quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Indicação do Filme: BESOURO: Da Capoeira, Nasce um Herói

O Blog do Acra indica o filme: BESOURO: Da capoeira nasce, nasce um herói baseado na história do capoeirista baiano Manoel Henrique Pereira. O filme esteve na lista dos filmes brasileiros a serem indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o vencedor foi Salve Geral.

"Quando nasce Manoel Henrique Pereira, não havia nem dez anos que o Brasil tinha sido o último país do mundo a libertar seus escravos. Naqueles tempos pós-abolição nossos negros continuavam tão alijados da sociedade que muitos deles ainda se questionavam se a liberdade tinha sido, de fato, um bom negócio [...] 1897, ano em que Manoel Henrique Pereira, filho dos ex-escravos João Grosso e Maria Haifa, nasceu na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano.

Vinte anos depois, Manoel já era muito mais conhecido na cidade como Besouro Mangangá - ou Besouro Cordão de Ouro -, um jovem forte e corajoso, que não sabia ler nem escrever, mas que jogava capoeira como ninguém e não levava desaforo para casa. Como quase todos os negros de Santo Amaro na época, vivia em função das fazendas da região, trabalhando na roça de cana dos engenhos. Mas, ao contrário da maioria, ele não tinha medo dos patrões. E foram justamente os atritos com seus empregadores - e posteriormente com a polícia - que deixaram Besouro conhecido e começaram a escrever a sua imortalidade na cultura negra brasileira. Há poucos registros oficiais sobre sua trajetória, mas é de se supor que a postura pouco subserviente do capoeirista tenha sido interpretada pelas autoridades da época como uma verdadeira subversão. Não por acaso, constam nas histórias sobre ele episódios de brigas grandiosas com a polícia, nas quais ele sempre se saía melhor, mesmo quando enfrentava as balas de peito aberto. Relatos de fugas espetaculares, muitas vezes inexplicáveis, deram origem a seu principal apelido: Mangangá é uma denominação regional para um tipo de besouro que produz uma dolorosa ferroada. O capoeirista era, portanto, "aquele que batia e depois sumia". E sumia como? Voando, diziam as pessoas...

Histórias como essas, verdadeiras ou não, foram aos poucos construindo a fama de Besouro. Que se tornou um mito - e um símbolo da luta pelo reconhecimento da cultura negra no Brasil - nos anos que se sucederam à sua morte.

Morte que ocorreu, também, num episódio cercado de controvérsias. Sabe-se que ele foi esfaqueado, após uma briga com empregados de uma fazenda. Registros policiais de Santo Amaro indicam que ele foi vítima de uma emboscada preparada pelo filho de um fazendeiro, de quem era desafeto. Já a lenda reza que Besouro só morreu porque foi atingido por uma faca de ticum, madeira nobre e dura, tida no universo das religiões afro-brasileiras como a única capaz de matar um homem de "corpo fechado"."

Mais informações no site do filme: http://www.besouroofilme.com.br/

Assista ao trailer oficial do filme: http://www.youtube.com/watch?v=W2QgxB5xw-k

sábado, 26 de setembro de 2009

Atividades no ACRA: Capoeira, Orquestra de Ritmos e Sons, Dança Afro, Grafitagem e Inglês

CAPOEIRA

Um dos aspectos principais do trabalho com a capoeira é a conscientização de seu valor como patrimônio cultural nas comunalidades africano-brasileiras e pelo que representa enquanto resistência dos povos africanos e africano-brasileiros e como referência do bairro de Itapuã e da cidade de Salvador, Ba.

No período de 13 a 25 de julho de 2009, a Associação Crianças Raízes do Abaeté, recebeu a visita do seu idealizador, contra-Mestre Luis Negão, e alunos/as do grupo Capoeira Abolição Oxford, sediada na cidade de Oxford, Inglaterra. O intercâmbio ACRA/Brasil com a Inglaterra se estabeleceu há cinco anos envolvendo também crianças e jovens da África do Sul. Através desse intercâmbio as crianças e jovens do ACRA têm a oportunidade de interagir com outras culturas comunicando as linguagens da tradição da capoeira da Bahia. Em 2008 a ACRA com o Grupo Capoeira Abolição Oxford criou as condições para a ida do professor Rupi e o aluno Jair "Teimoso" para à Áfirca do Sul e de dois jovens da África do Sul compartilharem suas experiências da cultura da capoeira na Bahia. São momentos muito especiais no contexto dos ciclos de culminância dos semestres na ACRA. Jair, que viajou para a África, disse ter gostado muito da viagem e das pessoas, que são muito "amigáveis". Após esse intercâmbio ele afirmou ter começado a pensar mais no seu futuro e de se dedicar mais aos estudos. Destacou que através da capoeira ele aprendeu a ser mais disciplinado e a respeitar os mais velhos.

