quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024
quarta-feira, 30 de agosto de 2023
segunda-feira, 21 de agosto de 2023
quinta-feira, 9 de março de 2023
UM TERREIRO NA HISTÓRIA
Por Gildeci Leite
O
livro Ile Asipa Um Terreiro na História de Marco Aurélio Luz,
traça uma trajetória incrível da vinda dos africanos ao Brasil e de
sua história tão pouco conhecida.
Mestre
Didi ao encontrar a família real a que pertencia em Oyo e Ketu, através do
brasão oral preservado por Mãe Senhora, nos traz um legado inestimável.
Todos
os grupamentos humanos têm sua história e seus valores civilizatórios preservados.
A comunidade preta, em função do processo desumano escravagista, foi alijada de
sua história e de seus valores básicos.
O
Ilê Asipá representa a manutenção de toda uma forma de ser e estar no mundo da comunidade
nagô, que recriou em nosso país a sua visão de mundo, sua fé, seus valores
ancestrais.
A história do Ilê Asipá e sua proposta de atuação revela toda a preocupação da sociedade iorubana com a preservação do território, com o cuidar das plantas, dos animais e das pessoas de uma forma ampla e irrestrita.
A
preocupação de Mestre Didi e seus ojés com a juventude preta e sua inserção no
mundo tecnológico que nos cerca é evidente, bem como a preservação do lazer, da
alegria de viver, da manutenção de sua fé e de suas famílias. A importância
dada à natureza e à criatividade se revela na arte apresentada e desenvolvida
por Mestre Didi.
A
demonstração de como se pode manter a tradição de um grupo sem perder a
perspectiva da sociedade como um todo fica muito clara neste trabalho. Ao
receber o título de Doutor Honoris Causa da UFBA, e ao criar instituições como
o INTECAB, ou participar dos Congressos Mundiais da Tradição dos Orixás e
Cultura, Mestre Didi nos provou sua importância na construção de uma sociedade
que valorize a religiosidade, a cultura e a arte, acumulando pessoas e não
bens.
A
consolidação da herança civilizatória real africana existente em nosso país, o
conhecimento da língua, história e tradições provenientes desde o antigo
império yoruba/nagô caracteriza o ilê axé.
A
afirmação do pensar nagô de acordo com Muniz Sodré, o autor nos mostra como somos naturalmente diversos,
pois temos diferentes orixás e ancestrais, mas tal variação é absolutamente
normal e necessária para a evolução dos indivíduos.
Atender
ao pensamento da alteridade, negando o pensamento europeu
de verdade única, situando as diferentes famílias dos ojés, já que somos
naturalmente diferentes uns dos outros é o constitui e caracteriza o egbe a
comunidade consagrada.
Situar
os espaços de axé, a arte sacra negra, o canto, sem esquecer as
experiências educacionais, fechando com as Conferências Mundiais das Tradições
dos orixás e com o Intecab Instituto da Tradição e Cultura Afro-brasileira, o
Alapini Mestre Didi Asipa nos mostrou uma atuação incrível tanto da porteira
para dentro, como da porteira para fora.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023
domingo, 8 de janeiro de 2023
sexta-feira, 23 de dezembro de 2022
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
sexta-feira, 7 de outubro de 2022
quarta-feira, 1 de junho de 2022
terça-feira, 1 de março de 2022
domingo, 6 de fevereiro de 2022
quinta-feira, 6 de janeiro de 2022
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
A MAGNÍFICA SISTER ROSETTA
Por Marco Aurélio Luz
Arkansas
1915 nascia Rosetta filha de Katie Bell Nubin que a acompanharia pelo resto da
vida. Trabalhando
na colheita de algodão e participando da igreja evangélica Katie Bell cantava gospel e tocava bandolim atraindo
fiéis para o culto.
Quando
Rosetta tinha seis anos ela imigrou para o norte como muitos da população
negra. Se
estabeleceu em Chicago e acompanhando a mãe ela começou a se apresentar
cantando gospel e tocando piano e outros instrumentos. Logo seu talento se fez
notar e Rosetta se tornou a principal atração na igreja.
Com
mais idade ela se dirigiu a noite musical de Chicago e se familiarizou com
diversos estilos da música negra. Blues do Mississipi, Jazz de Nova Orleans,
música cubana, formavam um conjunto de gêneros que designava o rythm and blues
e ainda gospel e música country que ela conhecia alimentando seu talento e
criatividade.
Se destacava pela beleza de sua voz e o uso da guitarra elétrica um conjunto de inimitável força interpretativa pelo uso da síncopa e dos sons distorcidos e dissonantes.
Suas
atuações atraíram também a indústria cultural do show business e ela sem muita
experiência, assinou contrato de apresentações e gravou disco de expressão
secular gerando críticas dos admiradores do gospel espiritualizado.
Ela
porém nunca abandonou sua fé e transitava entre esses mundos e sempre admirada
e amada.
Passado
esses compromissos contratuais ela organizou suas próprias apresentações com
grupos musicais como As Rosettes viajando pelo país. Ela adquiriu um ônibus e fez
adaptações colocando camas no fundo para contornar as restrições de hotéis
impostas aos negros pelo apartheid.
