sai tão-somente do meu coração. Em Mangueira a poesia, num sobe e desce constante, anda descalço ensinando um modo novo da gente viver, de cantar, de sonhar, de vencer.

Sei lá não sei, sei lá não sei não, a Mangueira é tão grande que nem tem explicação.

 

Estamos diante de um universo comunicacional, característico das comunalidades tradicionais vinculadas a arkhé, a ancestralidade, tudo é singular, pois está embebido de mistério, do sagrado, da imponderabilidade que envolve vida e morte, o infinito que no aqui e agora se descortina de modo intermitente.

Uma coisa Muniz observa com muita pertinência sobre a bios-virtual e a pretensa onipotência que a constitui: “na cultura midiática, tecnologicamente produzida, dependente de causas e finalidades comandadas pelo mercado, há sensação, emoção, vertigem e promessas de felicidade-jamais alegria” (p.222)

É nesse solo de origem eminentemente africano-brasileiro, prenhe de sabedoria, afeto e alegria que o bom capoeirista, nos aproxima da elegância de um texto, que abriga categorias de análises e composições temáticas singulares.

A roda potência do espaço-tempo cósmico da capoeira, assume metaforicamente no contexto acadêmico-científico uma (re)criação original a qual o autor denominou de “epistemologia compreensiva” de onde brota horizontes de questionamentos, interrogações e proposições filosóficas sobre Comunicação que primam em estabelecer modos de expansão de  valores e linguagens que marcam profundamente a nossa formação social brasileira.

Nas “estratégias sensíveis”, o jogo cria a roda, a roda cria o jogo, o mundo dá volta, volta no mundo...E o que é a roda?

 

Não é nada, não é nada, a roda. Se o vazio ou o traço?Bom, do vazio Deus fez este mundão todo. Não é nada o traço? Mas a criatura só existe quando deixa marca, traça. Para mim, o traço, o vazio, a roda é tudo. Não é nada, não é nada, é tudo. Gosto, moço. Nela meu corpo é meu - parece que nele nem corre sangue, corre mel. Meu corpo, meu corpo/foi Deus quem me deu/na roda da capoeira/Rarrá!/grande e pequeno sou eu. Meu nome é Santugri, moço. Posso dizer que o nome está ligado a meu segredo. Muito mais não posso contar, nem se quissesse, porque eu mesmo não sei. Mas posso dizer, isto sim, que este meu nome foi causa de mudança.

Foi minha sorte moço, pois o som dessa palavra casava fácil com meu corpo, repercutia bem na roda. Santugri (...) faz parte de mim, queira ou não. Passarinho não canta por gosto, canta por obrigação. Eu jogo capoeira por cerimônia, por destino. É minha sina, minha sorte. Morrendo, moço, não quero ir pra lugar nenhum - a roda é meu paraíso.[8]

 

É no universo ético-estético  da roda, que transborda a regência da alegria, princípio seminal da arkhé africano-brasileira que irá singularizar essa obra!

 



[1] SODRÉ, Muniz. As Estratégias Sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2006, 230 p.

 

[2] Pesquisadora no campo da Educação, Comunicação e Comunalidade Africano-Brasileira.

[3] Entrevista a Mariluce Moura,Caderno Valor,4 de março de 2001,p.10

[4]SODRÉ, Muniz. O Solo de Origem. In: LUZ, Narcimária (ORG.) Pluralidade Cultural e Educação. Salvador: Secretaria da Educação do Estado da Bahia e Edições SECNEB. p.18-27.

 

[5] SODRÉ, Muniz. A Máquina de Narciso.Petrópolis: Vozes, 1984. p.17.

[6] Conto adaptado  SANTOS, Deoscoredes M.  et alii.  Ajaká, a Iniciação para a Liberdade. Salvador, SECNEB, 1991

[7] Os desenhos que ilustram o conto  são criações de Marcelo do Patrocínio Luz 08 anos.

[8] SODRÉ, Muniz. Santugri. Rio de Janeiro: José Olympio,1988. p.15