Ainda em 2009 a ACRA está criando as condições para que a aluna Joice "Abelha" e o aluno Jair realizem o intercâmbio com a Inglaterra.

Em entrevista realizada pela equipe PRODESE/DAYÓ Joice, cujo apelido na capoeira é "abelha" comentou: “no futuro eu quero... pretendo ser uma bela capoeira e quero ensinar pras crianças também capoeira... e da viajem que vai ter [...] pra Inglaterra [...] além de conhecer o país, né... vou jogar capoeira lá, conhecer outras tradições, outras pessoas, outros lugares”.

Durante a culminância do primeiro semestre de 2009 o contra-mestre Luís Negão estabeleceu várias atividades em parceria com o professor Rupi e os integrantes do Grupo de Capoeira Abolição Oxford. Na oportunidade foram apresentados alguns resultados das oficinas que constituem o cotidiano da ACRA, a saber:

ORQUESTRA DE RITMOS E SONS

A orquestra de ritmos e sons, sob a responsabilidade do professor Sidney Argolo, articula o saber musical africano que envolve os berimbaus, xequerês, tambores e outros instrumentos da composição musical a partir de elementos da cultura de raiz. O Professor Sidney desenvolve ações em que os alunos constroem seus próprios instrumentos, conhecem sua história e a maneira correta de retirar o material da natureza sem agredí-la.

O desenvolvimento da musicalidade está vinculado às canções de domínio público e outras canções que fazem referência à cultura africana, ao cotidiano dos pescadores, das lavadeiras, das ganhadeiras e mantém vivos os valores comunais característicos da territorialidade do bairro de Itapuã e da cidade de Salvador-Bahia-Brasil. E neste momento dedicam-se a criação da música e coreografia para a história "Itapua, a Canção do Infinito" de autoria da professora Narcimária C. P. Luz. Vale ressaltar que "Itapuã, a Canção do Infinito" vem sendo elaborada também com a equipe PRODESE/DAYÓ formada por Paula Grejianin, Rosângela Accioly, Jacqueline P. Amor Divino e Daniela Cidreira. "Itapuã, a Canção do Infinito" será apresentada de modo itinerante pelo bairro de Itapuã e a cidade de Salvador promovendo o reconhecimento dos valores e linguagens que constituem a história de Itapuã.


DANÇA AFRO-BRASILEIRA

A atividade de dança promovida pela educadora Eliana dos Santos também está apoiada na tradição africana com coreografias que abraçam a corporeidade rítmica com vivências de preparação lúdico-estética. Nesta mobilidade, estão intrínsecos os traços da civilização africana que advém das vivências acumuladas pelas tradições, por sua vez são transformadas em linguagens, que se expressam, se intercambiam, evidenciando os modos de sociabilidades africano-brasileiros.

A dança e a orquestra de ritmos e sons estão sempre em diálogo intenso e neste momento de criação da coreografia da história “Itapuã, a Canção do Infinito" as aulas estão sendo realizadas em conjunto.


INGLÊS

A opção pelo ensino da língua inglesa está vinculada a necessidade de inserção no mercado de trabalho dos jovens e ao potencial turístico característico de Itapuã e da cidade de Salvador.

O curso de inglês oferecido na ACRA se desenvolve de maneira diferenciada, associado aos valores comunais do bairro. Assim, a dinâmica do curso contempla uma perspectiva inovadora que é a de trabalhar com textos do contínuo civilizatório africano-brasileiro, como por exemplo, o trabalho desenvolvido a partir de livros africanos e do livro "Os Contos Crioulos da Bahia", de Mestre Didi, cujo trabalho em sua primeira edição já está escrito em três idiomas o yorubá, o português e o inglês. Aqui, o aprendizado da língua estrangeira assume uma função importante, pois toda base metodológica desenvolvida pelo professor Abílio procura afirmar o patrimônio cultural africano-brasileiro saindo das referências europocêntricas lugar comum nos cusrsos de inglês. Então aprender Inglês na ACRA é através do universo de Itapuã!

O Professor Abílio de Mendonça além de professor de inglês é pesquisador de História, Arte e Literatura Africana.