Cada
vez mais admirada e amada por seu talento, beleza, alegria ela encantava a
todos.
Conheceu
Marie Knight e com ela fez uma dupla que se completavam e harmonizavam. A
performance delas foi de muito sucesso. A dupla se desfez e ela
continuou seu caminho de memoráveis apresentações.
Músicos
brancos de Memphis e arredores que procuravam assistir aos cultos evangélicos
no fundo das igrejas foram fortemente influenciados pela música negra e viram
em Sister Rosetta a “Mãe do Rock and Roll” e com Elvis Presley começaram a
divulgar esse gênero e tomar conta do espaço musical.
Além
de Rosetta, BB King, Chuky Berry, Litle Richard, e outros que estavam
estabelecidos com seus talentos foram esmaecidos da cena musical pela presença
dos roqueiros brancos na indústria cultural.
Rosetta perdeu esse espaço mas foi convidada por um músico de jazz da Inglaterra Chris Barber eu admirador a ir para lá fazer uma série de apresentações.
Ela
fez enorme sucesso que está registrado no espetáculo para televisão inglesa que
fez em 1964 numa estação de trem desativada em Manchester para uma plateia de
estudantes.
Sua
mãe, Katie Bell que sempre esteve ao seu lado partiu dessa vida e Rosetta ficou
profundamente abalada e a partir daí não mais seria a mesma.
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
segunda-feira, 20 de setembro de 2021
sexta-feira, 2 de julho de 2021
quarta-feira, 26 de maio de 2021
sexta-feira, 14 de maio de 2021
Ê
VOLTA NO MUNDO CAMARÁ,
Ê Ê MUNDO DA VOLTA CAMARÁ...
UM
ENSAIO SOBRE A REGÊNCIA DA ALEGRIA[1]
Por Narcimária
Correia do Patrocínio Luz[2]
Resumo: É um ensaio filosófico dedicado aos
principais aspectos abordados no livro “Estratégias Sensíveis: afeto, mídia
e política”, de autoria de Muniz Sodré. Através da epistemologia
compreensiva aplicada ao universo da Comunicação, o ensaio aborda de um lado, a
dinâmica das sociedades urbano-industriais sobredeterminada pela
estetização imanente da bios-virtual; de outro, uma das principais
categorias filosóficas nacionais, a radicalidade da
alegria, desdobramento da arkhé africano-brasileira que marca os
modos de sociabilidade que sustentam a formação social brasileira.
Palavras-chave: Arkhé,
comunalidade africano-brasileira, Comunicação, bios-virtual, alegria,
Contemporaneidade.
Abstract: This is a philosophical
essay related to the main aspects discussed in the book “Sensible Strategies: affection,
media, politics”, written by Muniz Sodré. Through the comprehensible
epistemology applied to the universe of Communication, it is discussed about,
on one hand, the dynamics of urban-industrial societies overdetermined by the immanent
esthetization of bios-virtual; on the other hand, one of the main national philosophical categories,
the radicality of joy, spread from the African-Brazilian arkhé, marking the ways of sociability that maintain
the Brazilian social formation.
Key words: Arkhé, African-Brazilian comunality, Communication, bios-virtual, joy,
Contemporaneity.
INTRODUÇÃO
Trata-se de um livro que apresenta
um pensamento original, que recusa o lugar comum, equivocado, o óbvio ou mesmo
tautologismos que fixam metanarrativas sobre a existência, devorando a ousadia
das elaborações mais profundas do conhecimento vinculado às comunalidades que expressam
a dinâmica social brasileira.
Sobre isso, Muniz Sodré certa vez comentou:
(...) Mas o que é filosofia no Brasil? Certo,
eu também estudo Heidegger, Hegel, Platão, adoro esses caras ,mas acho que se
você ler realmente os grandes filósofos, independente da academia,você constata
que eles estavam preocupados com a cidade deles, digamos assim.Acho que você só
pensa originalmente quando o faz radicalmente, a partir de suas raízes, o que a
academia no Brasil não ousa fazer[3]
É dessa sua ligação profunda com sua
territorialidade, seu solo de origem que Muniz nos aproxima das “Estratégias
Sensíveis”, onde explora uma densa abordagem filosófica, capaz de estabelecer como
propõe o autor, uma “epistemologia compreensiva” própria para o universo
comunicacional e dele, compreender os modos de sociabilidade que atravessam o
nosso tempo.
“Estratégias Sensíveis” é um título
emblemático, desdobramento das infinitas linguagens e vivências acumuladas por um bom capoeira, discípulo de Mestre
Bimba, que logo cedo percebeu que Muniz tinha
talento e “ginga” para lidar com as
línguas estrangeiras dando-lhe o
nome de “Americano”.
É gingando nos interstícios e
fissuras da Razão de Estado, superando as tensões e conflitos característicos da
panacéia e utopias ciberculturais, que Muniz realiza uma travessia
empírico-reflexiva fascinante, onde intercambia o clássico pensamento grego, a
vida virtual com a complexidade de linguagens que a constitui, e o universo
simbólico próprio da cosmovisão africano-brasileira. Essa travessia ou “manha”
, como quer o vocabulário da capoeira, é que irá imprimir um pensamento
filosófico singular, aplicado à Comunicação.
Aqui a metáfora: “ê mundo dá volta câmara, ê volta no mundo
camará” é apropriada porque em todo texto Muniz vai nos lembrando dos ciclos do tempo, que marcam a ontológica diversidade humana e
neles as utopias da modernidade e a sua pretensa idéia de controlar o destinos,
a vida e a morte.
Origem quanto o destino fossem afastados da visão moderna;
a primeira foi reduzida a datas históricas, o outro a um plano econômico. A
ritualização desapareceu. Continuamente nos preocupamos com a nossa origem e
com o nosso destino, só que esta preocupação permaneceu a nível individual.
Isto explica a força da psicanálise a partir do século XIX. A psicanálise não
fala de outra coisa senão disto. Assim, tudo o que se refere à origem e ao
destino entrou para os subterrâneos da racionalidade... O mistério é aquilo que
se silencia: O Ocidente deve calar-se a respeito do mistério da origem e do
destino porque a racionalidade histórica não lhe permite que fale a respeito
(...) [4]
Assim como gingando na capoeira, apelando
para a linguagem da roda e o jogo que ela anuncia, repertórios viscerais na
vida do autor, o exercício de pensar o campo semântico das “estratégias”, tônus do livro, também vai estar
impregnado da “ginga” teórico-metodológica necessária para a abordagem dessa
categoria de análise.
A DINÂMICA DO JOGO
As estratégias caracterizam
fundamentos profundos de jogos e vão ser interpretadas como uma arte que
envolve astúcia, criatividade, improvisos, sensibilidade, afeto, mas também um
planejamento ardiloso do início ao fim da ação, sem se tornar refém dos
detalhes (tática) que o cercam, como bem observa o autor.
Então, a dinâmica discursiva que estrutura o
jogo da comunicação não se reduz a “racionalidade lingüística” nem tão pouco as
“lógicas argumentativas da comunicação”, mas a radicalidade das “estratégias
sensíveis”, que apelam para a infinitude de combinações de linguagens que agem:
(...)
afetivamente em comunhão, sem medida
racional, mas com abertura criativa com o outro, estratégia é o modo de decisão
de uma singularidade. Muito antes de se inscrever numa teoria a dimensão do
sensível implica uma estratégia de aproximação das diferenças-decorrente de um
ajustamento afetivo, somático, entre partes diferentes num processo, fadada à
constituição de um saber que, mesmo sendo inteligível, nada deve à
racionalidade crítico-instrumental do conceito ou às figurações abstratas do
pensamento. (p.10)
É certamente difícil para nós, acostumados
a Razão universal que funda a História e Geografia civilizatória do ocidente, acolhermos
referências comunicacionais que transcendam as fronteiras entre logos/Razão e pathos/paixão. Na verdade, essas fronteiras constituem dicotomias
que institucionalizaram campos semânticos perversos, a exemplo das
classificações que sobredeterminaram o destino de muitos povos considerados
“pagãos”, “primitivos”, “selvagens”, “não humanos”... “Nessa dicotomia, a dimensão sensível é sistematicamente isolada para
dar lugar à pura lógica calculante e à total dependência do conhecimento frente
ao capital” (p.12)
Exemplos como esse talvez nos levem
a pensar numa nova “Cidade humana” como se refere Muniz, que identifica no
âmbito de novas tecnologias do social, modos de sociabilidade envolvendo os
planos intelectual, territoriais e afetivos que rompem com a oposição logos e pathos.
Ora, há infindáveis horizontes de
tecnologias envolvendo informação, comunicação, imagem que transgridem o acervo
clássico do conhecimento institucionalizado pelo poder de Estado, estabelecendo
de modo radical outra possibilidade cognitiva. Mas como isso é possível?
Vejamos então como esses horizontes
de tecnologias soam para Muniz:
(...) A
afetação radical da experiência pela tecnologia faz-nos viver plenamente além
da era em que prevalecia o pensamento conceitual, dedutivo e sequencial,sem que
ainda tenhamos conseguido elaborar uma práxis(conceito e prática) coerente com
esse espírito do tempo marcado pela imagem e pelo sensível,em que emergem novas
configurações humanas da força produtiva e novas possibilidades de organização
dos meios de produção.(p.12)
Muniz alerta sobre a aproximação progressiva
entre a vida e a tecnologia. Na base desse universo comunicacional está
anunciada uma bios-virtual, isto é,
uma vida virtual que impõe “outra cultura”, alicerçada na globalidade
tecnoeconômica, que através da dimensão da imagem, do afeto e do sensível, produz
sujeitos de mercado adaptáveis à formação do “capital humano”.
O UNIVERSO IMANENTE: O BIOS-MIDIÁTICO
A perspectiva que nos intriga na
ambiência comunicacional: a bios-virtual
condensa o espaço-tempo à técnica que estrutura a vida social submetida a
territórios imateriais, simulacros da existência em sintonia com o mercado o
novo capital.O impacto é a institucionalização de uma: “comunidade afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos
digitais e imagens se convertem em prática social.” (p.99)
As sociedades contemporâneas
sobredeterminadas pelo bios-midiático e a efervescência dos seus territórios
imateriais desdobramento das tecnologias da informação, recebem os sopros de um
universo comunicacional stricto sensu
“indicial”.