GRAFITAGEM

Outra linguagem acolhida na ACRA é a grafitagem, pois tem uma relação especial com as expressões de resistência cultural através de sua exposição pelas ruas, colocando em evidência nossa pluralidade cultural.

O Professor Tárcio Vascolcellos tem em sua história o exemplo da arte da grafitagem como alternativa aos jovens da periferia e assim, procura divulgá-la vinculada ao respeito ao patrimônio público e privado e como veículo para o resgate e valorização da história, da biodiversidade, da cultura e identidade local partindo do repertório que as crianças e os jovens conhecem para confeccionarem desenhos e gravuras da territorialidade do Abaeté.


sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Homenagem do Blog do Acra a Miriam Makeba

A ACRA tem a honra de apresentar para os visitantes do blog a extraordinária cantora e interprete sul africana Miriam Makeba, cuja obra valiosa e voz magnífica disseminou pelo mundo através de muitas gerações, mensagens exigindo o direito a alteridade civilizatória africana e incentivando campanhas contra o apartheid e todas as políticas racistas que infelizmente ainda persistem pelo mundo.

Aqui as interpretações de Miriam Makeba soam como uma homenagem singela que fazemos as crianças e jovens da África do Sul vinculados as comunidades com as quais a ACRA vem intercambiando através do Grupo Capoeira Abolição Oxford que nesse continente reconhecido como “berço da humanidade” vem assumindo iniciativas socioeducativas de suma importância.

Miriam Makeba faleceu em 10 de novembro de 2008 em pleno palco onde iria apresentar-se no contexto de um concerto dentro da perspectiva da afirmação dos direitos humanos.




quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O REI NASCE AQUI - Entevista com Marco Aurélio Luz



O REI NASCE AQUI

Entrevista feita a Marco Aurélio Luz por Fala Nagô

Nesta entrevista exclusiva a Fala Nagô, Marco Aurélio aborda aspectos interessantes sobre a dinâmica do cotidiano curricular da experiência pluricultural africano-brasileira desenvolvida na Mini Comunidade Oba Biyi.A experiência educacional é relatada no livro “O Rei Nasce Aqui” em co-autoria com Mestre Didi Asipá. Marco Aurélio Luz possui os títulos de Elebogi na Comunidade terreiro Ile Asipá e de Oju Oba no Ilê Ase Opô Afonjá. É co-fundador da comunidade-terreiro e da Sociedade civil, acompanhando o Alapini Mestre Didi, desde quando se conheceram em 1974. Além dessa participação e compromisso comunitário, o Elebogi estende sua atuação em atividades acadêmicas e sócio-culturais, a saber: escultor de imagens da temática arte sacra afro-brasileira, Filósofo, Doutor em Comunicação, Pós-Doutorado em Ciências Sociais Paris V-Sorbonne-CEAQ-Centre D’Etudes sur L’actuel du Quotidien. Foi professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense-UFF e da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia onde criou na Pós-Graduação e Graduação a Linha de Pesquisa Educação e Pluralidade Cultural.

FALA NAGÔ: Qual o significado e o valor desse novo livro em co-autoria com Mestre Didi?

MARCO AURÉLIO LUZ: “O Rei Nasce Aqui” é um livro que se baseia na experiência pedagógica da Mini Comunidade Oba Biyi, nome em homenagem a Mãe Aninha fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá.Na Mini Comunidade Oba Biyi foi implantado um currículo pluricultural coordenado pelo grupo de trabalho em educação da SECNEB -Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil no âmbito da comunidade-terreiro Ile Axé Opô Afonjá nas décadas de 70 e 80, e que resultou numa verdadeira revolução na educação.

FALA NAGÔ: O que você chama de “revolução na educação”?

MARCO AURÉLIO LUZ: Para atender as expectativas das crianças e jovens integrantes de uma comunidade de tradições culturais afro-brasileira, e que se sentiam rejeitadas pelas escolas do sistema oficial de ensino, constituiu-se um novo “continente pedagógico” que iria caracterizar o projeto educacional Mini Comunidade Oba Biyi. O caminho indicado na primeira metade do século passado por Mãe Aninha, Iyalorixá Oba Biyi, de ver as crianças da comunidade no dia de amanhã “de anel no dedo e aos pés de Xangô ”inspirou a trajetória de nascimento de uma nova linguagem educacional. Fundou-se um espaço pedagógico assentado na recriação das linguagens e nos valores da comunidade. Da tradição nasceu o novo; gerado na criação um novo currículo, uma nova forma de aprendizagem. Uma revolução à lá Copérnico, uma inversão, o sol e não a Terra está no centro do universo. A cultura que guarda o saber da tradição comunitária passa a ocupar o centro da experiência educacional.Todavia, é uma revolução a passos de pombo como diria Nietzsche.