Sobre ele há superposições de índices,
signos, (imagem), dígitos, símbolos(sistema lingüísticos) relacionados a formas
de transmissão de saberes e informações que caracterizam uma nova interação
humana com o mundo ou os mundos que se apresentam.
O desafio, ou a grande questão que
se impõe a essas formas culturais vinculadas a “circulação indicial” como quer
Muniz, é que:
(...) o índice configura-se como o signo
mais adequado a um novo tipo de relação social carente de dimensões de
profundidade semântica ou de valores éticos ordenados, em que predomina,no
lugar da clássica’interioridade’ psíquica ou do sujeito definido por um ponto
de vista estratégico,a pura contiguidade relacional das redes midiáticas ou
cibernétic.(p.109)
Como recurso metodológico o autor
apresenta dois mitos fundadores da civilização ocidental para que entendamos a nova
linguagem comunicacional contemporânea, onde o sentido da visão continua em
cena, mas a tatilidade assume importância. Ambas intercambiam-se introduzindo
um novo campo de sensibilidade.
Narciso filho do Deus
Cefiso e da ninfa Liríope recebeu a advertência do advinho Tirésias, que
viveria melhor se não se olhasse. Quando se tornou adulto, Narciso ficou
belíssimo, o que atraía a atenção e desejo de muitas moças e ninfas. Mas
Narciso mantém-se sempre insensível ao amor, o que provoca a ira das mulheres
que pedem vingança a Nêmeses. Um dia
Narciso inclina-se numa fonte para beber água, e vendo o seu rosto refletido
fica enamorado. Desse dia em diante, ele passa a ficar indiferente ao mundo e
constantemente passa a admirar a sua própria imagem até morrer.
O mito de Narciso mostra
o quanto ele é indiferente à sociabilidade, à troca com o outro,
à doação recíproca. Ele não aceita o outro corpo, o corpo da ninfa, e
entrega-se à troca com sua própria imagem, e é punido por denegar a presença do
outro e ter uma atração absoluta por si próprio. Narciso mata a verdade de si
mesmo e morre em sua própria imagem.
Muniz chama atenção no
mito que “... a deriva descontrolada das
imagens leva à morte do humano, identificado com a mediação simbólica” (p.111)
Aqui
o mito de Édipo, também nos faz refletir, isto porque, demonstra o quanto à
onipotência da bios-midiátrica lineariza, estabelece taxionomias, simulacros,
que satura todos os espaços que cria A história de Édipo é interessante, pois
marca:
(...) o poder
do Ocidente exatamente porque expõe a pretensão de um olhar universal.
Édipo-Rei é uma tragédia da visão-ele pode ver tudo, mas não se vê. Ao
cegar-se, no final, interiorizando a sua visão, ele ainda está na pretensão de
tudo ver, mesmo na escuridão. É essa onipotência edipiana que estrutura o mundo
Ocidental que arma o olho funcionalizando-o em termos eficazes, de todos os
recursos possíveis, para se investir da veleidade de um poder de visão
universal.[5]
Portanto, a cegueira é capaz de
desenvolver outras sensibilidades que promovem experiências de aprendizagens
especiais, pois se “vê mais” através das sensações táteis, olfativas, auditivas
e gestuais, todas intercambiáveis que (re)orientando de modo radical as práticas
sociais.
Daí emergir:
(...)
a sensorialidade do indivíduo, capturada
pelas exigências técnicas do controle cibernético, para que aprenda índices
(setas, figuras, palavras) necessários à construção de uma espécie de
cartografia de trânsito (ou ‘navegação’) na rede... Tateia-se nos intinerários sonoros, visuais e
textuais em busca dos índices de conexão ou elos (links). McLuhan tinha plena
razão, não fez mero jogo de palavras, quando se referiu a ‘massagem’, e não a
mensagem, como efeito característico da mídia eletrônica.(p.115)
E mais:
(...)
No hipertexto ou hipermídia, onde se
hibridizam recursos diferenciados como arquivos sonoros, textos, videoclipes, fotos,
etc., o usuário trafega em complexos ambientes dinâmicos, espreitado pela
possibilidade estésica e manifestadamente narcísica da vertigem, como bem
assinala Machado; ‘o navegante’ está sempre a um passo da vertigem, permanentemente
arriscado a se perder no mar de textos. (p.115)
Eis,
então a proposição do autor de uma epistemologia compreensiva, que sai
da ordem do discurso linear-sequencial e irrompe uma análise comunicacional à
deriva do repertório de informação que inauguram “novos cenários urbanos de
comunicação”, ao qual chama de “sensorium
novo” potencialmente vinculado aos modos de sociabilidade que envolvem os
jovens que vivem os valores do mercado transnacional contemporâneo.
Neste panorama, faz sentido a
importância da epistemologia compreensiva para a Comunicação, principalmente
considerando que:
(...)
as tradicionais ciências sociais e
humanas sempre procuraram inscrever positivamente o fato (social, histórico, individual)
numa ordem de causalidade capaz de levar a uma apreensão objetiva da realidade
por meio da interpretação adequada. O desafio epistemológico e metodológico da
Comunicação enquanto práxis social, entretanto, é suscitar uma compreensão, isto
é, um conhecimento e ao mesmo tempo uma aplicação do que se conhece, na medida
em que os sujeitos implicados no discurso orientam-se, nas situações concretas
da vida, pelo sentido comunicativo obtido. (p.15)
Ao sabor dessa epistemologia compreensiva,
o autor nos aproxima de insondáveis perspectivas que envolvem, por exemplo: os ciclos
do tempo, que marcam a ontológica diversidade humana, e neles, as utopias da
modernidade e sua a pretensa idéia de controlar os destinos, a vida e a morte;
a análise no interior das novas tecnologias que representam as dinâmicas de
sociabilidade contemporâneas, e no interior delas a predominância da dimensão
do afeto e do sensorialismo.
Outro aspecto relevante no livro é
o esmaecimento da Razão técnico-instrumental característica do pensamento
clássico do Ocidente face a emergência intermitente da estética e da imagem
(código fundamental das redes midiáticas) na
constituição do bios-midiático.
Muniz alerta sobre a aproximação
progressiva entre a vida e a tecnologia. Na base desse universo comunicacional,
está anunciada uma bios-virtual, isto
é, uma vida virtual que impõe “outra cultura”, alicerçada na globalidade
tecnoeconômica, que através da dimensão da imagem, do afeto e do sensível, produz
sujeitos de mercado adaptáveis à formação do “capital humano”.
O mais intrigante: a bios-virtual condensa o espaço-tempo à
técnica que estrutura a vida social submetida a territórios imateriais, simulacros
da existência em sintonia com o mercado o novo capital. O impacto é a
institucionalização de uma: “comunidade
afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se
convertem em prática social.” (p.99)
Uma valiosa abordagem também
acontece sobre política como expressão do poder de Estado, que durante muito
tempo foi o eixo central da vida social (final do século XIX e primeiras
décadas do século XX) hoje saturada, mais insiste em existir através do apelo a
estética produzida pela bios-virtual
do marketing e da mídia responsáveis por produzir a “democracia cosmética” que
sustenta o regime das aparências.
A TRANSCENDÊNCIA NA ALEGRIA
Finalmente a alegria como categoria
filosófica primordial cuja radicalidade da análise, carrega muita emoção, principalmente
por conter no seu âmago o pensamento original ligado ao nosso solo de origem,
de modo especial a nossa arkhé
civilizatória africano-brasileira.
Na regência da alegria, a imanência
tão característica da bios-virtual e
toda a sua extensão tecnoeconômica e racionalidade sígnica que tende a
banalizar a morte, a origem e o destino, vai ser engolida pela transcendência
que celebra a vida, os ciclos dos destinos, a dimensão ontológica da
diversidade humana marcada pela angustiante procura
da compreensão sobre o estar no mundo, no universo, a compreensão do processo
dinâmico da existência.
De toda a travessia ou “ginga”
realizada por Muniz no livro, a culminância está na “regência da alegria”. Na
regência da alegria a imanência tão característica da bios-virtual toda a sua extensão tecnoeconômica e racionalidade
sígnica que tende a banalizar a morte, a origem e o destino, vai ser engolida
pela transcendência que celebra a vida, os ciclos dos destinos, a dimensão
ontológica da diversidade humana marcada pela angustiante procura da
compreensão sobre o estar no mundo, no universo, a compreensão do processo
dinâmico da existência.
As relações simbólicas que
constituem a alegria das comunalidades milenares, como a africana, é toda
carregada de arkhé, princípios
inaugurais, origem, começo, continuum,
dinâmicas de criação-recriação, transcendências que orientam o devir-futuro,
estabelecendo a relação visceral entre tradição e contemporaneidade.
Nos
dedicaremos agora a realçar alguns
elementos dramáticos que nos permitem a aproximação da singular visão de mundo que faz expandir a
complexidade da civilização milenar africana.
Trata-se do conto “Ajaká
Iniciação para a Liberdade”[6],
que integra a herança nagô nas Américas , de modo particular na Bahia. Esse mito
foi (re)criado para um auto-coreográfico por Mestre Didi,Deoscoredes
Maximiliano dos Santos, Juana Elbein dos Santos e Orlando Senna.
Esse auto-coreográfico vem
alimentando nossas iniciativas teórico-metodológicas envolvendo professores de
várias regiões do Brasil para falar
sobre a presença africana e a contribuição de suas linguagens na área de Educação .
Aqui
apresentamos uma adaptação cuidadosa e exclusiva do conto Ajaká[7] para compor esse mosaico de idéias sobre a alegria
de sua transcendência.
Vamos
então conversando e tocando no que há de mais pronfundo no conto,a
saber: os percalços pelos quais Akajá passa,que são explorados entrelaçando
dança, música, texto, efeitos plásticos uma linguagem assentada no universo
simbólico nagô. A
floresta é o cenário-chave do conto e nela crescem com maestria conteúdos
ético-estéticos que revelam as Mães Ancestrais representadas como o pássaro
Akalá; Aroni o orixá das folhas que se torna irmão de Ajaká e seu guia; os
espíritos da água e da palmeira; os ancestrais masculinos Egunguns.
Escutem com o coração e
procurem extrair das imagens que alimentam a narrativa, linguagens.
No tempo em que os seres humanos moravam nas árvores e
conversavam com elas...