FALA NAGÔ: De que modo o ensino oficial é incapaz de acolher as crianças e jovens e mesmo os rejeitarem?

MARCO AURÉLIO LUZ: O sistema oficial de ensino se ergue em “território” do contexto ideológico laico, positivista se podemos assim dizer. A República desdobrada do mundo colonial ou neocolonial constitui sua Razão de Estado baseando-se na filosofia de Augusto Conte e de suas derivações ao longo do tempo. Ela vai cimentar os aparelhos de Estado e os aparelhos ideológicos de Estado como o da educação.

FALA NAGÔ: Mas como se operacionalizava essa rejeição?

MARCO AURÉLIO LUZ: A teoria dos três estágios da sociologia positivista qualifica e desqualifica linguagens e valores de civilizações diferentes num arcabouço ideológico evolucionista e europocêntrico. Supostamente ela anuncia a chegada da humanidade ou, da sociedade humana, a etapa positivista isto é, o Estado deverá reger as relações sociais baseado nos cânones da ciência da sociologia. As demais etapas, ultrapassadas e combatidas são a metafísica, baseada na predominância do discurso filosófico e, a religiosa baseada na linguagem do mito. Nesse contexto teórico-ideológico, a rejeição possui inúmeros aspectos, é o terreno onde se constrói o apartheid ideológico, onde derivam os preconceitos e os estereótipos. No sistema oficial de ensino, o eixo central da rejeição é o lugar de rainha do currículo escolar a ser ocupado pela ideologia de onipotência de conhecimento que envolve a ciência e a pura abstração, e ainda, consequentemente a crítica, a condenação e o combate incessante aos discursos míticos e filosóficos. Acrescente-se ainda que por sua vez o discurso científico cada vez mais visa atender as demandas da tecnologia e essa, por sua vez as demandas do produtivismo industrial, de estimulação militarista, fator de acumulação incessante do capital financeiro, uma ordem de valores bem distinta das elaborações sobre o mistério do existir constituinte dos demais discursos, especificamente em outros contextos culturais.

FALA NAGÔ: Então é essa ideologia que alicerça o sistema oficial de ensino?

MARCO AURÉLIO LUZ: Exatamente, ainda mais que a ideologia não é só discurso, mas, sobretudo instituição e exigência de determinados comportamentos. Nesse contexto a escrita foi “abduzida”, ou sugada pela Razão de Estado e pela burocracia onde se constituem as chefarias dos especialistas na geração e manutenção da “ordem” nas cidades. A escola está estruturada em torno dessa escrita e dessa burocracia. Isso faz com que a aprendizagem seja, sobretudo, a adaptação do corpo e da mente para esse tipo de comunicação cujo epítome se caracteriza pelas bibliotecas, com seu silêncio, sua cor pálida, seus móveis discretos para uma comunicação solipcista, mediatizada pelo livro num único apelo sensorial – olho-cérebro; a denominada sujeição voluntária para alguns ou sujeição premiada. Enfim a constituição do sujeito produtor e consumidor, o incluído na concorrência tecnológica.

FALA NAGÔ: Fale-nos dessa sujeição voluntária e premiada.

MARCO AURÉLIO LUZ: A sujeição voluntária é uma noção integrante do pensamento de Michel Maffesoli. Refere-se à acomodação do cidadão ante as seduções encantadoras dos discursos da Razão de Estado. A sedução premiada é mais ou menos como aquela descrita na famosa música Conceição cantada ou interpretada por Cauby Peixoto: “Vivia no morro a sonhar com coisas que o morro não tem”...

Em contextos pluriculturais a principal conseqüência dessas sujeições é que os jovens têm de abandonar o contexto de sociabilidade de suas tradições para se adaptar ao sistema de valores europocêntricos se tornando no dizer de Eldridge Cleaver, ”almas no exílio”. Hoje em dia porém, já existe defesa de proteção a essas enganações, como na música de Assis Valente, “quem desce do morro não morre no asfalto”... “Lá vem o Brasil descendo a ladeira”... ou como prevenia Dorival Caymmi, “pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz...” ou ainda como cantou o poeta Zé Kéti, “quando derem vez ao morro toda cidade vai cantar...”

FALA NAGÔ: E como a experiência da Mini Comunidade Oba Biyi sobrepujou esses obstáculos que resultaram na constituição de um novo continente pedagógico baseado nos valores das comunidades afro-brasileiras?

MARCO AURÉLIO LUZ: A constituição de um novo currículo brotou dos valores e das linguagens da tradição, da territorialidade “da porteira pra dentro da porteira pra fora” como se expressou, certa feita, Mãe Senhora, Iyalorixá Oxum Miuwá. Na civilização africana a religião ocupa lugar central e predominante, na tradição nagô, nada de importante deve ser feito sem mobilização de axé. Para tanto tudo começa com a consulta ao sistema oracular, onde o jogo de Ifá ou Erindilogun constitui o imponderável e se caracteriza pela interpretação sacerdotal baseada numa classificação combinada de mitos ou contos ou ainda awon itan em língua yorubá.
A partir de então são designados os rituais a serem realizados, sempre envolvidos pela expressão estética que magnifica o sagrado promovendo emoção e alegria numa forma de comunicação que promove a sociabilidade comunitária, o povo junto compartilhando as elaborações do mistério do existir, a pulsão comunal.

FALA NAGÔ: Então é desse território que se constitui o currículo pluricultural africano-brasileiro?

MARCO AURÉLIO LUZ: Sim! As recriações dos mitos ou contos já constituíam um gênero literário na obra de Mestre Didi. Além do valor de verdade no contexto da liturgia, os contos guardam uma sabedoria acumulada pela antiguidade resultante da experiência humana preservada pela tradição. Eles possuem uma dimensão de aprendizagem expressando preciosas lições de vida, uma filosofia nagô. Agregando um valor literário na língua portuguesa do Brasil entremeadas da maneira de falar dos antigos africanos e seus descendentes, sentenças em língua yoruba, os contos foram adaptados para a experiência da Mini Comunidade Oba Biyi por Mestre Didi, e por iniciativa dele, dando-lhes uma linguagem dramática contextualmente apropriada. Nessa linguagem sobressaem-se as dimensões estéticas emergentes da comunidade, especialmente a música percurssiva combinada com as danças dramáticas ou coreográficas.

FALA NAGÔ: E qual foi o papel dos contos no currículo pluricultural?

MARCO AURÉLIO LUZ: Foi fundamental! Em torno deles foram se organizando as atividades da aprendizagem, o espectro de conhecimentos de variados matizes, e que culminavam a cada semestre letivo no Festival de Artes Integradas Mini Comunidade Oba Biyi. Nessas ocasiões as crianças interagiam com a comunidade expressando emoções e conhecimentos de uma estética constituída de ludicidade, saber e alegria. Nessa toada fundou-se um novo território de aprendizagem, o da educação pluricultural africano-brasileira. Inaugura-se a possibilidade de circulação entre mundos sócio-culturais diferentes com liberdade e integridade.

FALA NAGÔ: Nos cursos de formação de professores há um uso impreciso de termos como multiculturalidade, interculturalidade, diversidade cultural...

MARCO AURÉLIO LUZ: Desde o início do projeto se falou em educação pluricultural. Eu entendo cultura como uma expressão derivada de contínuos civilizatórios. Falando em Brasil nós temos uma pluralidade de culturas derivadas do contínuo civilizatório aborígine, ou como se menciona geralmente de ameríndio, do contínuo civilizatório europeu, e do contínuo civilizatório africano, esse o mais antigo da humanidade.

FALA NAGÔ: Concluindo...

MARCO AURÉLIO LUZ: ”Do Mundo Fechado ao Universo Infinito”, como nos diz o título do livro do filósofo Alexandre Koyré. Os contos narrados e adaptados por Mestre Didi para a Mini comunidade Oba Biyi, além de constituir o currículo pluricultural, possuem uma dimensão especial. Eles transcendem a limitação imanente, da construção ideológica positivista da materialidade do “real” característico do contexto das projeções industrialistas mercadológicas sobre a escola oficial, e abrangem um outro real, isto é, o do universo infinito, lições de vida que compreendem o mistério do existir.

Neste sentido o currículo que emerge da tradição africano brasileira acompanha os valores, éticos e estéticos, e a visão de mundo herdada de nossa ancestralidade africana projetada desde os inícios da humanidade e suas primeiras e magníficas civilizações, cuja origem se perde na noite dos tempos...