É assim que os/as mais antigos/as costumam transmitir saberes
aos/às mais novos/as nas comunidades de matriz africana.
Cada história,conto,cantigas,parábolas,provérbios,são anunciados
com essa introdução carregada de poesia mítica,demosntrando que o conhecimento a ser transmitido vem de
tempos imemoriais,isto é,desde que o mundo é mundo.
Bem nesse
tempo ,os mais antigos nos contam que Oduduwa
orixá patrono da criação da Terra , vivia em seu palácio na cidade de Ifé na Nigéria de
onde se origina a cultura nagô e as linhagens reais dos diversos reinos do império
nagô.
Oduduwa ficou
muito doente e se não fosse logo cuidado poderia ficar cego.Ah!Se isso acontecesse a existência estaria toda em perigo!O ânimo de todo o povo de Ifé
era esperança de encontrar a Folha da
Vida, único remédio, planta sagrada que representa descendência, renovação, cuja seiva
permitirá que o Rei Oduduwa recuperasse a visão e a força da vida.
Mas não é fácil encontrar a folha da vida!A
hierarquia do palácio convoca os
caçadores experientes,que conhecem bem as matas e florestas, mas
infelizmente eles não conseguem encontrar a folha da vida.
Se abate por
toda Ifé muita angústia e tristeza,pela situação da saúde Oduduwa,que a cada
dia se agrava.O Babalawô que é um sacerdote iniciado nos mistérios oraculares,
e capaz de indagar sobre o futuro, sabe que a folha da vida é a única solução,e diante da situação
abre seu coração e indaga:
“Quem pode
encontrar? Quem sabe reconhecer uma coisa em outra? Quem sabe advinhar o que
não se vê e não se toca? Quem pode
sentir o impossível? Quem?”
Diante dessas
indagações apresenta-se o jovem Ajaká, o primogênito, o primeiro neto do rei
Oduduwa.Sabe aquele adolescente,cheio de si e destemido?Pois é!Ajaká é assim, e
se oferece confiante para ajudar Oduduwa, e com isso, assegurar a continuidade
e dinâmica da tanscendência que envolve o mistério da existência na Terra .
Ajaká é capaz
de dar continuidade, expandir e recriar os valores inaugurais legado dos
ancestrais. Ele é uma representação mítica do orixá Ogum que é desbravador,
caçador, e conhecedor profundo da floresta.
Será imerso a esse mundo sobrenatural e de mistério, que Ajaká faz a sua iniciação da adolescência para se tornar um adulto.Durante esse período de busca pela folha da vida, absorve conhecimentos ancestrais infinitos contidos principalmente na floresta.
No seu
encontro no coração da floresta com a Iya mi Agbá a mãe ancestral ela lhe
orienta dizendo-lhe que:
“...terá de
aprender em seu próprio corpo. Com a cabeça, com as mãos, com os pés e o
coração. Ori, Okan, ese, e òwo. Com o estômago,
com as vísceras, com a saliva, o esperma e o sangue, com a pele e o pensamento.
A Folha da Vida está em alguma parte, em qualquer lugar no mais profundo
recanto da floresta, na zona mais difícil e oculta.”
Depois de
beber o vinho da palmeira, Ajaká torna-se irmão de Aroni o orixá das folhas,
que também lhe orienta: “Você pode aprender os mistérios das folhas, das
raízes, das flores e dos frutos, os mistérios que eu sei, os mistérios que eu
sou. Você, meu irmão, pode aprender a multiplicar, você pode aprender a
eternidade... As plantas podem curar, proteger e revelar uma nova sabedoria, um
conhecimento infinito.”
Em Aroni,
Ajaká identifica o saber sobre as plantas, a medicina, o segredo da luz que
abraça cada semente, grãos, pétalas, fibra vegetal. Mas Ajaká descobre que todo
o conhecimento que Aroni detém de reconhecer esse repertório sobre a flora, não abrange a folha
da vida e nem mesmo sabe onde ela está.
Mais uma vez
Aroni ensina a Ajaká que os mistérios da vida não estão apenas nas plantas, ele
terá que aprender muito em seu próprio corpo.
“Os mistérios
da vida estão em outros pontos da natureza, como em certas partes animais. Para
sabê-los você terá de aprender a transformar-se
Assim, Ajaká
invoca outra vez a mãe ancestral Akalá, e diz a ela da necessidade de conhecer
o corpo dos bichos. Akalá lhe previne de que ele poderá ou não saber, e
pede-lhe que imagine a estranha mas maravilhosa inteligência do macaco que é o
guardião da ancestralidade, o que fala com os mortos. E como a Folha da Vida
encontra-se muito longe de onde eles estavam, Akalá recomendou-lhe:
“Você precisa
da força do búfalo, da ferocidade e da agilidade da pantera; e da serpente, que
lhe dirá como é possível renascer, renascer, renascer... Você será se souber a
mágica multicor do camaleão... O macaco fala com os mortos, os que sabem; Egun,
Egun, Egun. O corpo do macaco é feito de
dor, dor, dor...”
E lá se vai
Ajaká. Transformou-se dolorosamente em macaco, e agora é capaz de encontrar
Egunguns os espíritos ancestrais.
Ajaká sabe que
a Folha da Vida se encontra no ponto mais secreto da parte desconhecida da
floresta, a região mais escura e úmida, a mais sagrada, protegida pelos
espíritos que impedem a passagem. E pergunta aos Eguns como penetrar nessa
região.
Os Eguns
acolhem a pergunta de Ajaká.De repente um forte ciclone, o leva para os
recônditos da floresta. Assim Ajaká se aproxima da folha da vida, que fica quietinha,escondidinha observando a
aproximação de Ajaká. Diante do silêncio da folha da vida que não se revela
imediatamente ,Ajaká canta para ela :
“Ewê ê asa kojé
ewê gbogbo ni segun
ewê ê asá kojé tantan
ewê gbogbo ni ti tôrisá!
Folha da Vida !”
A folha da
vida revelando-se responde:
“Encontre-me,
ofereço-me àquele que pode levar a vida aos olhos do Rei. Só um descendente
indicado pelo ixé, demonstrando bravura, persistência, sabedoria e imensurável
amor pelos ancestrais, sabe utilizar e honrar o que lhe é dado. Sou a cura, a descendência e a renovação, sou
o que não pode ser encontrado senão por aquele
que venceu todos os sofrimentos e dissolveu os obstáculos, grande
aprendiz, grande iniciado !”
E assim Ajaká
retorna ao palácio de Oduduwa para devolver a visão e a existência ao orixá
patrono da Terra.
Ajaká retorna
um homem depois de todo processo de iniciação vivido na floresta. É um Ser em
permanente mutação.
“... Forte como um búfalo, veloz como a pantera,
leve como um pássaro, com os sentidos de camaleão, o instinto do peixe, mais
sábio que o macaco e senhor do segredo que se instala em cada planta, em cada
semente.”
Por esse amor e fidelidade ao
ancestral Ajaká recebe a espada Agadá que lhe dá o poder de desbravamento e
recebe o título de Awasoju o que vai à frente de tudo e de todos.
O mito de Ajaká que adaptamos para
os propósitos desta Série, nos leva a destacar valores singulares da civilização africana. Princípios como a
fidelidade, amor, o respeito aos mais velhos, os ancestrais, a hierarquia,
valores inaugurais da existência estão presentes no mito.
Todo o conhecimento, a aquisição de
saberes e/ou aprendizagem é interdinâmico, interpessoal, é necessário a
presença do outro para que se estabeleça a linguagem, a comunicação com sua
riqueza de códigos e formas de expressão. É um conhecimento vivo e direto.
Ajaká é extensão da floresta, da
natureza e seus mistérios. Todas as outras formas de existência presentes no aiyê,mundo visível. Mas Ajaká também interage com o mundo
invisível o orun, o que permite a
completude da sua iniciação. Ajaká sabe
e compreende que a Natureza não pode ser reduzida a objeto e a manipulação
exploração incessante do homem. Ele aprende na e com a natureza. A natureza não
é matéria-prima para manufatura submetida a “ordem e progresso”do mercado
capitalista.
A riqueza do conhecimento adquirido
por Ajaká na trajetória de sua iniciação, transcende o comportamento ascético e
inerte do corpo onde apenas a relação olho-cérebro é permitida, como enfatiza
os currículos escolares. Apela-se para todos os sentidos do corpo. O corpo é
movimento, pulsão, vida! A aprendizagem é permitida por essa interação profunda
e singular entre a humanidade e a natureza.
Ajaká não se caracteriza como um
desbravador ganancioso, da “conquista” dos segredos e mistérios da Natureza
submetendo-a aos seus caprichos.
Seu objetivo não é ascensão
individual.Ajaká busca de forma exuberante a continuidade da vida, da
existência do seu contínuo civilizatório e
comunalidade,da preservação e expansão dos princípios originais da
existência para que esse mundo não se acabe.
Como Awasoju, aquele que vai na
frente de tudo e de todos, Ajaká abre caminhos permitindo aos seus descendentes
o legado dos seus ancestrais, da dinamização dos princípios cósmicos da existência
a pulsão de sociabilidade e
comunalidade.
A folha da vida como
motivação iniciática de Ajaká , representa metaforicamente a África Viva
contemporânea em cada um de nós.
Retomemos uma passagem do mito em que o Babalawô diante da situação diz e
indaga:
A Folha da Vida é a única
solução. Quem pode
encontrar? Quem pode reconhecer uma coisa em outra? Quem sabe advinhar o que
não se vê e não se toca? Quem pode sentir o impossível ?
Ajaká se atualiza e vive
intensamente no coração daqueles das comunalidades africano-brasileiras
imantadas pela pulsão de um repertório iniciático de aprendizagem e elaboração
de conhecimento, cuja dinâmica é envolta pela busca da folha da vida,que
metaforicamente usamos aqui para
representar a alegria
transcendência e a infinitude das (re)criações de linguagens e
valores contemporâneos que anunciam para
e inauguram todos os dias a nossa floresta simbólica para que os descendentes
de africanos expandam a sua existência.
Nas comunalidades tradicionais da
Bahia nossas crianças aprendem, elaboram conhecimentos e expressam esses
universos característicos do pensamento africano e suas atualizações nas
Américas através da vivência e convivência com orikis, contos, instrumentos percurssivos cujos toques
falam/comunicam relatam histórias que anunciam os primórdios da humanidade
indicando princípios ético-estéticos para que o corpo comunitário se expanda e
dê continuidade aos elos de ancestralidade que projetam e anunciam a ALEGRIA
TRANSCENDENTE.
Através desse vínculo com sua arkhé, as comunalidades africano-brasileiras expressam o discurso sobre a experiência do sagrado e promovem o acesso a um complexo sistema simbólico que influencia profundamente a estruturação de sociabilidades, elaborações emocionais, transcendentais e primordiais à experiência humana com seu meio ético, social e cósmico.
É emblemática a regência da alegria
na poesia de Hermínio Belo de Carvalho e Paulinho da Viola sobre a pulsão de
sociabilidade que caracteriza o viver cotidiano na Mangueira:
A vida não é só isso que se vê, é um pouco
mais... Que os olhos não conseguem perceber, e as mãos não ousam tocar, que os pés recusam pisar. Sei lá não sei, sei lá não sei não.
Não sei se toda beleza de que lhes falo sai tão-somente do meu coração. Em
Mangueira a poesia, num sobe e desce constante, anda descalço ensinando um modo
novo da gente viver, de cantar, de sonhar, de vencer.
Sei lá não sei, sei lá não sei não, a
Mangueira é tão grande que nem tem explicação.
Estamos diante de um universo
comunicacional, característico das comunalidades tradicionais vinculadas a arkhé, a ancestralidade, tudo é singular,
pois está embebido de mistério, do sagrado, da imponderabilidade que envolve vida
e morte, o infinito que no aqui e agora se descortina de modo intermitente.
Uma coisa Muniz observa com muita
pertinência sobre a bios-virtual e a
pretensa onipotência que a constitui: “na
cultura midiática, tecnologicamente produzida, dependente de causas e
finalidades comandadas pelo mercado, há sensação, emoção, vertigem e promessas
de felicidade-jamais alegria” (p.222)
É nesse solo de origem
eminentemente africano-brasileiro, prenhe de sabedoria, afeto e alegria que o
bom capoeirista, nos aproxima da elegância de um texto, que abriga categorias
de análises e composições temáticas singulares.
A roda potência do espaço-tempo
cósmico da capoeira, assume metaforicamente no contexto acadêmico-científico
uma (re)criação original a qual o autor denominou de “epistemologia
compreensiva” de onde brota horizontes de questionamentos, interrogações e
proposições filosóficas sobre Comunicação que primam em estabelecer modos de
expansão de valores e linguagens que
marcam profundamente a nossa formação social brasileira.
Nas “estratégias sensíveis”, o jogo
cria a roda, a roda cria o jogo, o mundo dá volta, volta no mundo...E o que é a
roda?
Não é nada, não é nada, a roda. Se o vazio ou o
traço?Bom, do vazio Deus fez este mundão todo. Não é nada o traço? Mas a
criatura só existe quando deixa marca, traça. Para mim, o traço, o vazio, a roda
é tudo. Não é nada, não é nada, é tudo. Gosto, moço. Nela meu corpo é meu - parece
que nele nem corre sangue, corre mel. Meu corpo, meu corpo/foi Deus quem me
deu/na roda da capoeira/Rarrá!/grande e pequeno sou eu. Meu nome é Santugri, moço.
Posso dizer que o nome está ligado a meu segredo. Muito mais não posso contar, nem
se quissesse, porque eu mesmo não sei. Mas posso dizer, isto sim, que este meu
nome foi causa de mudança.
Foi minha sorte moço, pois o som dessa palavra casava
fácil com meu corpo, repercutia bem na roda. Santugri (...) faz parte de mim, queira
ou não. Passarinho não canta por gosto, canta por obrigação. Eu jogo capoeira
por cerimônia, por destino. É minha sina, minha sorte. Morrendo, moço, não
quero ir pra lugar nenhum - a roda é meu paraíso.[8]
É
no universo ético-estético da roda, que
transborda a regência da alegria, princípio seminal da arkhé africano-brasileira que irá singularizar essa obra!
[1]
SODRÉ, Muniz.
As Estratégias Sensíveis: afeto, mídia e
política. Petrópolis: Vozes, 2006, 230 p.
[2] Pesquisadora no campo da Educação,
Comunicação e Comunalidade Africano-Brasileira.
[3] Entrevista a Mariluce
Moura,Caderno Valor,4 de março de 2001,p.10
[4]SODRÉ, Muniz. O
Solo de Origem. In: LUZ, Narcimária (ORG.) Pluralidade
Cultural e Educação. Salvador: Secretaria da Educação do Estado da Bahia e
Edições SECNEB. p.18-27.
[5] SODRÉ, Muniz. A Máquina de Narciso.Petrópolis: Vozes,
1984. p.17.
[6]
Conto
adaptado SANTOS, Deoscoredes M. et alii.
Ajaká, a Iniciação para a Liberdade. Salvador, SECNEB, 1991
[7] Os desenhos que ilustram o
conto são criações de Marcelo do
Patrocínio Luz 08 anos.
[8] SODRÉ, Muniz. Santugri. Rio de Janeiro: José Olympio,1988. p.15